A cultura atribui ao hospital como um lugar de muito respeito, onde os comportamentos emitidos pelos profissionais que ali trabalham precisam ser valorizados pois eles estão envolvidos diretamente com o bem mais precioso que todos possuem que é a vida. Para o paciente em si, esse ambiente normalmente é fonte de muita estimulação aversiva. Embora se saiba que, em geral, os procedimentos realizados tenham como objetivo principal o reestabelecimento biológico do individuo, não se quer dizer que eles sejam agradáveis.
Diante disso, quando a psicologia entrou no hospital, ela se envolveu diretamente com essa relação e todos os possíveis efeitos que ela pode causar na rotina das pessoas que se utilizam desse local bem como dos profissionais que lá estão.
Ao paciente adulto é mais comum a exigência de comportamentos considerados de adesão ao tratamento por parte dos profissionais envolvidos, ou seja, que ele apresente pouca resistência aos procedimentos invasivos que serão realizados. Aqui, muitas vezes, é o campo em que o psicólogo atua dentro do hospital. O que se espera do paciente, não é como ele consegue se comportar. Quantas vezes ao atuar no hospital já fui solicitada, principalmente pela enfermagem, como seguinte pedido “mas eu só preciso pegar a veia dele para dar soro”(SIC). Sim, para enfermagem esse é o procedimento dos mais simples diante dos muitos que ela precisa desenvolver, mas para o paciente é algo extremamente invasivo.
A maior parte das pessoas não se sente bem com o fato de ser picado por uma agulha. Muitas pessoas se esquivam de consultas periódicas ao dentista ou deixam de realizar exames de sangue, porque não conseguem se deparar com as agulhas envolvidas nesse procedimento.
E o que pode o psicólogo fazer nessas situações? Ele irá ajudar o paciente a enfrentar a situação e modelar o profissional de enfermagem para que consiga auxiliar também os demais pacientes.
Em geral quando sou solicitada nessas situações, não procuro dizer para o paciente que não irá doer. Isso os demais profissionais já o fazem e quase nunca tem o efeito esperado. Procuro explicar que sim, dói e eu sei o quanto isso e desagradável (isso é uma demonstração de empatia ao momento em que ele esta passando), mas que é necessário e que eu ficarei ali com ele segurando a sua mão para tentar fazer com que seja menos dolorido. Proponho também que ele procure olhar para mim, que aperte a minha mão para passar toda a dor que sentir. O que é feito nessa situação é um procedimento relativamente simples, porém de acolhimento ao sentimento produzido pela situação e, consequentemente, redução da ansiedade que o procedimento produz.
Esse fato de não olhar para a agulha, foi uma estratégia que aprendi há alguns anos, com uma estagiária de psicologia na época, hoje uma grande profissional dessa área também. Ela não gostava de ver a agulha quando ia fazer o seu exame de sangue, sentia que sua ansiedade aumentava e olhava para o lado para conseguir. Começou a ensinar isso para as crianças quando as preparava para procedimentos invasivos. Isso passou a dar muitos resultados.
Como disse anteriormente, o auxílio também acaba sendo para o profissional de enfermagem envolvido nesse procedimento. Ao realizar lado a lado a mesma atividade, ele começa a ver comportamentos que pode emitir em outras situações. Quando explicamos ao paciente que ele não precisa ficar olhando para a agulha, pois isso pode reduzir a sua ansiedade, ao profissional de enfermagem, quando converso com ele, explico que ele não precisa adentrar ao quarto do paciente com a agulha em lugar visível ao paciente. Não significa que ela não exista, mas olhar para ela em geral aumenta a ansiedade, pois normalmente há o emparelhamento com o sentir dor. Sei que para o profissional de enfermagem a agulha é seu instrumento de trabalho e muitas vezes eles querem demonstrar que tem segurança e domínio sobre o seu manuseio, mas nem sempre é desta forma que o paciente compreende.
Uma vez fui solicitada ao centro cirúrgico para auxiliar uma criança que fora preparada para um determinado procedimento, mas que na hora não conseguia deixar pegar a veia para iniciar a anestesia. Era uma criança com a qual eu tinha um bom vínculo. Quando me deparei com ela, conversei, relembrei os nossos combinados e ela naquele momento, por se sentir mais segura comigo, tentou emitir um comportamento de birra, dizendo que somente faria o procedimento se fosse eu quem pegasse a veia dela. Naquela situação, precisava resolver o problema rapidamente, minha resposta a ela foi: “ok, eu farei isso, mas preciso lhe lembrar de algumas coisas: eu não sei fazer isso, não sou treinada para essa atividade, provavelmente se eu fizer, vai doer e eu posso até lhe machucar. O que você acha de me dar a sua mão e a enfermeira fazer?”
Lembro-me que quando eu dei a afirmativa que eu faria, todos os profissionais da sala voltaram seus olhos para mim, admirados. Lógico que não faria, pois expliquei na sequência, a minha falta de preparo o que isso poderia causar, mas eu precisava fazê-la enfrentar a situação e procurei demonstrar que ela poderia ser mais aversiva caso não fosse feita pelo profissional preparado.
No hospital o psicólogo não tem muito tempo para resolver os problemas relacionados aos procedimentos invasivos, que aqui hoje me detive a falar sobre aqueles que envolvem pegar a veia para um procedimento, existem outros. Por isso, precisamos ser bem treinados em resolução de problemas, pois é dela que dependeremos em grande parte para resolver as situações. Precisamos ter um rápido acesso a história do paciente para entendermos o que pode ser funcional no caso dele. Não há técnicas prontas, pois cada um tem uma ansiedade, um medo, uma esquiva. Ao psicólogo cabe sim o conhecimento das técnicas comportamentais e a sua aplicabilidade, mas de uma forma bastante prática e que possa ser eficaz. De nada adianta explicar tecnicamente o que esta acontecendo, mas sim de forma operacionalizada e concreta que pode ser muito mais eficaz.
Indicações de Leitura
Angerami-Camon, V. A. (org.) (2003). A Psicologia no Hospital. 2a. ed. São Paulo: Pioneira.
Angerami-Camon, V. A. (org.) (2001)Psicologia Hospitalar: teoria e prática. São Paulo: Pioneira.
Baptista, Makilim N. e Dias, R. R. (2010). Psicologia Hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan.
Simonetti, A. (2004). Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo.