Confesso que sou fã de várias séries de TV e inúmeras vezes me pego fazendo análises funcionais de alguns personagens, entre as séries que gosto de assistir está “Monk – um detetive diferente”.
O personagem que dá nome à série, Adrian Monk cresceu com Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), incluindo uma série de tiques e fobias.
Na série conseguimos identificar que os sintomas de Monk pioraram após um evento traumático.
Monk era um detetive brilhante de homicídios, trabalhava para o Departamento de Polícia de São Francisco, até que sua esposa Trudy morreu numa explosão de carro ao sair para comprar um remédio para o irmão de Monk. Ao saber do acidente e não conseguir encontrar quem matou sua esposa, Monk sofreu um colapso nervoso e a partir desse evento, suas fobias (por germes, altura, multidão) se agravaram e interferiram de modo significativo em sua vida ao ponto de precisar ser afastado do trabalho. Monk se isolou, recusando sair de sua casa por três anos. Com a ajuda de uma enfermeira, que faz o trabalho de AT (acompanhamento terapêutico) Monk volta aos poucos à vida. Torna-se consultor particular para a polícia em casos muito difíceis. No trabalho Monk utiliza várias técnicas para solucionar cada caso e suas técnicas são vista como esquesitices de um portador de TOC, deixando alguns de seus colegas de trabalho irritados. Apesar da irritação que seu comportamento provoca, Monk é respeitado, pois sua habilidade de observação e sua atenção obsessiva permitem que ele perceba coisas minúsculas, e faça as conexões necessárias que ninguém mais faz em uma investigação.
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um transtorno descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) como pertencente aos transtornos de ansiedade. As principais características desse transtorno são obsessões e/ou compulsões persistentes que fazem com que a pessoa perca tempo, sofra ou tenha sua vida prejudicada por causa delas. Muitos pesquisadores estão estudando as causas do TOC, mas ainda não conseguiram esclarecer suas verdadeiras causas. Acredita-se que ela seja decorrente da combinação entre fatores hereditários ou genéticos (genes que conferem maiores chances a certas pessoas de desenvolverem o problema) e ambientais, como evolução da gravidez, condições do parto, infecções, acontecimentos da vida e fatores psicológicos, entre outros (Shavitt, Bravo, Baltieri & Miguel, 2001). No caso de Monk o desencadeante do transtorno foi um evento ambiental (a morte de sua esposa – acontecimentos da vida).
O analista do comportamento leva em consideração os fatores citados acima e, além disso, busca entender o porquê aquele comportamento está sendo mantido e que consequências traz para o seu cliente; isso é feito por meio da análise funcional. A análise funcional permite ao analista do comportamento identificar a função de um determinado comportamento. De acordo com Matos (1999) fazer análise funcional é: 1 – identificar a função, ou seja, o valor de sobrevivência de determinado comportamento, 2 – entender porque determinado comportamento está sendo selecionado e mantido e 3 – verificar as consequências que certos comportamentos produzem. No caso do TOC os pensamentos e rituais compulsivos têm (em geral) a função de reforçamento negativo. Na presença de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma resposta (aberta ou encoberta) que elimina, ameniza ou adia esse evento. Por exemplo, uma pessoa com obsessões de sujeira e contaminação pode evitar dar a mão às pessoas ao cumprimentá-las (comportamento de esquiva), ou quando as cumprimentam imediatamente dão um jeito de lavar as mãos ou usam álcool gel para higienizá-las (comportamento de fuga). As respostas envolvidas nesse processo podem ser classificadas topograficamente como respostas de evitação e/ou eliminação do estímulo temido (Banaco & Zamignani, 2005).
A intervenção proposta para o tratamento do TOC é a exposição com prevenção de respostas, onde o cliente é exposto a uma situação ansiogênica e pede-se que ele abstenha-se de realizar qualquer ritualização (bloqueio de esquiva). Essas estratégias têm-se mostrado bastante eficazes em alguns casos, no entanto em casos de clientes com TOC pode se tornar um procedimento extremamente aversivo.
Novas propostas de intervenções terapêuticas estão sendo utilizadas como alternativa para o tratamento do comportamento de esquiva, promovendo assim um comportamento de enfrentamento e aceitação. Entre as novas propostas estão a Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).
A FAP utiliza a relação terapêutica como o principal meio para modificar comportamentos clinicamente relevantes do cliente. De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991), o cliente se comporta em relação ao terapeuta semelhantemente ao modo como se comporta com outras pessoas significativas em sua vida. O trabalho na FAP é realizado por intermédio da observação e intervenção nos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) que ocorrem na presença do terapeuta. Esses comportamentos são divididos em três tipos: CRB1, CRB2 e CRB3. O CRB1 se refere aos comportamentos “problemas” do cliente que ocorrem nas sessões. O CRB2 são os comportamentos de baixa ocorrência no início da terapia e que serão alvos de reforçamento por caracterizar progressos comportamentais que ocorreram ao longo das sessões psicoterápicas, envolvendo um repertório mais assertivo. O CRB3 refere-se à fala dos clientes sobre seu próprio comportamento e o que parece causá-lo; é uma análise funcional por parte do cliente das variáveis que controlam seu comportamento dentro da relação terapêutica.
