Descobertas de uma terapeuta iniciante
Poderíamos comparar o terapeuta iniciante aos desbravadores dos livros de história, na medida em que assim como eles, ao longo de nossa missão de “tornar-se terapeuta” nos expomos a um caminho de muitas descobertas. Primeiramente, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, tornar-se terapeuta não é um processo fácil, por meio do qual simplesmente se aprende a ouvir problemas e ser amigo de uma pessoa que está passando por algum sofrimento em sua vida. Tornar-se terapeuta consiste em uma tarefa complexa, para a qual o curso de Psicologia é apenas o primeiro passo, uma vez que além do conhecimento da abordagem teórica escolhida, é necessário o desenvolvimento de diversas habilidades pessoais, que por sua vez, também não são incluídas em nosso repertório de forma gratuita.
Além disso, vale apontar, que a própria compreensão sobre o que é ser terapeuta revela-se enquanto algo a ser descoberto, afinal, definitivamente, não seremos os super-heróis que gostaríamos, capazes de ajudar as pessoas a resolverem todos os seus problemas. Descobre-se ao longo das entrevistas e atendimentos realizados, que realmente somos responsáveis pela condução adequada do tratamento, no entanto, o nosso papel tem limitações importantes e a efetividade da psicoterapia, depende também (e talvez, principalmente) do engajamento do cliente, de modo que o mesmo se disponha a promover mudanças em seus comportamentos e assim obter os resultados esperados, tais como a obtenção de reforçadores, em especial os positivos e a redução de condições aversivas (ou ao menos um repertório que possibilite lidar com elas).
Nesse sentido, também descobrimos que há uma diferença significativa entre saber as regras para exercitar a atividade clínica e de fato aplicá-las. Quando aprendemos nas aulas, por meio da leitura de livros e artigos ou em congressos, que devemos ser empáticos, parece não haver segredos para nos colocarmos no lugar do cliente. Lembro-me claramente da minha primeira triagem, na qual a cliente começou a chorar logo no início do preenchimento da ficha de dados pessoais e eu entreguei-lhe um lenço, aguardei alguns segundos na torcida de que ela parasse rapidamente (pois eu não sabia o que fazer) e em seguida dei continuidade às perguntas. Hoje, reconheço que minha atitude diante daquela cliente não foi das mais acolhedoras, de modo que nas triagens seguintes que realizei, eu procurei ser empática de verdade e quando o cliente chorou, não me comportei no sentido de reduzir ou barrar seu choro, tendo em vista que o setting terapêutico é justamente o espaço propício para que ele possa expor seus sentimentos.
Para que se construa no contexto terapêutico esse ambiente que permita ao cliente expor-se sem reservas, é importante que o terapeuta se comporte como uma audiência não punitiva. Segundo Skinner (1953), o terapeuta representa um tipo de ouvinte específico, com vistas a fornecer um ambiente diferenciado, que não ofereça reprovação ou punição para qualquer resposta emitida ou relatada pelo cliente em sessão. Esse é um direcionamento claro, deve-se ouvir o cliente com atenção, demonstrando compreensão e aceitação do que está sendo dito.
Todavia, mais uma vez não parece fácil aplicar tal indicação. Ainda não passei por situações extremas, no sentido de que ainda não tive contato clínico com nenhum cliente que apresentou valores opostos aos meus. Mas caso isso aconteça, será que conseguirei me comportar como uma audiência não punitiva? Afinal, não basta não se pronunciar em palavras, o comportamento verbal não vocal, como as expressões faciais e gestos podem nos denunciar. Acredito, que assim como eu, caso você não tenha passado por situações dessa natureza, também tenha dúvidas nesse sentido e fará descobertas acerca deste aspecto no decorrer das experiências que vivenciar e se já tiver passado por um contexto no qual o cliente tenha relato um comportamento que você reprove, tenha sido um desafio agir como uma audiência não punitiva (e pelo visto, desafios não vão faltar na prática clínica).
