Resolução de problemas e violência em relacionamentos íntimos: tipologias de agressores e tomada de decisões

O estudo da violência dentro dos relacionamentos tem tido grande foco em buscar homogeneidade em aspectos inatos ou genéticos dos indivíduos que praticam atos agressivos, sendo que durante um período as pesquisas buscavam encontrar um perfil imutável e facilmente distinguível dos agressores através de características biológicas dos indivíduos. Com o avanço das investigações científicas, foi observado que as pessoas em situação de violência não compõem um grupo homogêneo, nem mesmo possuem um perfil inato, e que na realidade é necessário que o comportamento das pessoas agressivas seja identificado e classificado em diferentes tipologias, e não a pessoa agressiva em si. Nesse texto, irei apresentar tipologias de agressores conjugais, além de discorrer sobre o equilíbrio de poder dentro dos relacionamentos amorosos.

Um modelo com três tipologias principais de agressores conjugais foi criado a partir da revisão de pesquisas empíricas na área por Holtzworth-Munroe e Stuart (1994). As tipologias são “Familiar exclusivo”, “Disfórico/borderline” e “Violento generalizado/antissocial”. A tipologia “Familiar exclusivo” inclui formas menos severas de violência e menor chance de praticar agressões físicas. A maior parte dos homens desse grupo não apresenta psicopatologias e, ao serem questionados por profissionais, indicam remorso e culpa pelos comportamentos agressivos. Adicionalmente, esse grupo apresenta maiores chances de buscar ajuda de maneira espontânea e, usualmente, admitem o uso da violência dentro do relacionamento. As crenças dos homens desse grupo são mais liberais em relação às mulheres e menos positivas em relação à violência. Segundo as pesquisas, aproximadamente 50% dos homens que agridem a parceira apresentam essas características.

O grupo “Disfórico/borderline” tem como principais características agressões moderadas a severas, também nas formas psicológica e sexual. A maior parte dos homens desse grupo apresenta sofrimento psicológico e variações emocionais, isto é, podem apresentar-se amorosos e agressivos em intensidades altas. Segundo os autores, um quarto dos agressores apresenta essas características.

O último grupo, denominado “Violento generalizado/antissocial”, tem como características a prática da violência moderada a severa contra a parceira, também apresentando violência fora do ambiente familiar, incluindo comportamento criminoso e problemas com a lei. Apresentam menos remorso e maior tendência a culpar a vítima, bem como crenças conservadoras sobre as mulheres e positivas em relação à violência, vista como resolutiva de conflitos.

Podemos observar diferenças entre as visões sobre as mulheres nas três tipologias apresentadas, bem como sobre as visões relacionadas ao uso da violência dentro de um relacionamento amoroso. Dessa forma, podemos imaginar que os níveis de resolução de problemas também variem dentro de um relacionamento amoroso. Há indícios de que quando o sofrimento conjugal aumenta, há uma dificuldade de resolver questões complexas, aumentando a chance de ocorrer violência entre o casal (Rehman, Holtzworth-Munroe, Herron & Clements, 2009). Ou seja, há uma interação de mão dupla entre a tipologia do agressor e a habilidade de resolução de problemas do casal.

Diversas formas diferentes podem ser utilizadas na tomada de decisões. Alguns casais apresentam relações chamadas anárquicas, isto é, experienciam uma incapacidade de chegar a uma solução para conflitos, resultando em disputas de poder. Por sua vez, casais igualitários são os que se comprometem a tomar decisões juntos ou de forma autônoma, na qual algumas áreas têm decisões tomadas por um dos membros, mas no geral as responsabilidades são divididas. Casais anárquicos são mais insatisfeitos com o relacionamento do que casais igualitários. Adicionalmente, casais com tomada de decisões anárquicas utilizam mais comportamentos comunicativos negativos e coercitivos e são menos responsivos à terapia de casal.

Compreender o balanço de poder nos relacionamentos é fundamental para compreender o sofrimento conjugal. Contudo, ainda não é possível responder por que alguns casais em sofrimento são agressivos enquanto outros não. O fato de não se obter resoluções para problemas no relacionamento foi associado com comportamentos disfuncionais. Tal associação sugere que casais anárquicos não estão discutindo de forma positiva sobre seus problemas, mas continuam a discutir assuntos não resolvidos de maneira negativa. Enquanto casais igualitários buscariam superar o problema de novas formas mantendo um equilíbrio dentro do relacionamento. O diagrama abaixo reproduz a forma como casais anárquicos mantêm-se em uma tomada de decisões prejudicial a ambos.

Doc2_150x150_p1
Figura 1 – Modelo proposto por Rehman, Holtzworth-Munroe, Herron & Clements (2009) sobre violência nos relacionamentos (pg. 477).

Enfim, para se compreender os comportamentos de casais é importante atentar para as características dos comportamentos violentos utilizados, bem com as formas de resolução de problemas empregada por eles. Dessa forma, concluímos que não há um único perfil de agressor e de relacionamento disfuncional, e destacam ainda mais a importância de técnicas de resolução de problemas para o cotidiano dos relacionamentos amorosos.

Para saber mais:

Holtzworth-Munroe, A., Stuart, G. L. (1994). Typologies of male batterers: Three subtypes and the differences among them. Psychological Bulletin, 116(3), 476-497.

Rehman, U. S., Holtzworth-Munroe, A., Herron, K. & Clements, K. (2009). “My way or no way”: Anarchic power, relationship satisfaction, and male violence. Personal Relationships, 16, 475-488.

0 0 votes
Classificação do artigo
Avatar photo

Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva publica nova edição

CURSO DE ANÁLISE COMPORTAMENTAL CLÍNICA