Autismo: Instalando os principais operantes verbais

Na minha experiência clínica, vejo que a maior preocupação dos pais de crianças autistas concentra-se no desenvolvimento da fala. Acredito que isso se deva ao fato de esta ser a mais aparente deficiência apresentada por estas crianças, ou seja, a partir de uma certa idade, não falar passa a ser uma característica muito marcante e que já distancia muito a criança do desenvolvimento típico. Além disso, a ausência de alguma forma de comunicação funcional gera, com o tempo, o surgimento de comportamentos inadequados que adquirem a função de comunicação, como por exemplo: birras, agressões e autolesões. Por isso, esta preocupação dos pais tem toda razão de existir e deve ser, também, uma das principais preocupações do analista do comportamento responsável pelo tratamento da criança. O quanto antes conseguirmos instalar uma comunicação funcional (seja vocal, seja por meio de pistas visuais), menores serão as chances de a criança vir a usar respostas inadequadas para se comunicar. Por isso, o treino de pré-requisitos verbais, dos operantes verbais propriamente ditos e da comunicação alternativa por pistas visuais (à depender do repertório apresentado pela criança) devem ser iniciados logo no começo da intervenção, independentemente da idade da criança.
Neste artigo apresentarei a visão da Análise do Comportamento sobre o comportamento verbal, bem como uma proposta de instalação e maximização de repertório verbal em indivíduos com desenvolvimento atípico em geral, especialmente os diagnosticados com Autismo. Usarei dois artigos para este tema, sendo este primeiro focado na instalação do repertório verbal vocal e o próximo voltado para o treino da comunicação alternativa por pistas visuais.
A visão tradicional da linguagem envolve o conceito de ideias, imagens e significados que constituem as palavras. A Análise do Comportamento, ao invés de priorizar a explicação do significado por meio das palavras em si, explica o significado por meio das diferentes relações estabelecidas entre ouvintes e falantes através de palavras, gestos, ações, seleção de figuras, etc. Isto se deve ao fato de, para a análise do comportamento, a comunicação ser vista como mais um comportamento e, por isso, ser analisada em função das relações entre ambiente e organismo, e descrita na tríplice contingência (Antecedentes – Respostas – Consequências).
Entretanto, o Comportamento Verbal é um tipo especial de comportamento operante, no qual a consequência é sempre mediada por um ouvinte especialmente treinado para fazer esta mediação. Traduzindo isso para a linguagem comum, a fala de uma pessoa só é reforçada quando é compreendida por outra pessoa que responde a esta fala de uma forma coerente. Se eu tento me comunicar em português com uma pessoa que não fala e nem compreende este idioma, não haverá reforçamento, ou seja, o meu comportamento não será eficaz, pois o ouvinte não é especialmente treinado para entender esta fala.
O comportamento operante não verbal consiste em uma ação mecânica direta no mundo. Por exemplo, se eu estou com sede, posso pegar um copo, encher de água e tomar. Este comportamento é não verbal, já que minhas respostas movem o copo, a água e isso gera o reforçamento de saciação da minha sede, sem depender de qualquer outro indivíduo. Já o comportamento verbal envolve uma ação indireta no mundo, isto é, uma ação mediada por outro indivíduo. Por exemplo, se eu estou com sede posso pedir ao meu marido “Por favor, pegue um copo de água para mim?” e o reforçamento final, ou seja, a saciação da minha sede, só acontecerá depois que o meu marido compreender esta fala e me trazer a água. Então, o comportamento verbal primeiro afeta o outro para que este afete o mundo.
As crianças com autismo apresentam atraso ou até o não desenvolvimento deste comportamento, não por conta de deficiências físicas no aparelho fonoarticulatório, mas sim devido à falha no estabelecimento de relações sociais que fundamentam o comportamento verbal. Para o autista a comunicação não tem sentido, não é que ele não aprende a falar, o problema é anterior, ele não aprende a importância de se comunicar, de fazer o outro entender o que ele quer, pensa, vê, sente, etc. Alguns autistas até falam muito, mas não usam a fala para se comunicar, este comportamento não tem a função de fazer o outro entender algo, não é mediado pelo outro e, assim, não pode ser considerado comportamento verbal.
