es pessoais, construir relações íntimas ao longo do itinerário, fazer descobertas com o outro e sobre si mesmo não é oferecida a todas as profissões. A psicologia, em especial a prática clínica, possilita aos que nela embarcam um grande desafio, mas sobretudo, uma valiosa viagem. Não sei se estamos prontos para embarcar (e esse sentimento provavelmente é compartilhado pelos terapeutas iniciantes), é também muito provável que faltem peças na bagagem e tenhamos que completá-la ao longo do trajeto, mas certamente temos disponibilidade para viajar.
Passageiros com destino à prática clínica, preparem-se para embarcar
Um dos principais requisitos para se ocupar o posto de psicólogo clínico é a disponibilidade para viajar. Evidentemente, não se trata de uma viagem para diferentes lugares do mundo em um sentido literal, embora não deixe de corresponder a uma trajetória que possa permear conhecimentos e experiências provenientes dos mais variados cantos da Terra. Também não se refere a uma viagem com uma única parada, tendo em vista que cabe ao terapeuta aventurar-se por diferentes rotas, as quais contemplam desde aspectos teóricos e conceituais da análise do comportamento, até o desenvolvimento de habilidades pessoais valiosas à sua prática. Tal itinerário já é bastante longo, contudo só estará completo no momento em que o terapeuta embarcar com o cliente.
O destino não é previamente definido e não existem roteiros fixos para serem cumpridos. Sabe-se apenas que o ponto de partida é o acolhimento e a escuta oferecidos ao cliente, que provavelmente está em sofrimento. Os passos seguintes se dirigem para a construção de uma relação terapêutica reforçadora e genuína, sem a qual os passageiros dificilmente se manteriam a bordo (Kohlenberg e Tsai, 2001). Além disso, é importante que ao longo do caminho o terapeuta obtenha as informações necessárias à análise funcional, tendo em vista que é por meio da mesma que se torna possível, em conjunto com o cliente, estabelecer os objetivos da terapia e planejar a intervenção. Ainda que tal percurso seja, em alguma medida, semelhante de um cliente para outro, as paisagens serão muito diferentes e o terapeuta analítico-comportamental deve estar atento a isto ao preparar sua bagagem.
A organização do que será colocado na mala geralmente se dá de acordo com o destino da viagem, as roupas e sapatos escolhidos para ir a uma praia em pleno verão, certamente serão muito diferentes dos itens selecionados ao viajar para um local com inverno rigoroso. Da mesma forma, o terapeuta deverá preparar sua bagagem considerando a singularidade de cada cliente, com a diferença de que não é possível prever com tamanha exatidão o que deverá compor a mesma. Nesse sentido, ao menos duas estratégias são relevantes, a primeira é ter uma bagagem bastante variada e a segunda é buscar os recursos necessários à medida que o processo terapêutico for avançando, sendo a análise funcional sua referência.
As possibilidades para atender ambas as alternativas são vastas e podem envolver, inclusive, o convite para que outros profissionais acompanhem o terapeuta em suas viagens, por meio de terapia pessoal, capacitações, supervisões etc. Ademais, é interessante que o psicólogo clínico incremente sua bagagem com técnicas e recursos psicoterapêuticos, com o intuito de facilitar o andamento da terapia. Del Prette e Almeida (2012) definem técnicas como a “sistematização de intervenções com vistas a determinados resultados diante de situações específicas” (p. 147).
A partir desta perspectiva, Coelho (2011) sugere que os recursos possam ser utilizados tanto nas etapas de formação do vínculo e investigação das queixas, quanto na intervenção e alta do cliente, desde que sejam aplicados adequadamente. Torna-se claro, então, que as técnicas e os recursos psicoterapêuticos são empregados como mediadores entre os objetivos e as metas a serem alcalçadas, de modo a não representarem a totalidade do processo terapêutico, mas sim fazerem parte do mesmo.
A diversidade de recursos possíveis é imensa, logo, podem ser demandadas viagens pelos campos das artes e literatura, em busca de músicas, poesias, metáforas, livros, imagens, bem como pelos percursos que contemplem jogos, reportagens, textos psicoeducativos, relaxamentos e dinâmicas. A decisão sobre qual recurso utilizar pode se beneficiar de informações sobre preferências e habilidades do próprio cliente, existem situações em que ele próprio sugere determinadas vias de expressão, como escrever cartas ou trazer fotografias.
