As explicações internalistas como mantenedoras de problemas sociais

As explicações internalistas sobre o comportamento estão amplamente disseminadas na nossa cultura. Estas explicações colocam a causa última do comportamento dentro do indivíduo. Elas costumam aparecer na maioria das vezes nas formas de: (1)“mentalistas” (mesmo que esse termo não diga lá muita coisa para outras ciências. Mas somos behavioristas e adoramos usar termos da época da Guerra Fria que não dizem muito para as outras ciências). “O sujeito fez por que deu vontade”; “Ele é doido”; “Ela é inteligente”; “Só vale se é feito de coração”; ou (2)“organicismos”. “Ele nasceu assim”; “Ele é age de tal forma devido à presença de um determinado gene”. O primeiro problema que essas explicações nos trazem é que uma vez que as causas do comportamento estão dentro do indivíduo, nós não temos como acessá-las e nem manipulá-las diretamente (o leitor interessado no assunto pode encontrar uma discussão mais elaborada em: Skinner, 1953; 1974; Galvão & Carvalho Neto, 2003).

Holland (1973/1977;1978) e Moore (2003) levam a discussão à um passo além. As explicações internalistas ajudam a sustentar práticas culturais que marginalizam indivíduos ou determinados grupos. “Ela é vadia”; “Ele é vagabundo”; “Brasileiros são malandros”. As pessoas e os grupos passam a SER alguma coisa, dando a ideia de uma característica cristalizada e que não pode ser modificada. E de certa forma, muita das vezes a coisa está cristalizada mesmo, mas não por que aquela pessoa ou grupo É assim. Na verdade, as coisas não se modificam porque as contingências que produzem e/ou mantém determinado comportamento não estão sendo modificadas.

Vivemos em uma sociedade com problemas sociais sérios. Todos os dias somos bombardeados com noticias sobre crimes violentos, doenças, corrupção, etc. A população, ao seu modo, tenta encontrar uma solução para isso, e as respostas costumam partir de um viés internalista. Queremos a redução da maioridade penal, porque os jovens devem ser responsabilizados por seus crimes; votamos em candidatos como se eles fossem descolados de seus partidos; criamos heróis e mártires, pessoas ímpares, dotadas de capacidades sobre-humanas. E é difícil pensar diferente quando nascemos em meio a contingências que nos ensinam a olhar para o mundo dessa forma.

Não precisamos viver em uma distopia Orwelliana para termos uma visão de mundo assim. Ao mesmo tempo em que as explicações internalistas marginalizam, elas amaciam nossos egos e nos dão o mérito dos nossos atos. Escrevemos nossos textos, artigos e teses porque somos inteligentes. Ajudamos aos necessitados porque somos caridosos. Esta é a meritocracia. Todo o esforço que você faz é mérito seu. Sozinho em um mundo duro e cruel, você conseguiu passar por adversidades e conquistar o seu lugar ao sol. Foi duro, mas o mérito é todo seu, campeão.

Esse não é o único motivo pelo qual o internalismo é mantido em nossa cultura. Mexer na causa do comportamento faz com que entremos em choque com as pessoas que se beneficiam com o comportamento que queremos mudar. Holland (1973/1977) afirma que mudar estas contingências é tirar uma fonte de reforçadores importante para uma minoria no poder, ou seja, é um trabalho difícil.

Uma visão contextualista (ou externalista para o contraponto ficar mais claro) é algo revolucionário em muitos sentidos. É o primeiro passo para operacionalizarmos os problemas e podermos atacá-los de maneira mais eficiente. Mas o preço a se pagar é bem caro. Retirar aquilo que chamamos de mérito da nossa cultura é algo que – em minha opinião pessimista – beira o utópico. Não é à toa que o behaviorismo radical perdeu a guerra contra o cognitivismo no século passado (eles são mais conhecidos e os seus editais de pesquisa liberam mais verbas que os nossos). Sendo assim, temos que pensar em outras formas de atuação.

Talvez uma mudança completa nunca seja alcançada, porém podemos tentar quebrar um pouco desta noção internalista. Na psicoterapia, área na qual tenho atuado, demonstrar que o comportamento do indivíduo é produto do seu meio pode ajudar ao seu cliente a lidar com todo o sentimento de vergonha ou culpa que costuma advir da contingência em que ele estava inserido, mas não tinha noção até então. A própria noção de que o indivíduo está ali para buscar uma cura ou por que ele É um doente, é sustentada – dentre outras variáveis – por está noção de que o problema está no indivíduo. O comportamento individual passa a ser o alvo da intervenção, e não, as contingências que mantém esse comportamento, dentro e fora do gabinete.

Uma vez que temos que procurar a causa dos comportamentos no ambiente externo, podemos – juntos dos nossos clientes – pensar em novas formas de agir, e conseguir modificar as contingências nas quais ele está inserido. Isso pode acabar levando a psicoterapia a entrar em conflito com outras agências de controle (economia, política, religião, etc) (Skinner, 1953). Muitos arranjos de contingências planejados por estas agências prevêem a consequenciação do comportamento individual (e.g., noções de pecado; leis severas com o comportamento infrator; bonificações para um bom desempenho no trabalho). Aqui a coisa fica complicada e perceberemos que a psicoterapia tem um limite, pois estas agências costumam ter um maior controle do comportamento dos indivíduos. Felizmente, a psicoterapia é apenas uma prática dentro da Análise do Comportamento, que por sua vez é só uma prática dentro da Psicologia, e por aí vai até percebemos que tudo faz parte de um grande grupo de práticas sociais. Não podemos cair no erro de ver a psicoterapia, ou mesmo a Análise do Comportamento, como práticas isoladas do todo, pois é fazer o mesmo que as explicações internalistas fazem com as causas do comportamento: encerrar as variáveis de controle dentro de um único indivíduo ou grupo.

Não é o melhor, mas é o que tem para hoje. Mas se não pensarmos a respeito, o que tem para hoje irá se tornar o que teremos para sempre.

Referências

Galvão, O. F. & Carvalho Neto, M. B. (2003). Sistemas explicativos do comportamento. Interação em Psicologia, 7(1), pp. 1-7

Moore, J. (2003). Behavior analysis, mentalism, and the path to social justice. The behavior analyst, 26(2), pp 181-193

Holland, J. G. (1973/1977). Servirán los principios conductales para lós revolucionários? Em: Keller, F. S. & Ribes-Iñesta, E. Modificación de conducta: aplicaciones a la educación. México: Ed. Trillas. PP.265-281.

Holland, J. G (1978). Behaviorism: part of the problem or part of the solution. Journal of Applied Behavior Analysis, 11(1), pp. 163-174.

Skinner (1953/1981). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

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Escrito por Bernardo Rodrigues

Psicólogo pela Universidade da Amazônia, mestre em Psicologia Experimental pela UFPA, especialista em clínica analítico-comportamental pelo Núcleo Paradigma. Atualmente trabalha como psicoterapeuta e acompanhante terapêutico no Núcleo Paradigma.

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