O que fazer com o comportamento de Birra?

Um dos assuntos mais frequentes trazido pelos pais na Terapia Infantil são os comportamentos de birra apresentados pelos filhos. Crianças que choram muito quando querem algo, que dão “espetáculos” em ambientes públicos quando são frustradas, que se atiram no chão, enfim, quem nunca presenciou uma cena dessas? O que sempre pode ser observado nessa situação, é a dificuldade dos adultos em lidar com esses comportamentos. O que é melhor: brigar? Ceder? Ignorar?

A palavra “birra” é usada para se referir a comportamentos que incomodam, geralmente emitidos por crianças que estão querendo alguma coisa. Antes de qualquer coisa é importante deixar claro que nenhuma delas nasceu assim, mas sim, que aprendeu tais comportamentos. É muito comum ouvirmos que a criança que faz a birra é de personalidade forte, geniosa.

Porém, para Análise do Comportamento a maior parte dos comportamentos produz consequências no ambiente. Tais consequências são mudanças no ambiente. Podemos exemplificar da seguinte forma: uma criança pede um brinquedo aos pais em um momento não apropriado (hora da janta, hora da tarefa escola) e os pais não entregam, em seguida, abre o maior “berreiro” ainda pedindo aquele brinquedo, os pais cedem e acabam entregando-lhe. Ou ainda, uma criança chora no momento do banho por querer ficar mais tempo na banheira, a mãe cede todas as vezes que ela chora. Portanto, percebemos que alguma crianças são birrentas não porque possuem uma “natureza ruim” ou são “chatinhas”, elas agem assim porque funciona, porque a birra produz consequências reforçadoras aos seus comportamentos (Moreira, 2008).

Segundo Garcia (2012), um bebê chora quando está com fome e passa a ser atendido, ou seja, após o choro tem a sensação de saciedade e o alívio do aversivo (fome). Aprendeu, então, que chorar lhe garante o alimento. Mas por não terem uma capacidade intelectual nem de falar, ninguém se incomoda com esse comportamento que está se instalando. O que seria diferente em uma criança de 2 ou 3 anos. O autor ainda menciona que as crianças vão, ao longo do crescimento, desenvolvendo novas habilidades (morder, chutar, se atirar ao chão) e utilizam esse novo repertório ficando atentas à reação dos adultos a seu redor. Estes, sem perceberem, podem reforçar os comportamentos que tanto os incomoda.

birraComo as crianças desenvolvem novos repertórios, podemos pensar que o comportamento de birra pode aparecer em diferentes idades, a diferença é que o comportamento vai ficando mais elaborado (Garcia, 2012).  Segundo Fernandes (2002) as crianças menores são tendenciosas a se comportarem dessa forma por terem dificuldades de se expressarem e de discutirem algumas regras. Além disso, nessa idade, choro e raiva geralmente controlam o comportamento dos pais, principalmente quando acontecem em contextos sociais. Quando a criança começa a gritar e chorar muito em um mercado por querer algo, por exemplo, os pais podem acabar cedendo para se livrarem dos aversivos (barulho do choro alto, vergonha das outras pessoas). A autora ainda completa dizendo que se essa contingência (criança vê algo que quer – chora pedindo esse algo – adultos cedem e dão) acontecer em alta frequência, as crianças podem acabar entendendo que é dessa forma que irão conseguir tudo o que desejam (chorando, brigando, gritando) e podem se tornar adultos que reagem de forma semelhante à situações que sinalizam frustrações. É muito comum encontrarmos no contexto clínico relatos de adolescentes e até mesmo de adultos: “sempre consegui algo dessa forma, chorando ou fazendo birra” e acabam contestando porque eles teriam que alterar seus comportamentos se, na maioria das vezes, o comportamento anterior (birra) dava certo.

Para identificar se um comportamento é birra ou não é preciso entender a função e o contexto em que ocorre, ou seja, sob controle de quais consequências a criança está se comportando e qual é o ambiente que o comportamento está aparecendo (Fernandes, 2002) Quando uma criança cai e se machuca, por exemplo, o choro pode ter funções diferentes, pode ser para sinalizar a dor ou chamar a atenção da mãe para o fato. Já a birra se apresenta como um comportamento de teimar e de insistir, assim pode ser caracterizado o choro da criança que quer ficar mais tempo no videogame, por exemplo.

Podemos perceber, então, que a consequência mantenedora do comportamento de fazer birra é o comportamento de ceder dos adultos. Estes podem dizer “não” quatro vezes, mas, se na quinta vez, cederem, irão ensinar para a criança que insistindo ela consegue o que deseja. Isto contribui bastante para o aumento da frequência de tais comportamentos, ora ceder à birra ora não ceder. Para a Análise do Comportamento, esse é o reforço intermitente que se refere à manutenção de um comportamento através de um reforçamento apenas ocasional, ao invés de ser reforçado todas as vezes que ocorre (Martin, 1941).

O que seria melhor ser feito para evitar o comportamento de birra?

