Neste artigo encerramos a sequência de artigos sobre as estereotipias, característica típica do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Nos dois primeiros artigos sobre esse tema apresentei duas das possíveis causas desses comportamentos nessa população, são elas: 1) a restrição comportamental, ou seja, o fato de o autista não desenvolver naturalmente outros comportamentos que lhe proporcionem prazer (como, por exemplo, o brincar); e 2) a alteração sensorial, que faz com que os autistas recebam os estímulos sensoriais do ambiente de forma alterada (aumentada ou diminuída, prazerosa ou aversiva, etc.), o que pode levar a uma busca compulsiva por algumas estimulações sensoriais (por exemplo, ver objetos girarem, passar objetos no corpo, etc.).
Agora, fechamos esse assunto com a terceira possível causa do repertório estereotipado apresentado pelos portadores de TEA: a tendência à repetição propriamente dita que é um dos sintomas que compõem esse diagnóstico. Segundo o DSM-V, os autistas apresentam padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos duas das seguintes maneiras: a. Comportamentos motores ou verbais estereotipados, ou comportamentos sensoriais incomuns; b. Excessiva adesão/aderência a rotinas e padrões ritualizados de comportamento; c. Interesses restritos, fixos e intensos.
Na prática, isso quer dizer que mudanças e situações novas geram medo, ansiedade, irritabilidade e podem evocar comportamentos disruptivos. Uma simples mudança de caminho para ir de casa até a escola pode ser o motivo para uma crise. Um banho fora de hora pode causar muito estresse. Por isso, os autistas tendem a repetir a mesma rotina, os mesmos rituais e, também, os mesmos comportamentos.
Essa tendência à repetição aparece tanto em respostas motoras como, por exemplo, balançar as mãos, pular, girar objetos, etc., quanto em respostas verbais como, por exemplo, repetir muitas vezes frases que ouviu de alguém ou na TV (ecolalias tardias); responder às perguntas sempre com a mesma resposta; repetir o que o outro acabou de falar ou o final da frase dita pelo outro (ecolalias imediatas), etc.
Os interesses também são repetitivos e restritos. Os autistas verbais costumam falar sempre sobre os mesmos assuntos e ter poucos ou até um único tema de interesse. Assim, essas pessoas querem ler, falar, assistir e ouvir apenas sobre esse tema de interesse, o que atrapalha muito as interações sociais. Afinal, para interagir com outras pessoas é preciso ouvir o que elas querem dizer e não apenas o que queremos ouvir; também é preciso falar sobre o que elas querem ouvir e não apenas sobre o que gostamos de falar.
Alguns estudos (Boucher, 1977; Baron-Cohen, 1989; Gillberg, 2005) mostram que esse comportamento repetitivo ou estereotipado dificulta a aprendizagem e a adaptação ao meio social. Afinal, com um repertório comportamental restrito, é mais difícil que novos comportamentos ocorram uma primeira vez para serem reforçados e, assim, aprendidos. Por exemplo, se a criança passa a maior parte do seu dia enfileirando objetos, há menos chances de ela manipular um objeto corretamente para que o adulto possa reforçar essa resposta e, então, fortalecê-la em seu repertório. Por outro lado, se a criança emite diferentes respostas com um objeto, há mais chances de, em algum momento, ela emitir uma resposta adequada que poderá ser reforçada e, então, aprendida.
Por isso, estudos (Denney e Neuringer, 1998; Godoi, 2009; Goetz e Baer, 1973; Grunow e Neuringer, 2002; Holman, Goetz e Baer, 1977; Marçal, 2006; Miller e Neuringer, 2000; Neuringer, Deiss e Olson, 2000; Page e Neuringer, 1985) indicam a importância de incluir no tratamento de crianças com desenvolvimento atípico, técnicas voltadas para o aumento da variabilidade comportamental. Afinal, a ampliação do repertório comportamental favorece a seleção de comportamentos novos e adaptativos.
Segundo Denney e Neuringer (1998), a variabilidade é uma dimensão do comportamento operante. Sendo assim, como as demais dimensões do comportamento operante (duração, intensidade, frequência, etc.), a variabilidade comportamental também pode ser controlada pelas consequências que produz (Denney e Neuringer, 1998; Godoi, 2009; Page e Neuringer, 1985). Isso significa que podemos reforçar o variar (respostas novas e respostas diferentes das anteriores) e, com isso, aumentar a variabilidade, ampliando o repertório comportamental da criança.
