Por que algumas situações demandam autocontrole e outras não?

Paula Grandiwww.paulagrandi.com.br

Já abordei o tema autocontrole em uma publicação anterior. Nela discuto, dentre outras coisas, como o termo autocontrole é ruim se pretendemos discutir este fenômeno de uma perspectiva analítico-comportamental. Se você está chegando aqui agora e este é um assunto novo para você, sugiro que leia o meu primeiro texto sobre o tema (publicado também aqui no Comporte-se): https://comportese.com/2015/03/autocontrole-a-analise-do-comportamento-pode-ajudar/.

Como discuti anteriormente, podemos controlar nosso próprio comportamento da mesma forma que controlamos o comportamento dos outros: por meio da manipulação de variáveis das quais o comportamento é função (Skinner, 1953). Uma resposta controladora (R1) pode afetar certas variáveis de tal modo que modifique a probabilidade de outra resposta, denominada resposta controlada (R2). A resposta controladora pode manipular qualquer uma das variáveis das quais a resposta controlada (R2) é função (Skinner, 1953). Mas afinal, por que algumas situações demandam autocontrole e outras não? Para respondermos a esta pergunta temos que compreender quais são as contingências (e qual a resposta controlada – R2) que demandam autocontrole, e como a sociedade em que vivemos dispõe essas contingências.

Vamos pensar em um exemplo. Quando temos que estudar ou redigir um relatório chato, mas nos mantemos assistindo TV, Netflix, ou jogando videogame, dizemos que “precisamos de mais autocontrole”. Neste caso, a resposta a ser controlada (R2) é a resposta de assistir TV, Netflix ou jogar videogame. A resposta controladora (R1) será qualquer resposta que afetar as variáveis das quais a resposta controlada (R2) é função, neste caso, de modo a diminuir a sua probabilidade.

Mas como sabemos que tipo de resposta 01poderá se tornar uma R2, isto é, poderá precisar ser controlada? Segundo Skinner (1953) “com frequência o indivíduo vem a controlar parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências que provocam conflitos […]” (p. 252). Uma resposta tem consequências conflitantes quando ela produz tanto reforçamento quanto punição.

Para exemplificar uma resposta com consequências conflitantes (que pode então demandar um comportamento autocontrolado), Skinner (1953) toma como exemplo a resposta de ingerir bebidas alcoólicas. Quando bebemos, nossa resposta pode produzir reforços positivos imediatos (ao ficarmos mais desinibidos devido a ingestão de bebidas alcoólicas podemos conversar com outras pessoas ou até mesmo conhecer alguém interessante) e reforços negativos imediatos (esquecemos de nossos problemas e compromissos, ou até mesmo eliminamos tarefas aversivas). No entanto, esta não é a única consequência da resposta de ingerir bebidas alcoólicas. A mesma resposta pode produzir também punição: os efeitos da ressaca (sentir-se mal) e os efeitos desastrosos do comportamento excessivamente confiante e irresponsável podem ser extremamente punitivos (Skinner, 1953). Alguns exemplos desses efeitos desastrosos podem ser bater o carro ou iniciar uma briga com um colega. Além disso, a desaprovação de alguns amigos no momento em que a resposta de ingerir bebidas alcoólicas é emitida pode também funcionar como uma punição.

Para compreendermos melhor as situações que demandam autocontrole, vou retomar brevemente o conceito de punição (para uma descrição mais completa, veja meu texto sobre Doenças Psicossomáticas, também publicado aqui no Comporte-se: https://comportese.com/2014/10/doencas-psicossomaticas-o-que-a-analise-do-comportamento-tem-a-dizer/). Skinner (1953) descreve que devemos definir a punição sem pressupor qualquer efeito sobre o comportamento. Ele afirma que a punição deve ser definida pelo seu procedimento, este que pode ocorrer de duas formas: 1. Punição positiva, quando ocorre a apresentação de um estímulo aversivo (por exemplo: um beliscão), em consequência a uma dada resposta do organismo; 2. Punição negativa, quando há a retirada de um estímulo reforçador positivo (por exemplo: uma sobremesa), após a emissão de uma resposta.

Apesar de não ser definida pelos seus efeitos, a punição resulta para o organismo em três subprodutos (efeitos) muito danosos (Skinner, 1953): 1. Ocorre a supressão temporária da resposta punida dada a eliciação de respostas emocionais que, temporariamente, competem com a emissão da resposta indesejada. Isto é, a resposta punida para de ocorrer apenas momentaneamente, e pode voltar a ocorrer principalmente na ausência do agente punidor; 2. A punição ocasiona a produção de estímulos aversivos condicionados. Todos os estímulos presentes no momento da punição, o agente punidor e a tendência se comportar da maneira punida, tornam-se estímulos aversivos condicionados e passam a eliciar as mesmas reações descritas no primeiro efeito. O mundo ao redor torna-se cada vez mais aversivo; 3. Quaisquer respostas que removam ou reduzam o contato com a estimulação aversiva serão reforçadas. Este efeito será extremamente importante para compreender o autocontrole. Aqui, ocorre o fortalecimento de respostas de fuga e esquiva que removam ou reduzam a estimulação aversiva. Diversos comportamentos podem ser fortalecidos, dentre eles, o de autocontrole.