Skinner (1957) observou que uma mesma topografia de resposta vocal pode ter diferentes funções de comunicação. Por exemplo, uma pessoa pode verbalizar a mesma topografia vocal em diferentes contingências e, em cada uma delas a função desta fala será diferente. Se uma pessoa entra em casa e vê água espalhada pelo chão ela pode dizer “Água!”, descrevendo o que vê com o objetivo de informar o outro; mas, se esta pessoa diz “Água”, em um momento em que sente sede, a função de seu comportamento passa a ser a de pedir ao outro algo que vai saciar uma necessidade sua; em outra situação, numa sala de aula, o professor pode perguntar para a turma “Que nome damos ao composto resultante da união de duas moléculas de hidrogênio com uma molécula de oxigênio?”, alguns alunos responderão com a mesma topografia, ou seja, dirão “Água” e, a função desta fala já é outra, ou seja, responder a uma pergunta.
Estas diferenças funcionais que uma mesma topografia vocal pode assumir devem-se aos estímulos antecedentes que evocam a resposta e aos estímulos consequentes que as mantêm. Em função disso, Skinner (1957) descreveu os Operantes Verbais, isto é, categorias que auxiliam na diferenciação dos episódios verbais a partir da relação que as respostas verbais estabelecem com os estímulos que as antecedem e as consequenciam.
Ao ensinar o repertório verbal para crianças com autismo precisamos garantir o aprendizado de cada operante verbal, afinal, a aquisição de um operante verbal não garante necessariamente a aquisição dos demais. O primeiro operante que deve ser ensinado é o ecoico, que consiste em repetir o que é ouvido, afinal, este operante, quando aprendido, pode ser usado como dica para o ensino de outros operantes verbais. Neste operante, o estímulo antecedente é auditivo (algo falado pelo outro); a resposta tem topografia idêntica ao estímulo antecedente, ou seja, a pessoa repete o que ouviu; e a consequência é inespecífica, ou seja, pode ser um elogio, o acesso a um item de interesse, uma nota na prova oral, etc.
No treino de ecoico começamos com a apresentação de sons simples, onomatopeias e sons associados a objetos preferidos. O aplicador deve apresentar o modelo vocal (modelação) e esperar a criança repetir o som. É importante dar ênfase na articulação do som, para facilitar a imitação oral. Como não é possível dar ajuda física para a emissão de sons, este treino provocará muitos erros ou tentativas sem resposta. Assim, para manter a motivação na tarefa, se a criança não responder nada, o aplicador deve pedir qualquer outra resposta fácil para ela ou resposta motora passível de se dar ajuda física e, então, liberar o reforçador após a execução desta resposta. Assim, a criança não fica muito tempo sem reforço, o que poderia gerar desistência ou fuga da demanda.
O mando é outro operante que deve ser ensinado no início da intervenção comportamental, afinal, este operante consiste na resposta de pedir algo. Esta resposta, quando aprendida, facilita muito a convivência com a criança e melhora sua qualidade de vida, já que ela consegue se fazer entender e saciar suas necessidades. O mando é evocado por uma operação estabelecedora, por exemplo, a privação de algo, uma necessidade, vontade ou até a visão de algo que a pessoa goste. A resposta de mando consiste no nome ou frase de pedido pelo item desejado. E a consequência do mando é específica, ou seja, esta resposta só será reforçada pelo acesso ao item pedido.
Conforme explicou Miguel (2000), uma operação estabelecedora, momentaneamente, altera a efetividade reforçadora de um estímulo, por exemplo, a privação de água aumentaria a efetividade de água como reforçador. A operação estabelecedora também evoca comportamentos que, no passado produziram como consequência aquilo cuja efetividade foi alterada. Assim, privação de água evoca qualquer comportamento que tenha sido seguido pela apresentação de água. Por isso a privação de um alimento aumenta a probabilidade de emissão de respostas de pedir este alimento.