O terapeuta pode reforçar o variar de diversas formas. Por exemplo, para ampliar a variabilidade verbal, o terapeuta pode fazer uma mesma pergunta ou dar uma mesma instrução várias vezes seguidas e só reforçar as respostas que forem diferentes das anteriores. Por exemplo, pode-se dar a seguinte instrução “Fale o nome de um animal.” várias vezes seguidas e só liberar o acesso ao reforçador quando a criança responder um animal diferente do que ela disse na tentativa anterior. Para gerar maior variabilidade o terapeuta pode exigir uma resposta diferente das 2 anteriores, depois diferente das 3 anteriores, e assim por diante. Na literatura esse esquema de reforçamento recebe o nome de LAG.
O terapeuta pode, ainda, estimular comportamentos motores variados no brincar. Por exemplo, numa brincadeira de lego o terapeuta pode estimular que, a cada tentativa, a criança monte algo diferente do que montou na tentativa anterior. Para isso, o terapeuta deve dar a instrução para a criança montar algo diferente e, se necessário, dar o modelo de como variar. Finalmente, o terapeuta deve reforçar apenas a construção de formas novas ou diferentes das construídas anteriormente. O mesmo pode ser feito na modelagem com massinha ou na construção com blocos.
Fora do contexto terapêutico, familiares e professores também devem estimular a variação nos comportamentos da criança com Autismo. Por exemplo, os pais devem se sentar à mesa em lugares diferentes todos os dias, estimulando a criança a fazer o mesmo. Pequenas mudanças na rotina devem ser feitas sempre, para que a criança não fique dependente de uma mesma sequência de atividades. Vale mudar o caminho para a escola; inventar uma refeição fora de hora e num local diferente no meio do dia; dar as peças de roupa para a criança vestir numa ordem diferente da que ela está acostumada; mudar móveis de lugar; etc. Na escola, o professor também deve estimular essa variação, mudando a criança de lugar sempre; inserindo atividades não planejadas na rotina; reforçando a variação nas atividades, por exemplo, pintar com cores diferentes, desenhar formas diferentes, modelar algo diferente com a massinha, etc.
Referências:
Baron-Cohen, S. (1989). Do autistic children have obsessions and compulsions? British Journal of Clinical Psychology, 28, 193-200.
Boucher, J. (1977). Alternation and sequencing behavior, and response to novelty in autistic children. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 18, 67-72.
Denney, J. & Neuringer, A. (1998). Behavioral variability is controlled by discriminative stimuli. Animal Learning and Behavior, 26, 154-162.
Gillberg, C. (2005). Transtornos do espectro do autismo. Trabalho apresentado no Auditório do InCor, São Paulo, SP.
Godoi, J. P. (2009). A produção de variabilidade comportamental e sua extensão para outras tarefas em crianças com desenvolvimento atípico. Dissertação de mestrado não publicada. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP.
Goetz, E. M., & Baer, D. M. (1973). Social control of form diversity and the emergence of new forms in children´s blockbuilding. Journal of Applied Behavior Analysis, 6, 209-217.
Grunow, A. & Neuringer, A. (2002). Learnig to vary and varying to learn. Psychonomic Bulletin and Review, 9, 250-258.
Holman, J., Goetz, E. M., & Baer, D. M. (1977). The training of creativity as an operant and an examination of its generalization characteristics. In: Etzel, B., Le Blanc, J. & Baer, D. M. (Eds). New Developments in Behavioral Research: Theory, Method and Application. Hillsdale, NJ: Erlbaum. 441-471.
Marçal, J. V. S. (2006). Introdução gradativa versus introdução completa de uma contingência de variação operante em crianças. Tese de doutorado não publicada. Universidade de Brasília, Brasília, DF.
Miller, N., & Neuringer, A. (2000). Reinforcing variability in adolescents with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 33, 151-165.
Neuringer, A., Deiss, C., & Olson, G. (2000). Reinforced variability and operant learning. Journal of Experimental Psychology: Animal Behavior Processes, 26, 98-111.
Page, S. & Neuringer, A. (1985). Variability is an operant. Journal of Experimental Psychology: Animal Behavior Process, 11, 429-452.