Vamos voltar ao exemplo de ingerir bebidas alcoólicas. Já vimos que esta resposta provoca conflitos pois leva tanto a reforçamento, quando a punição. O que sabemos sobre uma resposta que é reforçada? A classe de respostas em questão terá a sua probabilidade de ocorrência futura aumentada, ou seja, a probabilidade do beber ocorrer em ocasiões futuras irá aumentar. A tendência desta resposta irá prevalecer. E o que acontece quando uma resposta é punida? Conforme discuti acima, a punição faz com que a ocasião do beber e os primeiros estágios do beber gerem estímulos aversivos condicionados e respostas emocionais a eles, estes que chamamos de vergonha ou culpa (Skinner, 1953).

Segundo Skinner (1953), se a punição fosse simplesmente o reverso do reforço (isto é, diminuísse a probabilidade de ocorrência futura daquela classe de respostas), “as duas consequências poderiam se combinar para produzir uma tendência intermediária para o beber” (p.252), mas não é o que acontece. A punição não é definida pelo seu efeito no comportamento, e ela não diminui (a longo prazo) a probabilidade daquela classe de respostas ocorrer. O conflito entre as consequências está então posta, e os subprodutos da punição nos ajudarão a entender o comportamento de autocontrole.

Lembram-se do terceiro subproduto da punição? Ocorre o fortalecimento de respostas de fuga e esquiva que removam ou reduzam o contato com a estimulação aversiva. Estas respostas podem ser (nem sempre serão) as respostas controladoras (R1). Skinner (1953) descreve que, quando o comportamento é punido, o organismo pode vir a controlar partes de seu comportamento: “o organismo pode tornar a resposta punida [neste caso o beber] menos provável alterando as variáveis das quais é função. Qualquer comportamento que consiga fazer isso será automaticamente reforçado. Denominamos autocontrole estes comportamentos” (Skinner, 1953/2007, p. 253).

Assim, qualquer comportamento que diminuir a probabilidade da resposta de beber, e portanto da punição, terá sua probabilidade aumentada. Seja não passar mais na rua do bar, evitar sair com amigos que sempre ingerem bebidas alcoólicas ou até mesmo deixar o dinheiro em casa para que não seja possível comprar bebidas, todas estas respostas controladoras (R1) são possíveis pois enfraquecem o comportamento de beber. O indivíduo torna então a resposta que foi punida (ingerir bebidas alcoólicas) menos provável alterando as variáveis das quais ela é função.

É importante, no entanto, fazer uma ressalva. Skinner (1953) discute como o autocontrole malogra quando se descobre outros modos de fugir da estimulação aversiva. Se o indivíduo puder fazer qualquer outra coisa para fugir da punição, e quando digo qualquer, é qualquer coisa mesmo, ele o fará. E como sabemos, raramente estes comportamentos são de autocontrole. Se o indivíduo puder fugir da estimulação aversiva simplesmente bebendo escondido, é isso que ele fará! Conforme discuti, a probabilidade da resposta de beber não foi diminuída pois o reforço para esta resposta ainda está presente.

Então você está me dizendo que o único jeito de desenvolver autocontrole é por meio da punição? NÃO! Não e não! Que fique bem claro que não é isso que estou querendo dizer (muito menos Skinner). Esta é a forma como, atualmente, nossa sociedade dispõe contingências de reforçamento para o comportamento autocontrolado. Segundo Hanna e Ribeiro (2005) “é importante considerar a história individual dentro de uma comunidade que estabelece propriedades aversivas para o comportamento impulsivo e, portanto, respostas que reduzem a probabilidade desse comportamento [respostas de autocontrole] podem ser fortalecidas” (p.176). O autocontrole é, portanto, um produto social, mas de forma alguma só pode ser instalado por meio de punição.02

Skinner (1984) discute em seu livro Walden II como a sociedade poderia instalar e manter comportamentos de autocontrole sem utilizar a punição. A principal proposta é que o autocontrole fosse ensinado não de uma forma acidental, como geralmente acontece, mas que a sociedade fosse responsável por estabelecer processos comportamentais (ainda na infância) que levassem o indivíduo a moldar seu próprio comportamento (quando ele se deparasse com uma situação em que isso fosse necessário). Como em última instância, o controle sempre está nas mãos da sociedade, é importante que comecemos a pensar o quanto antes em como ensinar comportamentos de autocontrole de uma forma não coercitiva. Quando isso for possível, com certeza estaremos mais perto de fazer parte de uma sociedade em que vamos gostar de viver. É provável que nela a maioria de nossos comportamentos seja controlado por reforçamento positivo.

Para quem quiser saber um pouco mais sobre o tema, recomendo a leitura do livro Walden II. O capítulo 14 trata especificamente sobre a instalação de comportamentos autocontrolados.

REFERÊNCIAS

Hanna, E. S. e Ribeiro, M. R. (2005). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. Em J. A. Rodrigues e M. R. Ribeiro (orgs.) Análise do Comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. 1ª Edição, pp. 175-187. Porto Alegre: Artmed.

Skinner, B. F. (1948/2004). Walden II: uma sociedade do futuro. 2. ed. São Paulo: EPU.

Skinner, B. F. (1953/2007). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

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Escrito por Paula Grandi

Psicóloga pela PUC-SP, mestranda bolsista CNPq no Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP, especializanda em clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Possui Formação avançada em acompanhamento terapêutico e atendimento extra-consultório pelo Núcleo Paradigma e atuou como psicóloga residente em oncologia no Hospital São Paulo. Foi bolsista PIBIC-CEPE de iniciação científica na PUC-SP e participou da organização do EAC PUC-SP (2010-2011). Atuou como organizadora e professora do Curso de Verão de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (2015-2016). É membro sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e atualmente trabalha como psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e pesquisadora.

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