Para o treino de mando a criança deve estar particularmente motivada, ou seja, é preciso planejar a operação estabelecedora, ela precisa estar privada daquilo que vamos ensiná-la a pedir. No início do treino, ou seja, quando não existem pedidos espontâneos, o aplicador deve apresentar o item a ser pedido (dica visual – Ex: mostrar uma bala) acompanhado do modelo vocal completo (dica ecoica – Ex: “Bala”) para a criança repetir; ou parte da palavra (dica intraverbal – Ex: “Ba…”) para a criança completar. Estas dicas ajudarão a criança a dizer o nome do item desejado e, então, ter acesso a ele. O aplicador deve retirar as dicas gradualmente até a criança pedir apenas sob controle de operações estabelecedoras (Ex: eventos internos – privação, vontade, necessidade, sensações físicas).
O tato consiste na descrição ou nomeação de estímulos não verbais (objetos, imagens, eventos, sensações, sons, etc.). Então, o estímulo antecedente deste operante é sempre não verbal ou seja, um estímulo (visual, auditivo, interno, externo, etc.) que alguém vai nomear ou uma cena ou evento que alguém vai descrever. As consequências que mantêm o tato não são específicas, ou seja, pode ser um elogio, o agradecimento do outro pela informação prestada, etc. 
No treino do tato o aplicador deve apresentar o objeto ou a imagem a ser nomeada (Ex: mostrar a imagem de uma casa) e, se precisar, dar dica ecoica (falar o nome do estímulo para a criança repetir) ou dica intraverbal (começar o nome do estímulo para a criança completar). As dicas verbais devem ir sendo retiradas gradualmente. Sugere-se começar ensinando a nomear objetos motivadores e depois os funcionais (de uso cotidiano).
É importante destacar que, com indivíduos com autismo, iniciamos o treino deste operante com antecedentes visuais. Mas este treino deve ir evoluindo para o treino de nomeação ou descrição de tipos mais complexos de estímulos, por exemplo: sentimentos, emoções, sons, diferentes volumes e timbres de som, etc.
Finalmente, o operante intraverbal, consiste na resposta de dar continuidade à fala do outro, seja completando uma música, respondendo a uma pergunta ou dando prosseguimento a um diálogo. Nesta contingência o antecedente é sempre verbal, ou seja, a fala do outro; a resposta complementa ou responde a este antecedente; e a consequência é inespecífica, podendo ser um elogio ou a simples continuidade da conversa.
Neste treino o aplicador deve apresentar uma questão simples (Ex: “Qual é o seu nome?”) ou parte de uma música (Ex: “O sapo não lava o…”). Se precisar, o aplicador deve dar dicas auditivas (ecoica – falar a palavra toda para a criança repetir; ou intraverbal – iniciar a palavra para a criança completar) ou dicas visuais (imagens ou palavras escritas, no caso de crianças alfabetizadas) para a criança responder à pergunta ou completar a música.
Estes são os quatro principais operantes verbais descritos por Skinner, os demais operantes envolvem o repertório de leitura e escrita, cujo treino foi descrito nos artigos sobre Alfabetização desta coluna. A aquisição dos operantes verbais descritos acima preparam a criança para ocupar a função de falante numa interação verbal. Porém, também é fundamental que ensinemos o repertório de ouvinte, para que a interação verbal seja recíproca, ou seja, a criança não só fale com o outro como também entenda o que o outro diz, atuando como mediador do reforçamento da fala do outro.
O treino do repertório de ouvinte pode ser feito, por exemplo, por meio do ensino do seguimento de instruções. O aplicador dá uma instrução verbal, por exemplo: “Manda um beijo” e, então, dá a ajuda física necessária para a criança executar a instrução dada. Outro treino que instala habilidades de ouvinte é a discriminação auditivo-visual, ou seja tarefas de identificação de estímulos visuais. Neste treino, o aplicador apresenta três imagens ou objetos e pede que a criança aponte ou pegue um determinado estímulo.
No próximo artigo continuaremos neste tema: o treino do comportamento verbal, porém com foco na comunicação alternativa por pistas visuais, que constitui uma saída importante para as crianças com atraso na fala.
Referências Bibliográficas:
Miguel, C. F. (2000). O Conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16 (3), pp. 259-267. 
Skinner, B. F. ([1957] 1992). Verbal behavior. Acton, Massachusetts: Copley Publishing Group.
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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

Curso em Terapia de Aceitação e Compromisso – Motivação Consultoria – São Luís/MA

7º Encontro de Análise do Comportamento da PUC-SP – São Paulo/SP