O psicoterapeuta, que decide atender casais, irá se deparar com uma demanda crescente de pares em busca de ajuda terapêutica com o intuito de ampliar o nível de satisfação na relação. O curioso é que paradoxalmente, muitas vezes, acontece que tentando ser felizes é quando esses casais acabam experimentando o contrário, a infelicidade.
Nesse contexto, quando recebemos casais em nosso consultório é fácil identificar que a queixa de alguns pares está apoiada em uma interação pautada em críticas ácidas, desentendimentos amargos e uma comunicação nada doce, ou seja, uma mistura indigesta de sabores que geram sofrimentos intensos. Essas características não necessariamente estão presentes em todas as díades que buscam auxílio, mas algum tipo de desgaste e atrito, de certo modo, estará presente nos relatos. Azrin, Naster e Jones (1973, citado em Vandenberghe, 2006) afirmam que uma relação de casal é iniciada pelos parceiros como tentativa de ter acesso a novas fontes de reforçamento e melhora na comunicação. Dessa forma, promover mudança contínua na comunicação é importante já que sabemos que ela é resultante de comportamento modelado pelas contingências interpessoais desse casal.
Para trabalhar em torno dessas e outras dificuldades foram somados esforços para desenvolver um modelo de atendimento dentro da análise do comportamento e chegou-se à terapia de casal comportamental (TCC). A primeira geração de terapeutas comportamentais de casal tinha uma formação em Análise Aplicada do Comportamento. Típico nesse modelo é o interesse exclusivo para comportamento publicamente observável e quantificável. Os responsáveis por esses primeiros constructos afirmavam que para entender o comportamento, devem-se analisar experimentalmente as contingências (Baer, Wolf & Risley, 1968, citado em Vandenberghe, 2006). Este movimento explicitamente promoveu como filosofia da vida em casal, a idéia de que as pessoas investem no relacionamento para crescer como indivíduo. (Stuart, 1969; Patterson & Hops, 1972, citado em Vandenberghe, 2006).
Vandenbergue (2006) ainda cita Rose (1977) que também trouxe contribuições para a TCC com os métodos de discussões didáticas, modelação pelos terapeutas e dramatizações. Cita também Stuart (1969), tendo este contribuído com propostas de habilidades básicas, como: solicitar uma resposta do ouvinte depois de ter falado; parafrasear o que o outro falou e introduzir momentos planejados que são dedicados exclusivamente à comunicação. Assim, podemos considerar que a primeira onda de terapia comportamental de casal foi marcada por uma tecnologia de aquisição de habilidades de comunicação objetiva, e pela busca de padrões eficientes de trocas por meio de negociação direta e estabelecimento de acordos concretos.
Atender casais através do arcabouço teórico dessa abordagem nos coloca em contato com um questionamento pertinente: Quando afirmamos que realizamos terapia de casal e que nossa abordagem é comportamental, o que exatamente isso quer dizer? Entre tantas coisas, talvez a mais importante é entender que trabalhamos com uma abordagem contextual. Aprendemos que o comportamento de cada indivíduo e, portanto, de cada casal, é formado e mantido por eventos ambientais singulares.
O modelo da TCC propõe, dessa forma, investigar padrões comportamentais advindos dessa díade como sendo frutos específicos dessa interação. Entretanto, mesmo considerando o que era peculiar e particular a cada casal, mesmo produzindo ganhos em cima das queixas trazidas pelos pares e mesmo que muitos resultados almejados fossem conquistados com as intervenções realizadas nas sessões, alguns casais ainda se beneficiam pouco do processo. Cordova e Jacobson (1993) afirmam que a ênfase exclusiva da TCC na mudança não era a melhor estratégia para todos os casos.
Assim, visando ampliar o potencial curativo da TCC e aumentar a qualidade dos seus manejos e intervenções de forma a favorecer e beneficiar um maior número de casais no consultório, foi proposta uma reformulação da TCC, desenvolvida por Jaconbson e Christensen (1992, citado em Cordova e Jacobson, 1993), baseada na integração de novas estratégias para promover aceitação emocional, com as estratégias mais tradicionais promotoras de mudança, referindo-se a essa abordagem revisada de terapia de casal comportamental integrativa (TCCI). Dessa maneira, os tratamentos tenderiam a proporcionar aos terapeutas a possibilidade de construir um repertório mais flexível em termos de intervenção e mais eficazes em termos de resultados.
Dentro de uma proposta de promoção de aceitação emocional é inevitável pensar na aplicação da Terapia de Aceitação e Compromisso (no inglês, Acceptance and Commitment Therapy, ou ACT, sigla bem sonora por sinal ao levarmos em consideração a palavra em si, não as letras em separado) em atendimentos de casais pautados na TCCI em virtude de seus procedimentos nas áreas de aceitação. Não há estudos que indiquem que a ACT seja uma abordagem superior a nenhuma outra e essa não é a questão a ser considerada quando a utilizamos no atendimento de casais.
