A narrativa do filme “Preciosa: Uma História de Esperança” acontece em 1987, no Harlem, um bairro pobre de Nova Iorque. Retrata a história dramática de Claireece Preciosa Jones, uma jovem de 16 anos, vítima de preconceitos por ser negra e obesa, além disso, exposta às mais diversas privações e todos os tipos de violência intrafamiliar. Convive com a mãe em um ambiente familiar extremamente aversivo e sofre violência física, psicológica, sexual e negligência.
Apesar de muito jovem, Preciosa fica grávida do segundo filho, ambos do próprio pai. Com Síndrome de Down, a primeira criança mora com a avó e só vai para casa de Preciosa quando acontecem as visitas periódicas de fiscalização, devido ao benefício financeiro que a personagem recebe da assistência social. Quando a diretora da escola regular descobre a gravidez da adolescente, Preciosa é expulsa desta escola, mas é transferida para uma escola alternativa, onde Preciosa se torna amiga de outras adolescentes e sua professora tenta ajudá-la a superar algumas dificuldades e terminar seus estudos.
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Análise do filme
A violência intrafamiliar como controle aversivo do comportamento
O controle aversivo pode ser identificado quando existe coerção na interação homem/natureza. (Sidman 1995/1989) . Controle aversivo envolve punição, reforçamento negativo (fuga e esquiva) e privações socialmente impostas. De acordo com Andery & Sério (1997), violência é sinônimo de coerção, muito embora seja discutível igualar violência ao termo coerção, porque nem toda coerção é um exemplo de violência. O termo violência é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. É abordada, também, como um problema de saúde pública em todo o mundo e destacada pela importância da visibilidade das diferentes categorizações, incluindo a violência intrafamiliar, que muitas vezes é deixada em segundo plano, principalmente o mau trato infantil (OMS, 2012). A violência intrafamiliar é considerada aquela que acontece dentro da família ou até mesmo no lar onde a vítima reside, sendo caracterizada por diferentes formas – física, psicológica, sexual e negligência (Williams, 2004). . Muitas vezes a agressão sexual, por exemplo, pode vir acompanhada de agressão física e também psicológica, além da negligência. A história de Preciosa ilustra de forma explícita todos os tipos de violência Intrafamiliar:
Violência Psicológica: Ainda nas primeiras cenas do filme, na sala de aula, Preciosa não se mostra participativa. Embora esteja sempre com suas atividades em dia, aparenta isolamento social constante e parece estar sempre perdida em pensamentos, também não se relaciona com os colegas de classe, e quando se sente ofendida , reage com agressividade. Tais comportamentos estão relacionados à algumas das consequências da violência psicológica.
Violência Física: O filme mostra diversas cenas de violência física da mãe contra Preciosa. Em uma determinada cena, por exemplo, Preciosa está na pia da cozinha de costas para a mãe que está na sala e pergunta se comprou seu cigarro. Quando a garota responde que não, a mãe lhe atira um objeto na cabeça e ela cai desmaiada.
Violência Sexual: O abuso sexual cometido pelo pai de Preciosa e consentido pela mãe desde os três anos de idade, prejudicou de forma extrema o desenvolvimento da garota. Preciosa não só engravidou duas vezes do pai, como também contraiu o vírus HIV.
Negligência: No caso de Preciosa, a Negligência é identificada em vários momentos. As diversas formas de maus tratos ilustram de maneira clara o quanto a personagem é constantemente exposta a fatores de risco que a tornam vulnerável à violência e o quanto demanda proteção. A Negligência pode ser observada em sua comunidade, que apresenta um alto índice de pobreza, acesso fácil a bebidas alcoólicas, tráfico de drogas, pouco policiamento, desigualdade social e de gênero na comunidade, habitações inadequadas, falta de serviços de apoio para a família e instituições que lidem com necessidades especializadas, altos índices de desemprego, tolerância da violência etc.
O conceito de liberdade Skinneriana e o contracontrole
Uma das maiores buscas do ser humano é a conquista de sua “liberdade” para evitar/fugir de situações ou pessoas com função aversiva. Assim, é possível entender que a sensação de ser livre está relacionada à fuga ou à esquiva de estímulos aversivos. As pessoas nem sempre fazem o que querem e muitas vezes se comportam simplesmente para evitar a punição ou escapar dela. Quando Skinner fala sobre liberdade, é possível entender que esta só existe quando o individuo discrimina seus comportamentos e as variáveis que os controlam, ou seja, a liberdade depende do autoconhecimento. No entanto, a limitação para o autoconhecimento e a liberdade se tornarem efetivos integralmente, está na comunidade, visto que não é possível modelar a discriminação precisa de todos os comportamentos encobertos. Para a Análise do Comportamento, o conceito de liberdade propagado pelas doutrinas psicológicas não existe (Skinner, 2007/1953). Isto se justifique porque, se o conceito está ligado à extrema falta de controle (livre arbítrio total), ausência de controle impossível, sabendo-se que o comportamento é fruto dos três níveis de seleção (filogenética, ontogenética e cultura) e, portanto, determinado (Skinner 2007/1953).
