Em uma semana, em contextos e conversas diferentes, ouço falar que gerentes, coordenadores e supervisores costumam “assumir a culpa” quando algo acontece errado ou quando a equipe não atinge o resultado esperado. Em uma das conversas, um gerente contou que “eles (seus superiores) cobram que eu encontre um culpado, e, mesmo que eu saiba que o problema foi com uma pessoa da equipe ou que não haja exatamente um único culpado, assumo para mim, digo que fui eu quem não planejei, não previ, ou algo do tipo, pois a pressão é tanta…” (sic). Em outra conversa, um funcionário de uma loja relatou que onde trabalha tudo o que acontecia de errado era culpa do gerente. Já em outra interação, um supervisor afirmou que sente muita dificuldade em dar ordens aos funcionários sobre o que precisa ser feito, ou chamar atenção sobre algo que está sendo realizado de forma inadequada, mesmo quando seus superiores já o questionaram a respeito, sendo-lhe atribuída a “culpa” por aquilo que não está indo bem.
Estes eventos, ocorridos no universo organizacional, chamam a atenção para dois aspectos: a dificuldade de compreensão do comportamento humano e, mais especificamente, a falta de habilidades sociais.
Colocar toda a culpa no gerente é, segundo Morgan, 2006, um princípio da administração científica de Taylor. Este estilo de administrar empresas nasceu ao final do século dezenove, mas parece se manter até os dias atuais. Esta necessidade de se localizar um culpado demonstra uma noção limitada acerca de comportamento humano, provavelmente fruto de histórias de punição. Tais princípios parecem afirmar que o motivo por algo que deixou de ocorrer em uma Organização ou ocorreu de forma inadequada é de responsabilidade exclusiva de uma única pessoa, desconsiderando as relações desta com o ambiente em que está inserida, qual seja, a Organização em que trabalha. Para a Análise do Comportamento, os comportamentos humanos derivam de três níveis de seleção: variáveis filogenéticas (história de seleção natural), variáveis ontogenéticas (história de interação com o ambiente) e cultura (contingências de reforçamento social mantidas por um grupo). Sendo assim, seja em uma Organização ou fora dela, os comportamentos devem ser considerados em sua interação com o ambiente, a partir consequências que produzem. Ou seja, se o comportamento do supervisor tem uma consequência favorável, aumenta-se a probabilidade de que este se mantenha no repertório do mesmo. Já quando as consequências são desfavoráveis, esta probabilidade é diminuída. Ou seja, diante dos mesmos antecedentes (eventos que ocorrem antes da resposta) o responder de uma forma ou de outra irá ocorrer ou não dependendo das consequências.
Provavelmente, no nosso primeiro exemplo, “assumir a culpa” diante de seus superiores foi valorizado pelos mesmos e pela organização, e se mantém no repertório deste gerente que provavelmente tem como consequência reconhecimento e manutenção no emprego.
Outra dificuldade observada nos exemplos acima envolve um grupo de habilidades chamadas de habilidades sociais, as quais são definidas como um “conjunto de desempenhos apresentados pelo indivíduo diante das demandas de uma situação interpessoal” (Argyle in Del Prette e Del Prette, 2001). Para estes autores, há vários tipos de habilidades sociais, dentre as quais se destacam as habilidades de autocontrole e expressividade emocional, a assertividade e a de resolução de problemas. Nos contextos organizacionais citados, percebem-se dificuldades relacionadas à falta ou pouca frequência do comportamento assertivo, demonstradas pela dificuldade destes líderes em expor ideias ou apontar problemas ou soluções. A assertividade é definida por Alberti e Emmons (1983) como a expressão sincera de pensamentos e sentimentos de modo a atingir objetivos, sem constrangimentos ou ansiedade, exercendo os próprios direitos sem, contudo infringir os dos outros. É uma habilidade aprendida na história de interação com o ambiente, seja ele familiar e/ou de trabalho e, como qualquer outro comportamento, se mantém de acordo com as consequências que produz em seu ambiente atual. Conforme nos lembra, Miguel e Garbi (2007), mesmo que a pessoa já possua habilidades assertivas em seu repertório comportamental, se o ambiente organizacional não valorizar este tipo de interação, este padrão de comportamento não irá se manter no repertório deste gerente ou supervisor.
Entretanto, ao trabalhar e, principalmente, liderar equipes no contexto organizacional, a ocorrência deste tipo de comportamento faz-se necessária no repertório destas pessoas, pois, em muitas situações organizacionais relaciona-se ao funcionamento adequado dos processos de trabalho, à obtenção de resultados positivos na organização e à correção de possíveis erros, entre outros. Liderar pessoas envolve um conjunto de comportamento que são descritos por Del Prette e Del Prette (2005) como sendo habilidades assertivas, dentre os quais se destacam a expressão de ideias e sentimentos de agrado ou desagrado, o concordar ou discordar de opiniões, fazer e recusar pedidos, lidar com críticas, pedir mudança de comportamento, negociar interesses conflitantes, defender os próprios direitos e resistir a pressões. Gerentes considerados exemplares são descritos como aqueles que conhecem as tarefas a serem desempenhadas por seus colegas e subordinados e estão, constantemente, fazendo comentários detalhados a respeito destas tarefas junto a eles (Komaki, 1986 apud Miguel e Garbi, 2007, p. 149). Sendo assim, a pessoa pode ter prejuízos pessoais e profissionais, além de possivelmente caracterizar-se em um prejuízo para a organização.
Em casos onde, ao se avaliar o ambiente organizacional, percebem-se prejuízos decorrentes da falta de assertividade nas relações com superiores e subordinados sugere-se um treinamento assertivo que envolva líderes e liderados. Pois, segundo Miguel e Garbi, 2007, parte do sucesso de uma organização de trabalho depende da forma como as equipes se comunicam.
REFERÊNCIAS
MIGUEL & GARBI, Assertividade no trabalho: Descrevendo e corrigindo o desempenho dos outros. In: CONTE, F.C.S. e BRANDÃO, M.Z.S. Falo? Ou não falo? Expressando sentimentos e comunicando ideias. – 2ª ed. Editora Mecenas, Londrina, PR, 2007.
MORGAN, G. Imagens da Organização, 1ª ed – 11 reimpr., Ed. Atlas, São Paulo, 2006.
ALBERTI, R.E. & EMMONS, M.L. Comportamento Assertivo: Um guia de auto-expressão (J.M. Correz, trad.) Belo Horizonte, Interlivros, 1978
DEL PRETTE, Z.A.P & DEL PRETTE, A. SMHSC –Del-Prette manual, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2005.
DEL PRETTE, Z.A.P & DEL PRETTE, A. O uso de vivências no treinamento de habilidades sociais.Em: Caballo,V.; MARINHO, M.L. (Org.) Psicologia Clínica e da Saúde, Londrina, Ed. UEL, 2001.