“Eu não sei” – Levantando hipóteses funcionais sobre o relato verbal

Paula Grandiwww.paulagrandi.com.br

Skinner (1957) definiu o comportamento verbal como um comportamento operante no qual a consequência é mediada por um ouvinte que foi especialmente treinado pela comunidade verbal para reagir como mediador. Considerado como um comportamento operante, o comportamento verbal opera sobre o meio, tem um efeito sobre o ambiente. Skinner (1957) no início do livro Verbal Behavior afirma: “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação”. Para compreender o comportamento verbal devemos então nos atentar para as inter-relações entre a situação na qual a resposta é emitida (antecedentes), a própria resposta, e as consequências produzidas pela resposta. A tríplice contingência é a unidade de análise do comportamento verbal.

Quando falamos de comportamento verbal, o termo não se restringe apenas a respostas vocais, mas se refere a todas as respostas que têm a sua consequência mediada por outra pessoa, no caso, um ouvinte. Quando uma criança aponta o pote de biscoitos e a mãe lhe dá um biscoito, consideramos o comportamento da criança (falante) de apontar para o pote como um comportamento verbal, já que a consequência (biscoito) foi mediada pela mãe (ouvinte). Desta forma, o papel do ouvinte é essencial no estabelecimento de respostas verbais. O que falamos ao outro, quando falamos, como falamos e até mesmo se falamos ou não, está diretamente relacionado com a nossa história frente a esse e a outros ouvintes.

Ao identificar as semelhanças e diferenças das contingências que descrevem o comportamento verbal, Skinner produziu uma classificação dessas contingências de acordo com particularidades do antecedente e das consequências, a qual denominou de operantes verbais. Seis operantes verbais primários foram descritos – mando, tato, ecóico, intraverbal, textual e transcrição – e um operante verbal secundário – autoclítico.

Para compreendermos porque falamos “Eu não sei” frente a alguma situação, é importante saber a definição de dois operantes verbais: mando e tato. A resposta da criança que aponta para o pote de biscoitos exemplifica um mando, já que a resposta verbal tem como consequência um reforçador específico (biscoito), o qual é especificado pela resposta verbal (apontar o pote de biscoitos), e está diretamente relacionado a uma operação motivadora (privação de comida). No mando a resposta sempre está sob controle funcional de condições relevantes de privação ou estimulação aversiva (operações motivadoras), e não tem relação específica com um estímulo antecedente discriminativo. Outros exemplos de mando poderiam ser: “Você poderia me trazer um copo de água?”; “Quero aquele brinquedo”, “Vá ao supermercado e traga dois litros de leite”.

É possível que a resposta verbal “Eu não sei” possa se caracterizar como um operante verbal do tipo mando sob controle de uma estimulação aversiva. Uma criança pode falar “Eu não sei” frente à pergunta “Quem quebrou o vaso?”, como uma forma de eliminar uma briga ou castigo. Neste caso, a resposta “Eu não sei” equivaleria à resposta verbal “Não brigue comigo!” ou “Não me coloque de castigo!”.

No caso do operante verbal primário tato, a resposta é emitida sob controle de um estímulo antecedente específico não verbal, que é constituído pelo conjunto do meio físico. Segundo Skinner (1957), ele é definido como um operante verbal no qual a resposta é evocada por um objeto particular ou evento, ou propriedade de um objeto ou evento (o mundo de coisas e eventos a respeito dos quais um falante “fala sobre”). Por exemplo, na presença de um evento específico como ter estudado história na escola, a resposta verbal “Hoje eu estudei história” é caracteristicamente reforçada em determinada comunidade verbal. As consequências do tato envolvem um reforçador condicionado generalizado ou um conjunto de estímulos reforçadores distintos (não específicos). O estabelecimento de um repertório de tato supõe o enfraquecimento da relação de controle dos estados de privação específicos ou de estimulação aversiva sobre a resposta.

A resposta verbal “Eu não sei”, como um operante verbal primário do tipo tato, pode descrever de fato uma incerteza sobre um dado evento, como quando uma criança é questionada se acertou um exercício com o qual tem pouca familiaridade, e ela relata que não sabe se acertou ou se errou. Mas outras hipóteses funcionais ainda podem ser levantadas.

Critchfield (1966) investigou, a partir da realização de uma tarefa, se relatar insucessos poderia ser aversivo. Para isso, o autor incluiu a possibilidade de o participante escolher não relatar se havia acertado ou errado a tarefa (dizendo “Eu não sei”), antes da solicitação do relato. A solicitação de relato era apresentada após a realização da tarefa e envolvia responder “Sim” ou “Não” para a pergunta “Você marcou pontos?”. Será que os participantes escolheriam não relatar (opção de omissão) com maior frequência após insucessos na tarefa alvo? O autor buscava determinar algumas condições sob as quais os participantes optariam por omitir em vez de emitir um auto-relato.

Os resultados do estudo de Critchfield (1966) indicaram que o insucesso na tarefa resultou em um aumento da escolha dos participantes em omitir o relato, ou seja, dizer “Eu não sei”. É possível, devido à ocorrência de omissões também frente ao sucesso na tarefa, que as omissões por vezes refletiram uma incerteza dos participantes sobre o seu sucesso ou insucesso na tarefa. No entanto, o viés nos relatos verbais dos participantes parece estar diretamente relacionado com uma história diferencial de punição para relatos verbais de erros ou insucesso, e pode nos ajudar a compreender por que relatamos “Eu não sei” mais frequentemente quando erramos ou não obtemos um bom desempenho em alguma atividade.

Os resultados encontrados neste estudo possibilitam levantar hipóteses sobre as práticas da comunidade verbal em que estamos inseridos, esta que geralmente reforça relatos sobre atos que merecem elogios (“Passei de ano sem recuperação”) e pune relatos sobre atos que merecem repreensão (“Tirei 2,0 na prova de matemática”). Auto-relatos sobre situações de sucesso passariam então a ser mais frequentes, enquanto auto-relatos de insucessos ou sobre atos que merecem censura ou repreensão se tornariam menos frequentes (resultando em mais omissões). Este dado sugere que a comunidade verbal tende a consequenciar auto-relatos sobre atos que merecem repreensão, como relatar que tirou 2,0 em um prova, também com repreensões. Estas contingências poderiam explicar por que é mais comum relatarmos sucesso frente a sucesso e relatar incerteza (“Não sei como fui na atividade”) frente a insucessos. Um exemplo do cotidiano envolve a resposta de crianças frente à pergunta “Como você foi na prova?”. É possível que a criança responda que foi bem se tiver indo bem, e que responda que não sabe como foi o seu desempenho se tiver ido mal.

É claramente observado em nossa comunidade que os indivíduos tendem a reportar mais ações que são socialmente desejáveis do que aquelas que são socialmente indesejáveis. Uma criança que relata “Eu não sei como fui na prova” em vez de “Fui mal na prova de Matemática”, sugere que a segunda resposta adquiriu propriedades aversivas condicionadas. Além disso, é possível que responder “Eu não sei” seja mais socialmente aceitável do que mentir (o que pode também gerar consequências aversivas).

A discussão converge para o fato de que dizer “Eu errei”/“Eu fui mal” é possivelmente aversivo, devido às consequências estabelecidas pela comunidade verbal para este relato, culminando no viés de auto-relatos. É provável que histórias de punição afetem os padrões de auto-relato e a correspondência entre fazer e dizer. Uma situação do cotidiano que provavelmente perpassa por estas questões seria quando uma criança esconde o boletim para não ter que mostrá-lo para os pais. Neste caso, esconder o boletim seria uma forma de omissão que possivelmente evitaria a punição de mostrar o boletim com notas ruins. É possível que uma criança que não passou por uma história de punição frente a relatos correspondentes de erros e insucessos não esconda o boletim dos pais mesmo que este apresente notas ruins. Sabemos, no entanto, que é incomum os pais reforçarem um relato correspondente, ou seja, dizer a verdade, sobre um ato que geralmente é punido.

Estes dados comprovam que o comportamento verbal é um comportamento operante sob controle de diversas variáveis. Os auto-relatos, como um comportamento operante, são selecionados pelas suas consequências, o que nos ajuda a compreender comportamentos de omissão e porque relatamos “Eu não sei” frente a diversas situações.

REFERÊNCIAS

Critchfield, T. S. (1996). Differential latency and selective nondisclosure in verbal self-reports. The Analysis of Verbal Behavior, 13, 48-63.

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Englewood Cliffs, NJ: Pretice Hall.

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Escrito por Paula Grandi

Psicóloga pela PUC-SP, mestranda bolsista CNPq no Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP, especializanda em clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Possui Formação avançada em acompanhamento terapêutico e atendimento extra-consultório pelo Núcleo Paradigma e atuou como psicóloga residente em oncologia no Hospital São Paulo. Foi bolsista PIBIC-CEPE de iniciação científica na PUC-SP e participou da organização do EAC PUC-SP (2010-2011). Atuou como organizadora e professora do Curso de Verão de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (2015-2016). É membro sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e atualmente trabalha como psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e pesquisadora.

“Sei por que ajo assim, sei que me faz mal, mas não consigo mudar”: Do autoconhecimento à mudança no comportamento.

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