Em determinados casos, há também a necessidade de fazer uma visita àquilo que faz parte do cotidiano do cliente. Quando se atende adolescentes, por exemplo, pode ser interessante que o terapeuta leia ou assista filmes indicados para essa faixa etária e que tenham sido comentados pelo cliente. O mesmo vale quando se trata de terapia infantil, com adultos ou idosos. O terapeuta pode, ainda, ficar atento ao seu próprio cotidiano, pois elementos antes sem importância, podem ser utilizados como recursos terapêuticos.
A escolha do material a ser explorado independe, até mesmo, de sua abordagem de origem, várias vivências, por exemplo, são extraídas de obras da Gestalt. O importante é que a aplicação e a análise sejam pautadas nos pressupostos do Behaviorismo Radical, no sentido de conceber os comportamentos enquanto relações funcionais entre o organismo e o ambiente, a partir de um modelo de seleção pelas consequências e de uma visão monista.
Tal raciocínio precisa estar claro para o terapeuta, contudo, não é necessário que o cliente tenha acesso à análise nestas palavras, afinal, quando se entra no mundo do outro, a comunicação passa a ser estabelecida no idioma falado por ele. Desde as estratégias e técnicas de intervenção até os termos da Análise do Comportamento devem ser adaptados à linguagem do cliente, possibilitando sua participação ativa no decorrer de todo o processo. Um dos fatores que colaboram para que a aplicação dos recursos seja efetiva ou não se refere justamente a este ponto, tendo em vista a relevância de que o cliente também compreenda o motivo pelo qual está realizando determinada atividade. Mesmo com a procura cuidadosa por estratégias que sejam coerentes e a adaptação adequada não se está imune à possibilidade de que os objetivos previamente estabelecidos não sejam atingidos. Resultados outros que não os esperados podem ocorrer e serem bastante significativos para o processo terapêutico. Para lidar com estas contingências é interessante que o terapeuta tenha um “kit de emergência” na mala e saiba manejar a situação a partir de uma discussão saudável com o cliente.
Contudo, considerando a complexidade do comportamento, por maior que seja a bagagem do terapeuta e por mais amplas que sejam as técnicas e conhecimentos teóricos, ainda assim é provável que existam momentos que faltem os recursos ou as palavras. Não existem diretrizes previstas para conduzir estas situações e dificilmente haveria uma condição na qual a mala estaria completa, exatamente com tudo que fosse necessário, cabe ao terapeuta e ao cliente ficarem sensíveis ao “aqui e agora” da sessão e prepararem a bagagem continuamente.
A oportunidade de viajar para tantos lugares, visitar campos de saber tão diferentes,desenvolver habilidad
es pessoais, construir relações íntimas ao longo do itinerário, fazer descobertas com o outro e sobre si mesmo não é oferecida a todas as profissões. A psicologia, em especial a prática clínica, possilita aos que nela embarcam um grande desafio, mas sobretudo, uma valiosa viagem. Não sei se estamos prontos para embarcar (e esse sentimento provavelmente é compartilhado pelos terapeutas iniciantes), é também muito provável que faltem peças na bagagem e tenhamos que completá-la ao longo do trajeto, mas certamente temos disponibilidade para viajar.
es pessoais, construir relações íntimas ao longo do itinerário, fazer descobertas com o outro e sobre si mesmo não é oferecida a todas as profissões. A psicologia, em especial a prática clínica, possilita aos que nela embarcam um grande desafio, mas sobretudo, uma valiosa viagem. Não sei se estamos prontos para embarcar (e esse sentimento provavelmente é compartilhado pelos terapeutas iniciantes), é também muito provável que faltem peças na bagagem e tenhamos que completá-la ao longo do trajeto, mas certamente temos disponibilidade para viajar.
Referências bibliográficas
Coelho, A. M. (2011). A funcionalidade de Recursos Terapêuticos na Prática Clínica do Analista do Comportamento. Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, Monografia, 46 f.
Del Prette, G. & Almeida, T. A. C. (2012). O uso de técnicas na clínica analítico-comportamental In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas e curativas. Santo André: ESETec.