Ao longo desses dez anos ministrando a disciplina Terapia de Casal em um Instituto particular de especialização em Análise do Comportamento em Brasília, todos os semestres, ao iniciar a primeira aula, eu questiono os alunos, todos eles psicólogos comportamentais, sobre quais dos presentes desejariam iniciar atendimentos de casais. Por muitas vezes, eu ouvi todo tipo de resposta. Mas as que mais me intrigam são as respostas que trazem impressões de que atender casal é como um ringue. Uma vez uma aluna afirmou: “Para mim, atender casais é quase como uma luta de MMA ao vivo”. Discriminar as sessões dessa forma não os animava a se engajar nessa modalidade de atendimento e, ao ampliar reflexões sobre isso em sala, concluí muitas vezes que a dificuldade dos alunos não era pensar nas possibilidades de brigas durante a sessão, mas sim era não se perceberem com repertório clínico ou habilidades suficientes para lidar com elas.
Assim, atender casais dentro da perspectiva da Análise do Comportamento nos coloca em contato com dois questionamentos pertinentes e necessários. O primeiro se refere a quando afirmamos que realizamos terapia de casal e que nossa abordagem é comportamental, o que exatamente isso quer dizer? Entre tantas coisas, talvez a mais importante seja entender que trabalhamos com uma abordagem contextual. Aprendemos que o comportamento de cada indivíduo e, portanto, de cada casal é formado e mantido por eventos ambientais singulares. Assim, quando recebemos o casal pela primeira em nosso consultório, devemos investigar padrões comportamentais advindos dessa díade como sendo únicos e frutos dessa interação.
O segundo questionamento a ser feito é: para atender casais, quais são as habilidades que devemos desenvolver como terapeutas, dentro dessa modalidade de atendimento, para conduzirmos as sessões de forma producente? Responder essa pergunta será o mote para este texto e, no decorrer da sua leitura, irei pontuar e avaliar cada uma das habilidades necessárias, tanto para produzir os resultados esperados na sessão quanto para alcançar ganhos comportamentais em cada um dos pares.
Para identificar as habilidades de um clínico comportamental, o primeiro ponto que necessita ser esclarecido possui relação com o que definiria um terapeuta comportamental. Guilhardi (1982) afirma que um sério problema é a falta de consenso sobre o que vem a ser esse terapeuta. A prática, frequentemente, tende a caracterizar o terapeuta comportamental como aquele que emprega determinadas técnicas. Ele esclarece que definir o profissional pelas técnicas que usa é inadequado e perigoso. Inadequado porque qualquer terapeuta poderia empregar essas técnicas, independentemente da abordagem clínica que ele adote. E perigoso porque o psicólogo pode usar as técnicas como um instrumento de intervenção ou para conduzir as sessões, sem que sua atuação necessariamente se resuma à aplicação destas.
Para alguns autores, as expressões “Terapia Comportamental” e “Modificação do Comportamento” são sinônimas, o que prejudica o entendimento de que a prática atual dos analistas do comportamento consiste em muito mais do que a mera aplicação de técnicas (De-Farias, 2010). De-Farias afirma que o que hoje há de comum entre os que se denominam terapeutas comportamentais é um compromisso com a avaliação, com a intervenção e com os conceitos que devem apoiar-se em algum modelo de análise científica bastante cuidadosa.
O behaviorismo radical desenvolvido por B. F. Skinner é o modelo proposto dentro da Psicologia para a análise do comportamento. Como afirma Baum (1994/1999), o behaviorismo, na sua concepção mais ampla, não se constitui na ciência psicológica propriamente, mas sim numa filosofia do comportamento humano que norteia o tratamento de questões, como porque os indivíduos se comportam do modo como se comportam, quais os mecanismos envolvidos e quais fatores devem ser manipulados para viabilizar uma previsão acurada e o seu controle.
Assim, um primeiro aspecto, que parece ser de comum acordo entre diversos autores, para definir qual o repertório exigido para que um terapeuta possa se considerar um terapeuta comportamental é a uma formação sólida em behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento, sendo que o conceito da análise funcional é o mais enfatizado, somado à habilidade de aplicá-lo como técnica. Este conceito é tão ressaltado pelo fato de que é através da análise funcional que o terapeuta poderá descrever, em termos funcionais, os comportamentos do cliente, detalhando topografia, freqüência, local e função destes comportamentos.
Descrito isso, podemos dizer que a primeira habilidade que um terapeuta de casal deve ter bem treinada é a capacidade de realizar análises funcionais precisas do casal em atendimento. Skinner (1953/2000) afirma que a análise funcional é derivada de uma análise das contingências externas, das quais o comportamento é função. Assim, a realização dessas análises funcionais consistirá em fazer o casal aprender que seu comportamento tem uma função e que há contingências que favorecem a instalação e a manutenção de alguns dos padrões comportamentais que envolvem tanto sua história passada de vida e relacionamento amoroso quanto a atual. Por isso, o objetivo primordial de todo terapeuta deve ser ensinar o cliente a realizar análises funcionais e isso não é diferente para quem escolhe atender casais.
Outra habilidade importante para o terapeuta de casal deve ser a capacidade de construir uma relação terapêutica consistente e satisfatória entre ele e o casal em atendimento. Em 1953, Skinner discorreu sobre uma das características essenciais para que uma relação terapêutica fosse satisfatória: o terapeuta deveria se constituir como uma audiência não punitiva.