A ACT, assim como a TCCI, é uma terapia que vem do movimento chamado de “terceira onda” ou “terceira geração” da análise do comportamento e pode ser vista como uma ferramenta de intervenção inovadora e que traz muitas possibilidades de procedimentos na área, como já dito, de aceitação, mas também na área de desfusão, contato com o momento presente, o senso de self, valores e ação com compromisso (Hayes, Pistorello & Biglan, 2008).
A ACT agrega aos princípios comportamentais básicos a aceitação como forma de intervir nos mais diversos tipos de inadequações. Essa é uma alternativa psicoterápica não aversiva uma vez que facilita a aceitação dos sentimentos e pensamentos desagradáveis.
Exatamente por este motivo, as propostas de intervenções que visem mudanças significativas nas vivências destrutivas do casal devem se pautar em princípios behavioristas que favoreçam a aceitação pelo simples fato de se ajustarem ao que é proposto pela TCCI e ao que é defendido pela ACT. Entre esses princípios behavioristas podemos citar o conceito de comportamento modelado pela contingência ao invés do de comportamento modelado por regra, justamente porque o primeiro empregado na sessão favorece a promoção da aceitação emocional. Skinner (1982) complementou o assunto ao explicar que o comportamento modelado pelas contingências é mais valorizado pelo próprio sujeito por ter sido constituído principalmente pelas próprias experiências, ou seja, pelo contato natural do organismo com os reforçadores.
Vamos imaginar que, durante o atendimento, o terapeuta observa um hábito nocivo do marido de desqualificar, através de comportamentos verbais (ironias, palavrões e sarcasmos) e não verbais (ele coloca o dedo no ouvido para não escutar a esposa, faz sinais grosseiros) o discurso da esposa e por isso o instrua a parar com esses repertórios na sessão. Se o marido interromper esses comportamentos apenas porque o terapeuta pediu, durante o atendimento, ele não o fará. Mas nada garante que ele não se comporte assim em sua ausência.
O terapeut
a ao invés disso deveria tentar promover o contato direto com as contingências naturais, como solicitar que a esposa relate como ela se sente quando fala e é ouvida com respeito e consideração por seu esposo e o quanto isso é valioso para ela. Tomar conhecimento desse relato pode fazer com que o marido mude seus repertórios tanto dentro do consultório quanto em outros contextos que cerquem a vida do casal. Os comportamentos modelados pelas contingências e que não ficam só sob controle das regras emitidas pelo terapeuta têm maior chance de produzir aceitação.
Por isso, incentivar e favorecer que comportamentos fiquem sob controle das contingências que sustentam a interação do casal aumenta a possibilidade de mudar a relação de cada um dos membros dessa díade com seu mundo privado e, com isso, instalar aceitação para comportamentos que são difíceis de serem mudados em seu cotidiano interacional.
Por último, assim como é proposto pela ACT, o uso de metáforas pelo terapeuta dentro de terapias conduzidas pela modelo teórico e de intervenção da TCCI, pode auxiliar o casal a aprender a vivenciar os pensamentos, recordações e sensações que previamente produziam sofrimentos e eram evitados. Dessa maneira, os casais, em terapia, aprendem a contextualizar esses acontecimentos privados, clarificam o que é realmente importante para suas vidas, o que no fundo tem mais valor para eles, e tomam o compromisso de fazer as mudanças necessárias para agir diferente.
Na psicoterapia de casal, esses modelos apoiados e empregados de maneira habilidosa no decorrer dos atendimentos ajudam o casal a criar uma vida rica, completa e com sentido e fazem do processo um momento de vivência intensa, já que a atitude de afastar-se de potenciais eventos aversivos (que prejudica a conquista de reforçadores de grande magnitude) são evitados. A dinâmica de casal é beneficiada com o aumento do leque de possibilidades porque o casal amplia seu repertório comportamental.
Referências Bibliográficas
Cordova, J. V., & Jacobson, N. S. (1993), Crise de Casais. Em D. H. Barlow (Org), Manual Clínico dos transtornos psicológicos (pp. 535-567). 2º Ed. Porto Alegre: Artmed.
Hayes, S. C.; Pistorello, J. & Biglan, A. (2008). Terapia de Aceitação e Compromisso: modelo, dados e extensão para a prevenção do suicídio. Revista Brasileira de terapia comportamental e cognitiva. vol. 10, nº.1. ( pp. 81-104).
Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
Vandenberghe, L (2006). Terapia comportamental de casal: uma retrospectiva da literatura internacional. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, 8, 2, 145-160.