Atender casais dentro da perspectiva da análise do comportamento é entender que cada díade é única e que irá se comportar conforme a equação da sua história atual mais as histórias passadas de relacionamento. Isso significa que vamos atuar no processo terapêutico buscando analisar a função dos comportamentos no contexto presente da vida do casal como resultantes da soma de experiências e padrões comportamentais aprendidos em relacionamentos anteriores, assim como, os modelados entre eles. Desse modo, é necessário que as idiossincrasias do casal sejam levadas em consideração, não restringindo o processo terapêutico apenas à aplicação de técnicas, mas que, somadas a todo o arcabouço teórico que sustenta o atendimento, as técnicas sejam usadas como alternativa para os mais diversos fins dentro da sessão.
Del Prette e Garcia (2007) ressaltam que é importante tomar o cuidado de não se ater à técnica como sendo todo o processo terapêutico e sim uma parte dele. Ao se falar de técnicas, devemos pensar nelas como parte dos procedimentos utilizados na terapia de casal, com a finalidade de complementar a atuação do terapeuta, auxiliando desde a coleta de dados e identificação das demandas até as intervenções.
É importante dizer que o terapeuta é o responsável por adquirir conhecimento teórico, por conquistar a empatia do casal e por tornar o ambiente favorável à exposição dos mesmos durante o processo psicoterapêutico. Este processo pode ser compreendido como sendo um conjunto de procedimentos que promovem mudanças graduais no repertório comportamental dos pares, que ao longo do curso da terapia, vão se modificando com as intervenções e com o auxílio dos recursos e técnicas empregados.
Para Ferster, Culbertson e Boren, (1968/1972), a primeira tarefa do terapeuta deve ser definir o comportamento de forma objetiva e identificar as contingências que alteram a frequência do mesmo. Assim, essa também deve ser a tarefa do terapeuta de casal: identificar os problemas e demandas que levam às desavenças destrutivas, à comunicação insatisfatória e à baixa qualidade de interação entre o par.
Para atender a essas finalidades, muitas técnicas foram desenvolvidas nas primeiras ondas da terapia comportamental, como, por exemplo, esvanecimento, dessensibilização sistemática, reforço diferencial para outros comportamentos (DRO), modelação, modelagem, entre outros. Já com o movimento da terceira onda da terapia comportamental podemos lançar mão de outras possibilidades. As terapias de terceira onda caracterizam-se por serem particularmente sensíveis ao contexto e às funções dos fenômenos psicológicos e não apenas a sua forma ou conteúdo. Os tratamentos tendem a buscar a construção de um repertório amplo, flexível e eficaz.
As terapias de terceira geração mais relevantes neste cenário são a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP, Kohlenberg & Tsai, 1991) e suas regras (estar atento a, evocar e reforçar os comportamentos clinicamente relevantes, observar seus efeitos nos clientes e fazer a análise), a Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Strosahl & Wilson, 2011) e sua proposta de técnicas de atenção plena (Mindfulness), a Terapia Comportamental Pragmática (Medeiros e Medeiros, 2012) e seu modelo de questionamento reflexivo e a Terapia Comportamental de Casal Integrativa desenvolvida por Jacobson e Christensen (1992, citado em Cordova e Jacobson, 1993) com uma mistura do foco tradicional na promoção de mudança como o foco mais recente na promoção de aceitação.
Considerando todas as ondas da terapia comportamental e a finalidade para qual elas trabalham com o emprego de suas técnicas, em todas, as contingências operantes no comportamento do cliente são identificadas por meio da análise funcional. Meyer (2003) define a análise funcional como a identificação das relações entre os eventos ambientais e as ações do organismo, ou seja, devemos especificar a ocasião em que as respostas ocorrem, as próprias respostas e as consequências reforçadoras em vigor.
Podemos tomar como exemplo o atendimento de um casal com queixas atreladas à vida financeira, em que o relato do marido é que sua esposa controla “todos os seus passos”. Já nos relatos apresentados na sessão pela esposa são feitas descrições onde ela assume o papel de provedora do lar e de um marido acomodado. Com o decorrer do processo, muitos relatos do marido deixam claro que houve um movimento de mudança dessa situação, porém, em nenhum deles a esposa apoiou. Ela sempre descrevia que “tal emprego” não estava à altura dele. Uma análise possível diante desse cenário é que ganhar mais que o marido pode ser funcional para ela, tendo em vista que, a partir desse arranjo de contingências, ela o controla e toma todas as decisões da vida do casal.
Depois de realizada uma análise funcional apurada e confirmar essa hipótese, podemos lançar mão de alguns recursos terapêuticos para intervir. De modo geral, sabe-se que o objetivo da terapia é aumentar o contato com as contingências reforçadoras e minimizar o sofrimento do indivíduo (Vermes e cols, 2007). Assim, os recursos terapêuticos podem ajudar no aumento da sensibilidade às contingências em vigor e da descriminação de regras que sustentam boa parte das inadequações dispostas no relacionamento do par.
A esposa, por exemplo, pode perceber que, apesar de um alto custo, assumir todas as despesas pode ser mantido por reforçamento negativo, já que ela se comporta assim para evitar que o marido a exponha a um monte de situações em que ela se sinta ameaçada. Ela pode identificar regras como “quem tem o dinheiro manda!” e acreditar que isso te traz ganhos (alívio, segurança) sem perceber que na verdade ela perde (sempre ansiosa, angustiada) pelas consequências produzidas.
Outros recursos terapêuticos que ainda podemos citar são a operacionalização de conceitos, a formação de vínculo, a investigação de forma mais apurada da queixa, a evocação de comportamentos clinicamente relevantes, o treino de habilidades, a discriminação de estímulos, a dessenssibilização ao falar da queixa, o comprometimento com o processo de mudança, a diminuição da polarização entre o casal, entre tantos outros.
Para ilustrar alguns desses recursos podemos citar o exercício do “como eu sou? e como ele me vê?” que tem a finalidade de diminuir as distorções entre os conceitos que o casal traz a respeito um do outro e de si mesmos. Podemos citar também a “caixa da beleza” onde o casal é orientado a trazer para a sessão e colocar em uma caixa disponibilizada pelo terapeuta, objetos que representem sentimentos, momentos significativos vividos juntos, recordações agradáveis, etc. Cada um é incentivado a falar e explicar o objeto escolhido. Outro recurso é o exercício do “amar é…”, onde o terapeuta pede que cada um escreva em um papel sua própria definição e depois, junto com o casal, pode pedir que eles expliquem de forma a operacionalizar esse conceito. Esse exercício em especial pode favorecer várias análises do terapeuta a respeito de algumas desavenças do casal.
O próprio questionamento reflexivo proposto pela psicoterapia comportamental pragmática é outro exemplo de um recurso que construído pelo terapeuta durante a sessão, pode auxiliar o casal a desconstruir regras inadequadas e a formular suas próprias autorregras, diminuindo, significativamente seu nível de sofrimento. Um exemplo disso seria um casal que sofre forte pressão da família porque escolheram não ter filho. No atendimento desse casal, surgem regras ditas por suas famílias nucleares como, “para ser um casal completo só faltam os filhos”, “casar e constituir família é um objetivo de todo ser humano”. E o casal em função desses determinantes sofre, sentindo-se inadequados em sua escolha. O questionamento reflexivo envolve cadeias de perguntas abertas que funcionam como estímulos discriminativos verbais, os quais criam condições para que o cliente, ao final delas, formule autorregras analíticas e/ou modificadoras de comportamento (Medeiros e Medeiros, 2012). Desse modo, o casal pode aprender a validar a sua escolha e a experimentar reforçadores singulares advindos de seu modelo de relação.
Por último, podemos mencionar o uso de metáforas nessa proposta de atendimento. Skinner discutiu sobre metáfora em seu livro Comportamento Verbal, referindo-se às extensões do tato. Ele explica que uma pessoa pode responder a um estímulo com base em certas propriedades comuns a outros estímulos (Skinner, 1978). Dessa forma, a utilização de metáforas além de terem grandes chances de serem reforçadoras para o casal, pode contribuir significativamente para o sucesso da relação terapêutica e a adesão ao tratamento, além de ter uma série de outros benefícios, como aumentar a sensibilidade para arranjos de contingências em vigor na vida do casal e contribuir para evocar comportamentos relevantes, o principal foco da FAP.
Procurei aqui trazer alternativas com o intuito de auxiliar o psicólogo a ampliar seu repertório de atuação e a produzir o entendimento de que cada recurso pode ser usado de diversas formas, devendo o terapeuta criar a partir de cada um deles. Desta maneira, espera-se que o conteúdo discutido possa contribuir para o enriquecimento acadêmico e profissional dos interessados no tema por se tratar de um assunto de grande importância na prática clínica com casais.
É valido ressaltar que essas ferramentas são estratégias produtivas desde que sejam empregadas em um contexto terapêutico e que sejam decorrentes de uma análise funcional elaborada por um psicólogo habilidoso.
Referências:
Cordova, J. V., & Jacobson, N. S. (1993). Crise de Casais. Em D. H. Barlow (Org), Manual Clínico dos transtornos psicológicos (pp. 535-567). 2º Ed. Porto Alegre: Artmed.
Del Prette, G., & Garcia, R. M. (2007). Técnicas Comportamentais: Possibilidades e vantagens no atendimento em ambiente extraconsultório. Em D. R. Zamignani, R. Kovac, & J. S. Vermes (Orgs.), A Clínica de Portas Abertas (pp. 183-200). Santo André: ESETec.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C. P. (1968/1972). Princípios do Comportamento (M. I. R. e Silva, Trad.). São Paulo: Hucitec.
Hayes, S.C., Strosahl, K.D., & Wilson, K.G. (2011). Acceptance and commitment therapy: The process and practice of mindful change (2nd ed.). New York, NY: The Guilford Press.
Kohlenberg, R.J. & Tsai, M. (1991). Functional analytic psychotherapy: A guide for creating intense and curative therapeutic relationships. New York: Plenum.
Medeiros, C. A. & Medeiros, N. N. F. A. (2012). Psicoterapia Comportamental Pragmática: uma terapia comportamental menos diretiva. Em C. V. B. B. Pessoa, C. E. Costa & M. F. Benvenuti (Orgs.), Comportamento em Foco. v. 01. (pp. 417-436). São Paulo: Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC.
Meyer, S. (2003). Análise Funcional do Comportamento. Em C. E. Costa, J. C. Luzia, & H. H. N. Sant’Anna (Orgs.), Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição (pp.75-91). Santo André: ESETec.
Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. (M. da P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultriz.
Vermes, J. S., Zamignani, D. R., & Kovac, R. (2007). A relação terapêutica no atendimento clínico em ambiente extraconsultório. Em D. R. Zamignani, R. Kovac, & J. S. Vermes (Orgs.), A Clínica de portas abertas (pp. 201-228). Santo André: ESETec.