Durante nossa formação, ainda na graduação, somos modelados para o atendimento clínico e para a discriminação dos problemas dos nossos pacientes. Porém nem sempre isso acontece com relação a atuação dentro de um hospital. Muitas vezes porque as instituições de ensino tem apenas a disciplina teórica sem a prática ou então esta não é obrigatória, o que faz com que nem todos os psicólogos em formação passem por esta experiência.
Mas ao sair da graduação pode se deparar com uma oportunidade de atuar na área da saúde, dentro de um hospital. Até ai, tudo bem, uma chance profissional para iniciar sua carreira. E o que fazer? Como estabelecer as prioridades, discriminar as demandas?
Primeiramente, procure conhecer toda a instituição em que esta entrando, tanto no que se refere a estrutura estática (construção, localização, divisão das especialidades) como da estrutura dinâmica (relacionamentos, hierarquia, funções)(Angerami-Camon, 2003).
Conhecer a estrutura física irá lhe ajudar não apenas a se localizar na instituição mas também a discriminar que locais você poderá utilizar para realizar os seus atendimentos. Em geral a psicologia tem um espaço para si, para seus materiais, mas nem sempre este espaço comportará, ou seu paciente terá possibilidade de ir até ele para receber o atendimento. Então, as vezes, é necessário que se tenha conhecimento sobre espaços possíveis de se atender no próprio andar em que o mesmo estiver internado. Isto principalmente se você precisar orientar familiares e queira um pouco mais de privacidade para tratar de algum assunto que não seja adequado falar na frente do paciente internado.
Esse tipo de informação também lhe ajuda a se ambientar com o local, principalmente se esta for a primeira vez que esteja em um ambiente hospitalar para atividades profissionais. Algumas instituições tem acesso exclusivo para os funcionários em alguns setores o que pode agilizar a sua ida até ele sempre que for solicitado. Este tipo de conhecimento também propicia o acesso as rotinas desenvolvidas em cada setor e o que você precisa fazer para estar nele, como por exemplo as UTIs que necessitam de um cuidado maior em relação a higiene e aos tipos de objetos que podem ser levados na mesma. Por exemplo, se em algum momento for atender alguma criança que esteja internada neste setor, que tipo de brinquedos ou atividades podem ser inseridas neste ambiente, pois um bicho de pelúcia pode ser o brinquedo preferido da crianças, mas dificilmente terá permissão para entrar neste setor, devido a sua alta probabilidade de conter algum tipo de germe e, também, pela dificuldade de higienização que o mesmo possui.
Já o conhecimento da estrutura dinâmica pode lhe auxiliar a discriminar quem em geral será o solicitante do seu trabalho, que tipo de informações eles podem repassar que sejam úteis, bem como a necessidade do seu trabalho. É fato que as funções de cada um podem em muito agilizar as atividades que virão a ser desenvolvidas. Com certeza uma pessoa que trabalha diretamente com o paciente pode lhe dar mais informações sobre o comportamento do mesmo e qual a necessidade do seu atendimento.
Após este conhecimento inicial você se depara com muitas solicitações de atendimentos, mas como discriminar o que é importante, prioritário ou urgente? Isto dependerá muito do setor que vier este tipo de solicitação e do tempo que eles tem para que você faça uma intervenção. Por exemplo num pronto socorro ou UTI todas as demandas serão consideradas urgentes. Uma coisa é fato, antes dessa classificação, durante o processo de integração é importante que se tenha clareza de quais setores você irá atender para conseguir saber o “que” e “como” priorizar.
Quando se sabe para qual setor se esta contratado (importante isso porque não adianta um psicólogo para um hospital de 300 leitos por exemplo) você pode começar a entender mais sobre a rotina e o que é importante para aquele determinado setor.
Vamos exemplificar para ficar mais claro. Você inicia seus trabalhos no serviço de pediatria de um hospital geral. Dentro desse mesmo setor você precisa entender se os deverá atender as crianças ou seus familiares. Aí pode começar a sua primeira crise profissional: mas aprendi que quando o cliente é uma criança, devemos sempre olhar para a família. Levando em consideração que o seu atendimento deve ser focal e que muitas vezes a criança pode ser pouco colaborativa devido a presença do familiar, a sua prioridade deve ser a criança. Gentilmente pode pedir ao familiar para interagir mais com a criança e então fazer a intervenção necessária.
Na pediatria é direito dos pais ficarem juntos as seus filhos e sabe-se que estes ficam menos tempo hospitalizados, porém, muitas vezes sabe-se que os medos dos pais são discriminados pelas crianças e estas passam a se comportar conforme presenciam seus pais reagindo. Claro que é importante na sequencia atender estes pais e orientar sobre isso. Mas o seu foco, em geral, deve ser a criança.
Sabe-se que o acompanhamento dos pais na internação além de um direito garantido por lei (Brasil, 1990) também diminui o tempo de internação da criança. Porém na prática muitas vezes o acompanhante sofre com sua criança internada e com isso pode apresentar comportamentos que acabam atrapalhando a intervenção da equipe e a adesão da criança ao tratamento. É natural que familiares fiquem ansiosos ao ver seu filho internado e que a espera pelo diagnóstico, prognóstico e tratamento não sejam as situações que são mais fáceis de serem enfrentadas. Portanto, por mais que a equipe de psicologia seja solicitada para uma intervenção com a criança, discriminar que o pais também precisam de um acolhimento e atenção pode ser mais eficaz do que insistir no trabalho apenas com o paciente.
Este é apenas um pequeno exemplo dentro da grande instituição que é um hospital geral. Porém o que se pode aplicar em todas as demais áreas: sempre que for solicitado para um atendimento, observe todo o contexto, com as estruturas físicas e dinâmicas, pois nem sempre a solicitação que é feita é para o paciente em si, mas pode ser para todo esse ambiente ao seu redor e que influencia diretamente o seu comportamento no hospital. Nosso comportamento precisa ser mais refinado para intervir no local necessário e não no solicitado.
Referências:
Angerami-Camon, V. A. (2003). Elementos Institucionais Básicos para a implantação do Serviço de Psicologia no Hospital (Aspectos Estáticos). In: V. A. Angerami-Camon (org.) A Psicologia no Hospital. 2a. ed. São Paulo: Pioneira.
Brasil. (1990). Lei nº8.069, de 13/07/1990, que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília.