“Independência ou Morte?” – Quando a Dependência Emocional Interfere nas Relações.

A dependência é definida no dicionário como: s.f. Estado de dependente. / Sujeição, subordinação. / Acessório; parte de, anexo: as dependências de uma casa. Neste caso, o indivíduo emocionalmente dependente pode ser considerado aquele que deixa de ser quem é para ser o outro ou do outro. O dependente emocional demonstra dependência afetiva em relação à outra(s) pessoa(s), e de acordo com o DSM.IV demonstra incapacidade total em realizar alguma atividade sozinho, tomar decisões, não confia em si, não se sente valorizado, não é autossuficiente, tem necessidade excessiva em ser cuidado, tem medo da separação, é submisso, se sente inferior, acredita que merece pouco e se contenta com isso, torna-se vulnerável e manipulável, passivo ou passivo-agressivo. Essas são algumas das características comuns relacionadas à dependência emocional, no entanto segundo a Análise do Comportamento podem variar de acordo com o contexto de cada um. Pois, “cada caso é um caso” e as pessoas podem ficar sob controle de diferentes estímulos ainda que em um mesmo contexto. Além disso, o que mantém tais comportamentos são as consequências. Lembrando que estas também podem variar de indivíduo para indivíduo, sendo que, o valor da consequência reforçadora pode não ser o mesmo para todos, assim como o ambiente e as contingências. Essas diferenças individuais são selecionadas pela genética, pelo aprendizado e pela cultura.
Embora existam diferenças individuais entre as pessoas, todos nós precisamos criar vínculos, receber e oferecer carinho, amor e atenção. Ou seja, relações saudáveis. Contudo, surge um sério problema quando essas relações se tornam exageradas e sufocantes – “doentias”. E uma doença quando não é curada, pode levar à morte.

A dependência emocional, pode ser considerada aqui como a ‘doença’ da relação, que se não for tratada, pode assim permitir que “morra” o relacionamento, a individualidade do dependente ou até mesmo do outro que se relaciona com o dependente. Algumas pessoas tornam a relação ou o outro um vício. É como na dependência química, mas a droga nesse contexto é qualquer outra coisa que mantenha o dependente no vício.

As relações de dependência podem se estabelecer entre pais e filhos, namorados, cônjuges e até mesmo entre amigos. Ainda que a relação de dependência entre pais e filhos se enquadre em questões também biológicas, que cumpre funções adaptativas e vitais da espécie, alguns pais se tornam tão protetores ao cuidar, que acabam transformando seus filhos em seres dependentes. A criança se desenvolve sem ter condições de aprender habilidades em resolução de problemas ou tomada de decisões porque sempre tem os pais para agirem em seu lugar. Também há aqueles pais que humilham e não respeitam os sentimentos de seus filhos. As crianças que são tratadas assim, não tem a autoestima desenvolvida e aprendem quem não são dignas de serem amadas, o que pode levá-las a desenvolver comportamentos relacionados a dependência emocional e se sujeitarem a qualquer tipo de situação, mesmo as mais humilhantes. Para Guilhardi (2002) “a autoestima de uma criança é desenvolvida a partir do reconhecimento que os pais expressam aos filhos pelos seus comportamentos” (p.8).
A maneira como as crianças são ensinadas é fundamental para o desenvolvimento de adultos independentes emocionalmente. Do contrário, essas crianças podem não ter sua autoestima e autoconfiança adequadamente desenvolvidas e assim se tornarem adultos sem amor-próprio, que se sentem incapazes e inferiores, que se sujeitam a qualquer situação por medo do abandono, pois acreditam que não conseguem ficar sozinhas. Ficar sozinho, para uma pessoa que depende exageradamente de afeto é quase que um sacrifício.

Isso acontece geralmente porque são pessoas que não gostam da própria companhia, não sabem o que fazer quando estão sozinhas, não sabem quem são, do que gostam e algumas vezes tem medo dessa solidão. E talvez por isso o outro se torne tão reforçador, porque em alguns casos, oferece tudo isso (embora possa se sentir em algum momento sufocado). Além disso, sofrem uma forte influência da mídia na idealização de relacionamentos baseados no amor romântico, aquele em que o casal é um só, que vive em função do ser amado, que não vive sem o outro etc; como em alguns filmes e novelas; quando na realidade as coisas são bem diferentes. É claro que é possível pode amar, se dedicar, dar seu tempo e sua atenção a um relacionamento afetivo. O que vai sinalizar se está saudável ou não é a frequência, a duração e a intensidade com que acontecem os comportamentos relacionados a dependência emocional e principalmente se acarretam danos e prejuízos a um da relação ou a ambos.

Quando a relação é permeada pela dependência, quando esta começa a “adoecer” é o momento em que deve surgir o “grito pela independência ou a morte”. A dependência passa a se tornar cada vez mais visível devido a seus danos e prejuízos, e o dependente precisa decidir se inicia um tratamento para curar tal “doença” ou se deixa o relacionamento “morrer”. O que dificulta o rompimento desse ciclo vicioso é a consequência reforçadora, que de alguma forma oferece ganhos ao dependente (como por exemplo: atenção) ou impede que o indivíduo entre em contato com situações aversivas (por exemplo, ficar sozinho), o que também mantém os comportamentos relacionados à dependência. Quando o dependente emocional decide pela independência e quebra a relação estabelecida entre resposta e reforço, os comportamentos de dependência são colocados em extinção, ou seja, as respostas operantes deixam de produzir as consequências que as mantinham. Neste contexto pode surgir um grande número de alterações no responder e tudo depende da história de reforçamento e de extinção (por exemplo, a diferença entre reforço intermitente e contínuo) a que o indivíduo foi exposto (Skinner, 2007/1953). A manutenção da extinção exige respostas de autocontrole, e este está relacionado diretamente a escolha de respostas concorrentes ao comportamento dependente. A curto prazo isso pode ser extremamente aversivo para o indivíduo que se comporta de acordo com o padrão de dependência emocional. No entanto, a longo prazo pode produzir outras consequências reforçadoras e mais adequadas aos relacionamentos do “ex-dependente” emocional. O declínio das respostas inadequadas e a variabilidade comportamental, podem representar algumas vantagens para o indivíduo, pois este pode passar a dar mais atenção à outras áreas de sua vida e desenvolver comportamentos que concorram com os inadequados que estão aos poucos se extinguindo.
Embora não exista uma fórmula mágica para acabar com a dependência emocional, é possível se aprender a manipular determinadas variáveis relacionadas a este contexto. Neste sentido, o tratamento consiste em: autoconhecimento. O autoconhecimento é um comportamento verbal discriminativo; expressa um conhecimento sobre o próprio comportamento (Skinner, 1982/1974). Além disso, não prioriza algo intrínseco ao ser humano ou a um “eu interior”, mas sim a descrição de comportamentos (Gongora & Abib, 2001). Inclui também desenvolvimento de comportamentos relacionados ao autocontrole, autoestima, autoconfiança, liberdade e autonomia. A principal proposta da Análise do Comportamento é analisar as relações do organismo com o meio e possibilitar a independência do indivíduo de uma forma diferente, na qual, este possa ter condições de analisar a situação. Esta mudança contribui para um relacionamento interpessoal mais positivo. Geralmente as contingências que ocorrem no ambiente não são discriminadas pelas pessoas, ou seja, muitas vezes elas não se atentam aos antecedentes e consequentes de seu comportamento (Brandenburg & Weber, 2005). “Tanto os repertórios verbais autodescritivos como a auto-observação, elementos indispensáveis para o autoconhecimento, são instalados a partir de contingências providas pela comunidade verbal” (Marçal, 2003).

 Quando Skinner fala sobre liberdade, é possível entender que esta só existe quando o indivíduo discrimina seus comportamentos e as variáveis que os controlam, ou seja, o autoconhecimento precede a liberdade (ou independência, neste caso). No entanto, a limitação para o autoconhecimento e a liberdade se tornarem efetivos integralmente, estão na comunidade, visto que não é possível modelar a discriminação precisa de todos os comportamentos encobertos.

A liberdade individual, portanto, não é algo que se encontra dentro do organismo, mas envolve uma análise das contingências e a modificação do ambiente social, assim como a modificação de comportamentos aprendidos ou negligenciados no processo de desenvolvimento do indivíduo (Skinner, 1973/1971).

O autoconhecimento possibilita que o indivíduo possa planejar sua vida, e embora a independência não seja conquistada de forma integral, tem a possibilidade de manipular as variáveis de seu ambiente, substituindo os eventos aversivos por estímulos menos desagradáveis (Carvalho Neto, 2000). Assim, se alguém aprendeu que amor é sinônimo de dependência, e estabeleceu relações doentias, também pode aprender outros modos de se relacionar com as pessoas e com si próprio de forma saudável. Até porque a pessoa precisa estar lá para ela mesma, caso um dia o outro a abandone. E estar lá significa conviver bem com a própria companhia.
Referências
Brandenburg, O. J., & Weber, L. N. D. (2005). Auto conhecimento e liberdade no behaviorismo radical. Psico – USF, v. 10, n.1, p. 87-92.
Carvalho Neto, M. B. (2000). Esclarecimentos sobre o behaviorismo: uma réplica a Japyassú. Revista de Etologia, 2(1), 43-55.
Guilhardi, H.J. (2002). Autoestima, Autoconfiança e Responsabilidade. Texto publicado em: Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Orgs.: Maria Zilah da Silva Brandão, Fatima Cristina de Souza Conte, Solange Maria B. Mezzaroba.
Gongora, M. A. N. & Abib, J. A. D. (2001). Questões referentes à causalidade e eventos encobertos no behaviorismo radical. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 3(1), 4-29.
Marçal, J. V. S. (2003). O autoconhecimento no behaviorismo radical de Skinner, na filosofia de Gilbert Ryle e suas diferenças com a filosofia tradicional apoiada no senso comum. Disponível em: http://www.ibac.com.br/doc/downloads/artigo_arcal_autoconhecimento_skinner.pdf>. Acesso em: 05/06/2013.
Skinner, B. F. (2007). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.,11ª ed.). São Paulo: Martins fontes (Obra original publicada em 1953).
Skinner, B. F. (1973). O Mito da Liberdade. Tradução de Leonardo Goulart e Maria Lúcia Ferreira Goulart. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A. (Obra original publicada em 1971).
Skinner, B. F. (1982). Sobre o Behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Cultrix/EDUSP. (Obra original publicada em 1974).
[1] Usarei os dois termos para me referir à mesma relação.
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Escrito por Débora Dias

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Recursos Humanos pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Experiência profissional na área Clínica (atendimento psicoterapêutico de crianças e adultos), Acadêmica e Recursos Humanos. Atua no momento no IPAC - Instituto de Psicologia e Análise do Comportamento (Londrina) e na UNOPAR - Universidade Norte do Paraná (Londrina).

V Jornada de Análise do Comportamento da UNESP-Bauru – JAC Bauru – Programação 2013

4º Encontro de Análise do Comportamento do Vale do São Francisco – Programação