No caso de clientes com diagnóstico de TOC o CRB1 são tipicamente comportamentos de esquivas. No decorrer do processo terapêutico o CRB1 deve diminuir de frequência e CRB2 e CRB3 devem aumentar de frequência e para que isso ocorra é fundamental que o terapeuta se mantenha como uma audiência não-punitiva. Na FAP, as técnicas são dispostas sob a forma de regras. Ao contrário do significado ameaçador ou rígido que é associado ao uso comum do termo, é proposto que essas regras sejam compreendidas segundo o conceito skinneriano de comportamento verbal (Skinner, 1957, p. 339), depois elaborado por Zettle e Hayes (1982). Neste contexto, as 5 regras da FAP são sugestões para o comportamento do terapeuta, as quais resultam em efeitos reforçadores para o terapeuta. Regra 1: observar atentamente o comportamento que ocorre na sessão para intervir no momento certo; Regra 2: criar condições para evocar os comportamentos-problema e as oportunidades de aprendizagem (criar condições para desenvolvimento de CRB2); Regra 3: reforçar os progressos do cliente quando ocorrem em sessão (reforçar positivamente CRB2); Regra 4: observar os efeitos potencialmente reforçadores do comportamento do terapeuta em relação aos CRBs do cliente; Regra 5: fornecer ao cliente interpretações de variáveis que afetam o seu comportamento, ou seja, dar modelos de análises funcionais que levem o cliente à aprendizagem e ao autoconhecimento.
A ACT, sigla para Acceptance & Commitment Therapy (Terapia da Aceitação e Compromisso) é uma psicoterapia criada por Hayes e seus colaboradores em 1987, baseada na teoria dos quadros relacionais (RFT). A teoria dos quadros relacionais (Relational Frame Theory – RFT) é uma abordagem analítico-comportamental para a linguagem humana e a cognição. A RFT explica como o comportamento simbólico funciona, como as pessoas agem não a partir de um estímulo, mas a partir de relações entre estímulos.
O principal objetivo da ACT é enfraquecer o sistema verbal/linguístico em que os quadros relacionais foram formados promovendo assim uma flexibilidade psicológica (aceitação – aceitar os eventos privados desagradáveis e concentrar as ações do cliente a serviço de uma vida mais significativa), fazer o cliente enfrentar seus pensamentos, emoções e lembranças que o cliente tenta evitar por estarem associados com o sofrimento e educá-lo para a busca de reforçadores alternativos (escolha e engajamento em novos comportamentos; compromisso com a mudança).
Como mencionado anteriormente o comportamento de esquiva é bastante frequente em clientes com TOC, pois quando o cliente identifica estímulos que desencadeiam suas obsessões e ansiedade ele passa a evitá-los ativamente (Lotufo-Neto, et al. 1997). A ACT promove a observação e aceitação desses eventos, pois tentar controlar ou evitar esses conteúdos (fuga/esquiva) é o problema e não a solução; quanto mais o cliente tenta fugir ou exercer o controle sobre os eventos privados, menos controle ele tem sobre suas vidas. Portanto quando o cliente deixa de lutar contra seus próprios pensamentos, avaliações e sentimento ele passa a se comportar de maneira produtiva sobre seu ambiente. Para que o cliente passe a se comportar de maneira produtiva sobre seu ambiente, o terapeuta utiliza alguns exercícios, metáforas e paradoxos durante as sessões. Segundo Saban (2011) as metáforas têm um caráter menos específico e, por isso o cliente tem maior dificuldade de vê-las como uma regra. Elas não têm uma lógica racional, pois são mais como uma imagem, além de serem mais fáceis de lembrar e de aplicar a outras situações. Ainda de acordo com Saban (2011) o paradoxo inerente é uma contradição entre propriedades literais e funcionais de um evento verbal. Trata-se de uma construção verbal sobre eventos parcialmente verbais e não-verbais que evidenciam a diferença de qualidade entre eles. E por fim os exercícios proporcionam uma experiência com eventos privados em um ambiente seguro e sem julgamento, o que promove uma mudança de contexto destes, enfraquecendo seus valores aversivos.
A FAP se ajusta muito bem a clientes que não obtiveram uma melhora adequada com as terapias comportamentais convencionais e àqueles que têm dificuldades em estabelecer relações de intimidade e/ou têm problemas interpessoais difusos (Kohlenberg e Tsai, 1991).
A ACT, por sua vez, leva o cliente a analisar as tentativas frustradas de resolver seus problemas por meio de metáforas e exercícios. As metáforas são uma característica marcante da ACT e são úteis por serem menos diretas, não são vistas pelo cliente apenas como um conjunto de regras a seguir e então o levam à reflexão (Saban, 2011).
Será que Monk se beneficiaria dessas intervenções? Penso que sim, uma vez que elas possibilitam a redução da esquiva experiencial e novos repertórios comportamentais poderão ser produzidos.
Referências
American Psychological Association. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
Hayes, S. C. (1987). A contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (ed.). Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral Perspectives. New York: Guilford, 327-387.
Kohlenberg, R. J., Tsai, M. (1991). Psicoterapia Analítico Funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores associados.
Lotufo-Neto, F., Cordás, T. A., Asbahr, F., Lima, M. G. A., Araújo, L. A. S. B., Miguel E. C. (1997). Transtorno obsessivo-compulsivo. In V. Gentil, F. Lotufo-Neto, M. A. Bernik (org.). Pânico, fobias e obsessões: a experiência do projeto AMBAN. Cap. 9, 129-140. São Paulo: Edusp
Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia, Campinas: PUC-Campinas, v.16, n. 3, 8-18.
Saban, M. T. (2011). Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André: ESETec Editores associados
Skinner, B. F. (2000). A audiência não-punitiva. In B.F. Skinner. Ciência e comportamento humano. 403-404. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Torres, A. R., Shavitt, R. G., Miguel, E. C. (2001). Medos, dúvidas e manias: orientações para pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo e seus familiares. Porto Alegre: Artmed.
Zamignani, D. R, Banaco, R. A. (2005). Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n.1, 77-92.
Zettle, R. D., Hayes, S. C. (1982). Rule governed behavior: A potential theoretical framework for cognitive-behavioral therapy. In P. C. Kendall (Ed.), Advances in cognitive behavioral research and therapy (vol. 1). New York: Academic Press