A liberdade pode ser explicada também como “estímulo discriminativo verbal, que aumenta a probabilidade do homem operar sobre seu ambiente social, em função da consequência de gerar-lhe bem-estar e, ao mesmo tempo, transformar a sociedade em uma organização mais favorável ao desenvolvimento de todos”(Figueirêdo, s.d. ). O autoconhecimento oferece condições ao indivíduo para que este possa planejar sua vida e ter liberdade em determinadas situações – embora a liberdade não seja conquistada de forma integral, o individuo tem a possibilidade de manipular as variáveis de seu ambiente, substituindo a coerção por estímulos menos aversivos (Carvalho Neto, 2000).
O filme possibilita perceber o quanto os determinantes coercitivos (violência) não permitiam à Preciosa a sensação de liberdade. No entanto, a partir da modificação de contingências de reforçamento e do repertório comportamental da personagem (fuga, esquiva), acontecem mudanças relacionadas à sensação de liberdade como por exemplo, sair da casa dos pais. É possível também considerar os comportamentos de Preciosa como uma espécie de contracontrole, principalmente a partir do momento em que entra em contato com novas contingências reforçamento positivo relacionadas à nova escola e novos amigos. . Pode-se dizer que a menina sai de casa devido à extrema aversividade que este ambiente representava e tem como o objetivo fugir do contexto de violência a que era submetida pela mãe, , na esperança de que ocorram mudanças benéficas em sua vida.
A mudança de contingências propiciada pela saída de Preciosa da casa da mãe e a ida para o abrigo permitiram a ela estabelecer novos repertórios aos quais não tinha acesso quando vivia com a mãe, tais como: ler, escrever, ter acesso a cuidados médicos, cuidar do filho, participar de eventos sociais (festa de premiação por leitura) e estabelecer amizades. Nesse ponto do filme, a protagonista começa a apresentar reflexões sobre as contingências que a cercam e se permite pensar sobre seu futuro e sobre sua condição. Além disso, é nítido o importante papel da educação para a realização das mudanças nas contingências de reforçamento e autonomia da personagem (novo repertório comportamental). A relação com contingências de reforçamento positivas provocadas pelo novo grupo social que frequenta (escola e abrigo) permite que discrimine as suas contingências, desenvolva autoconhecimento e por consequência liberdade, segundo a visão analítico comportamental (Brandenburg & Weber, 2005).
Outro ponto que pode ser observado no filme é a relevância da ação interdisciplinar (assistência social, escola, saúde) para obtenção de melhores resultados. Tal fato confirma a afirmação de Skinner de que “as pessoas não devem ser deixadas livres para se desenvolverem por si mesmas, uma vez que a virtude moral não é produto de uma essência intrínseca ao indivíduo, é comportamento e, como tal, modelado pelas contingências de reforçamento” e desenvolvido pela comunidade verbal. A liberdade individual, portanto, não é algo que se encontra dentro do organismo, mas envolve uma análise das contingências e a modificação do ambiente social, assim como a modificação de comportamentos aprendidos ou negligenciados no processo de desenvolvimento do indivíduo.
Lista de Referências
Andery, M.A.P.A., & Sério, T.M.A.P. (1997). A violência urbana: aplica-se a análise da coerção? Em R.A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e cognição. Santo André: ARByes. pp. 433 – 444.
Brandenburg, O. J., & Weber, L. N. D. (2005). Auto conhecimento e liberdade no behaviorismo radical. Psico – USF, 10,1. 87-92.
Carvalho Neto, M. B. (2000). Esclarecimentos sobre o behaviorismo: uma réplica a Japyassú. Revista de Etologia, 2(1), 43-55.
Organização Mundial da Saúde (2012). Violence Prevention: important element of a health-promoting school. WHO information series health (3). Recuperado em 20 de Maio de 2012, de http://www.who.int/school youth health/media/en/93.pdf
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Tradução e M. A. Andery & T.M. Sério. Campinas: Editora Livro Pleno. (Obra original publicada em 1989).
Skinner, B. F. (2007). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.,11ª ed.). São Paulo: Martins fontes (Obra original publicada em 1953).
Williams, L.C.A. (2004). Violência e suas diferentes representações. Em G.C. Solfa (Org.). Gerando cidadania: Reflexões, propostas e construções práticas sobre direitos da criança e do adolescente. (pp. 141-153). São Carlos: Rima.