O ideal seria prevenir o aparecimento desses comportamentos desde cedo, ou seja, os pais não reforçarem qualquer resposta (ação) que tenha essa função. Porém, podemos perceber que isso é quase impossível de acontecer já que existem vários contextos que são favoráveis ao “surgimento” dos comportamentos de birra por conta das dificuldades do dia a dia: os pais podem estar cansados ou podem estar se sentindo culpados por estarem ausentes durante um dia de trabalho, algumas crianças podem estar sendo educadas por outros adultos (avós, padrinhos, tios, etc) e estes acabam cedendo às suas solicitações sempre, entre outros.

Quando o comportamento de birra já está instalado, um método para tentar fazê-lo “desaparecer” é a extinção. Este princípio afirma que em uma situação, se o indivíduo emitir uma resposta previamente reforçada e essa resposta não tiver como consequência o reforço, então terá menor probabilidade de fazer a mesma coisa novamente quando tiver uma situação semelhante, ou seja, se uma resposta teve sua frequência aumentada através de reforçamento positivo, então parar de reforçar a resposta fará com que sua frequência diminua (Martin, Garry, 1941).

Segundo Garcia (2012), é dizer “não” e permanecer nessa postura até a birra passar. A criança tende a aprender que seus comportamentos não dão resultado. Portanto, quando ela começar a chorar quando quer algo, por exemplo, os pais ou adultos responsáveis devem ignorá-la, até mesmo nem olhar para ela. Os comportamentos a serem extintos tendem a apresentar variações na tentativa de uma possível consequência reforçadora (no caso da birra, pais cederem), ou seja, a criança que estava chorando passa a gritar e, se continuar sendo ignorada, pode começar a se jogar no chão. Portanto, pode-se perceber que esse procedimento é bem difícil, pois para que ele seja eficaz os adultos precisam ser persistentes e não ceder em nenhum momento. Se isso acontecer, uma resposta (ação) nova da criança pode ser reforçada e, dessa forma, o comportamento de birra se fortalece ainda mais. Ela aprende que as consequências são inconsistentes e irá tentar aquilo que quer com mais frequência e intensidade ainda.

O mesmo autor ainda defende um outro caminho mais elaborado para diminuição da birra. Segundo ele, o comportamento de birra traz sofrimento para a criança e portanto é preciso alterar relações. Se a criança está chorando porque quer refrigerante antes do almoço, uma proposta pode ser trocar por chá, agua ou outra coisa que não seja tão saborosa. Se ela quer brincar na hora de fazer a tarefa, deve-se tornar o momento da tarefa mais prazeroso. Nesse procedimento, então, é preciso criar situações para que o comportamento de birra desapareça e, com isso, o sofrimento. Outra maneira seria o controle por regras, desde que compatíveis com as contingências em vigor, por exemplo, refrigerante só será permitido aos finais de semana, entretanto se os pais permitirem de vez em quando (às terças ou quintas-feiras), a frequência do comportamento de birra não diminuirá.

E o castigo funciona? Segundo Fernandes (2002), se os pais começarem castigando os filhos desde cedo podem cair em uma armadilha. Cada vez que o castigo é aplicado e a criança para imediatamente, cria-se uma relação de que a punição é a melhor forma de controlar um comportamento inadequado. E, da próxima vez que a criança fizer algo errado, terá de ser punida. Com isso, a tendência dos pais é aumentar a intensidade do castigo, pois se a criança “acostumar” com o castigo brando e voltar a emitir os comportamentos inadequados, os pais entendem que se um castigo pequeno funcionou bem, um maior será mais eficiente. Além disso, o tipo do castigo varia com o humor dos pais (se teve um dia bom, aplica punições mais leves, se teve um dia ruim, punições mais severas) o que pode aumentar a frequência dos comportamentos inadequados das crianças. Para a Análise do Comportamento, a punição tem muitos efeitos ruins a longo prazo, o que pode ser discutido em outro artigo.

Podemos perceber que para ocorrer a alteração desse comportamento inadequado, é necessário que as consequências que os adultos emitem se alterem. A Terapia Comportamental pode contribuir com a orientação dos pais e adultos que influenciam os comportamentos das crianças. A partir da análise das contingências envolvidas nos comportamentos de birra, o Analista do Comportamento irá ensiná-los algumas atitudes mais eficazes para a diminuição ou desaparecimento desses comportamentos. Não é uma tarefa fácil uma vez que é preciso que todos os adultos sejam persistentes e pacientes para obterem os resultados esperados.

Referências:

Fernandes, K. E. (2002)  Como Identificar se a criança está fazendo birra. Disponível em <http://iacep.com.br/iacep/down_doc.php?arquivo=entrevistas/120213-ENTREVISTA%20COMO%20IDENTIFICAR%20SE%20A%20CRIAN%C3%87A%20EST%C3%81%20FAZENDO%20BIRRA.pdf.> Acesso em 30/03/2015

Garcia, M. (2012). Como lidar com o comportamento de birra? Disponível em <http://www2.darwin.com.br/2012_index/ensinoFundamental/_Apresentacao/fomacaoparapais/2013/Outubro.pdf> Acesso em 30/02/2015.

Martin, G. & Garry, J. (1941). Modificação do Comportamento: o que é e como fazer [Tradução Noreen Campbell de Aguirre; revisão cientifica Hélio José Guilhardi]. 8. Ed. São Paulo: Roca, 2009.

Moreira, M. B. (2008). Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed.

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Por que algumas situações demandam autocontrole e outras não?

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