Falando em desafios, conforme vamos nos expondo ao exercício de clinicar, descobrimos que mais do que saber como executar as técnicas e ferramentas analítico-comportamentais, é preciso que se saiba quando aplicá-las. Em diversas ocasiões, seja para o atendimento individual ou para o atendimento em grupo, a minha supervisora, os demais terapeutas e eu, nos empenhamos em organizar recursos específicos para o que vinha sendo tratado até então na psicoterapia, porém, diante do conteúdo que efetivamente foi relatado pelo cliente ou pelo grupo na sessão, percebemos que teríamos que mudar o que fora planejado e isso envolve, muitas vezes, não realizar a atividade.
É claro, que inicialmente, a não realização do que planejamos com tanta dedicação ou ainda pior, o fracasso da atividade que imaginávamos apropriada, podem estar relacionados a sentimentos de frustração, ainda mais em nós, terapeutas iniciantes. No entanto, embora se tenha a sensação de que o caminho escolhido foi o errado (o que até pode ser verdade e demandar reformulações no plano de intervenção), a não aplicação de um instrumento em função das respostas do cliente, mostra que estamos sensíveis às contingências, isto é, estamos avançando no processo de “tornar-se terapeuta”.
Marmo (2012) adverte que a despeito do empenho dos terapeutas mais experientes em elaborarem métodos e produzirem conhecimentos a respeito da prática clínica, para tornar-se terapeuta, é preciso clinicar, estar em contato direto e comprometido com as possibilidades que vida oferece ao ser humano em geral e ao futuro terapeuta e seus clientes, em particular. Dessa forma, não basta que tenhamos a apreensão teórica do que deve ser feito, é preciso fazer, para que assim o nosso comportamento seja realmente modelado pelas contingências.
Quando um cliente entra pela porta da sala de atendimento, terapeutas experientes e iniciantes não sabem com exatidão alguma o que os esperam, as queixas são as mais variadas possíveis e a nossa reação frente a elas é que determinará o quanto estamos preparados ou não para lidar com o sofrimento que aflige aquele cliente. Enquanto terapeuta iniciante, descobri que não somos capazes de dar conta de tudo e todos, logo, nossas limitações pessoais devem ser consideradas. Discriminar como a história e comportamentos do cliente podem nos afetar e o quanto estamos dispostos a nos engajar no desafio de ser uma audiência não punitiva para aquela pessoa, também é um passo a frente para tornar-se terapeuta, tendo em vista que tão importante quanto olharmos para o cliente, é olhar para nós mesmos na relação com o mesmo.
As intervenções clínicas, inevitavelmente, envolvem as histórias tanto do cliente, quanto do terapeuta. Portanto, principalmente para o terapeuta iniciante, o processo de autoconhecimento é extremamente valioso, na medida em que são obtidas informações sobre aspectos que temos dificuldade ou facilidade para lidar, bem como sobre habilidades que precisamos desenvolver para nos tornarmos terapeutas competentes. O aprendizado de um repertório de autoconhecimento eficaz exige a execução de diversos comportamentos complexos, que possivelmente precisarão ser trabalhados em psicoterapia.
Sendo assim, a psicoterapia do terapeuta, principalmente do terapeuta em formação, é de extrema relevância, pois para que as dimensões da prática clínica sejam compreendidas, nada melhor que vivenciar as experiências dos dois lados da relação, como cliente e como terapeuta. As descobertas a serem feitas se ampliarão, de modo que aquilo que descobrirmos sobre nós mesmos, poderá ter impactos em nossa atuação, colaborando para que sejamos capazes de juntamente com cada cliente, guiar o processo terapêutico, lidando com suas implicações na vida da pessoa que diante de nós, procura suas próprias descobertas.
Referências bibliográficas:
Marmo, A. (2012). A que eventos o clínico analítico-comportamental deve estar atento nos encontros iniciais?. In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Otero, V. R. L. (2012). Considerações sobre valores pessoais e a prática do psicólogo clínico. In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.