Na prática, quando falamos em “audiência não punitiva”, não estamos nos referindo à total ausência de intervenções, mas sim a um reforçamento não contingente a respostas específicas, o que é usualmente referido com termos como “aceitação incondicional” e “promoção de ambiente acolhedor” (Del Prette & Almeida, 2010). Falar sobre “audiência não punitiva” é falar também do uso de reforçamento para respostas que precisam ser modeladas pelo clínico ou porque foram punidas ou porque não foram ensinadas pela comunidade verbal na qual o casal está inserido, portanto, sua emissão em sessão pode inicialmente ser aversiva justamente porque foram pareadas com punição na vida do casal, em situações semelhantes.
Um exemplo disso são casais que trazem relato de traição. Muitas vezes relatar episódios de casos extraconjugais em alguns ambientes, como contexto familiar ou igreja, foi consequenciado com críticas e isolamento social. Experiências assim podem fazer com que o casal evite entrar em contato com esse problema. Acontece que não tratar disso é apenas uma esquiva que adia os aversivos imediatos que lembrar da situação pode trazer, mas que infelizmente não ajuda o casal a discriminar o motivo e sob efeito de quais contingências emitir esses comportamentos foi função.
Atualmente, a importância da relação terapêutica é consenso para os terapeutas comportamentais e considerar isso é considerar a qualidade do vínculo estabelecido no atendimento. Alguns autores apontam o vínculo terapêutico como um meio para facilitar outros aspectos importantes no processo de mudança, como aumentar o valor reforçador do terapeuta, levando a um maior engajamento na terapia, e modelar comportamentos adequados, promovendo expectativas positivas para superar as adversidades. De-Farias (2010) e Guilhardi (2001) acreditam que o vínculo terapêutico não é apenas um meio facilitador para o processo de mudança, mas uma ferramenta importantíssima para se obter o resultado esperado.
Nessa direção, Rangé (1995) afirma que a relação terapêutica poderá exercer influência positiva se o terapeuta tiver participação efetiva no tratamento, já que, tendo-se desenvolvido uma relação terapêutica positiva, o cliente sente-se suficientemente confortável para fornecer as informações necessárias para a terapia. Tratando-se de casal, o par em terapia deve sentir que pelo menos o terapeuta o respeita incondicionalmente no momento em que assume o risco de dizer algo pessoal, estabelecendo um clima de confiança para que as falas sejam evocadas. Nesse caso, o relato que os casais trazem na terapia pode facilitar o andamento das sessões e ampliar as possibilidades de atingir os objetivos traçados para o atendimento.
Na verdade, o terapeuta deve ser elemento organizador e temporário na vida do casal. Sobre isso Christensen e Jacobson (2000, citado por Otero & Ingberman, 2004) sugerem que o terapeuta precisa ter outras habilidades, como ser capaz de utilizar metáforas pertinentes, estar atento à linguagem do casal, usar o bom humor, desenvolver nos clientes uma maneira diferente de falar dos problemas, ensiná-los a descrever suas histórias, interromper quando necessário, assim como ser claro ao que se refere ao seu papel enquanto terapeuta de casal, evitar julgamentos dos membros que compõem a díade que está sendo acompanhada, evitar comparações entre os pares, favorecer a auto observação e autoconhecimento mútuo e fornecer “feedbacks”.
Essas habilidades, associadas a toda história de vida do terapeuta, seus conceitos e preferências pessoais, exercem alguma influência, intencional ou de forma indireta, no casal. Esta ação é intrínseca a todas as psicoterapias, podendo ser positiva ou negativa. Positivamente, ressalto as seguintes características que podem ser usadas enquanto habilidade: empatia, sinceridade, cordialidade, respeito e entusiasmo. Ações negativas seriam: pressão para revelação de dados muito pessoais, imposição de valores e abuso de poder. Essas ações são condições contraproducentes em terapia de casal e não devem estar presentes nos atendimentos. Já as positivas, assim como todas as outras habilidades ressaltadas ao longo do texto, devem ser usadas em abundância.
Referências Bibliográficas
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura (M. T. A, Silva, M. A Matos, G. Y. Tomanari & E. Z. Tourinho, Trads.). Porto Alegre: Artmed.
de-Farias, A. K. C. R. (2010). Por que “análise comportamental clínica?”: Uma introdução ao livro. Em A. K. C. R. de-Farias (Org.), Análise Comportamental Clínica: aspectos teóricos e estudo de caso (pp. 19-29). Porto Alegre: Artmed.
Del Prete, G. & Almeida, T. A. C. (2010). O uso de técnicas na clínica analítco-comportamental. Em A. K. C. R. de-Farias (Org). Análise Comportamental Clínica (pp. 147-159). Porto Alegre. Artmed
Guilhardi, H. J (1982). A formação do Terapeuta Comportamental. Que Formação?. Artigo apresentado no XII Simpósio Internacional sobre Modificação de Comportamento em Ribeirão Preto (SP).
Guilhardi, H. J. (2001). Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre o comportamento e cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 287-300). Santo André: ARBytes.
Otero, V. R. L. & Ingberman, Y. K. (2004). Terapia Comportamental de casais: Da teoria a prática. Em M. Z. Brandão (Org.), Sobre o Comportamento e Cognição: Vol. 13. Contingências e metacontingências: Contextos socioverbais e comportamento do terapeuta (pp. 363-373). Santo André: ESETec.
Rangé, B. (1995). Relação terapêutica. Em Range, B. (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva dos Transtornos Psiquiátricos (pp. 43-66). Campinas, Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes.