Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade: Estratégias de Intervenção da Análise do Comportamento Aplicada
Autor: Jan Luiz Leonardi (Núcleo Paradigma)
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é o diagnóstico psiquiátrico mais comum na infância e está diretamente relacionado ao fracasso escolar e a dificuldades nas vidas pessoal e profissional (Barkley, 2006). Pesquisas epidemiológicas apresentam resultados conflitantes, mas, em geral, afirma-se que a prevalência do TDAH situa-se entre 6% a 13% em crianças com idade escolar, sendo mais frequente em membros do sexo masculino (Golfeto & Barbosa, 2003).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (American Psychiatric Association, 2002), o diagnóstico de TDAH deve ser feito quando há confirmação de seis ou mais sintomas no âmbito da desatenção e/ou seis ou mais sintomas no âmbito da hiperatividade e impulsividade. Se o indivíduo atende apenas aos critérios para desatenção, o diagnóstico será de TDAH do tipo predominantemente desatento. Se ele atende apenas aos critérios para hiperatividade e impulsividade, o diagnóstico será de TDAH do tipo predominantemente hiperativo-impulsivo. Se o indivíduo apresentar seis ou mais sintomas tanto no âmbito da desatenção quanto no da hiperatividade e impulsividade (isto é, pelo menos 12 sintomas), o diagnóstico será de TDAH do tipo combinado. Além disso, para que alguém receba o diagnóstico de TDAH, deve haver claras evidências de comprometimento em dois ou mais contextos (no funcionamento social e acadêmico, por exemplo) e alguns dos sintomas devem estar presentes até os sete anos de idade.
Os sintomas de desatenção são: não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades escolares, de trabalho ou outras; tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra; não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais; tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; evita, demostra ojeriza ou reluta em envolver-se em tarefas que exigem esforço cognitivo; perde coisas necessárias para tarefas ou atividades; é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa; apresenta esquecimento em atividades diárias (American Psychiatric Association, 2002)
Os sintomas de hiperatividade e impulsividade são: agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira; abandona sua cadeira na sala de aula; corre em demasia em situações impróprias; tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer; está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor”; fala em demasia; dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham sido completamente formuladas; tem dificuldade para aguardar a sua vez; interrompe ou se intromete em assuntos alheios (American Psychiatric Association, 2002).
A esmagadora maioria dos casos de TDAH é tratada com metilfenidato (comercializado com os nomes de Ritalina ou Concerta), uma droga estimulante que aumenta a concentração de dopamina e de noradrenalina no sistema nervoso central (Cordioli et al., 2005). Embora o metilfenidato seja eficaz na modulação da atenção e na supressão da hiperatividade (cf. Faraone, Spencer, Aleardi, Pagano & Biederman, 2004; Faraone, Biederman, Spencer & Aleardi, 2006), ele não é um tratamento curativo, pois, quando o uso do medicamento é interrompido, os sintomas retornam em frequência e intensidade semelhantes aos iniciais. Neste sentido, o medicamento, em si, não promove a aprendizagem de novos comportamentos, embora seja um importante aliado em intervenções comportamentais.
Saber que um indivíduo tem o diagnóstico de TDAH não fornece informações suficientes para determinar quais procedimentos devem ser utilizados no tratamento (para uma análise detalhada sobre as incompatibilidades desse diagnóstico com os pressupostos filosóficos, conceituais e metodológicos da análise do comportamento, ver Leonardi, Rubano, & Assis, 2010). Para isso, é fundamental que seja realizada uma avaliação funcional, ou seja, que as relações entre as respostas do indivíduo, o contexto em que ocorrem (condições antecedentes), seus efeitos no mundo (eventos consequentes) e as operações motivadoras em vigor sejam identificadas (Leonardi, Borges, & Cassas, 2012). A avaliação funcional é a ferramenta pela qual o terapeuta analítico-comportamental identifica e organiza as características comportamentais que compõem a queixa e que determina a intervenção apropriada. Em outras palavras, é a avaliação funcional que permite a compreensão do caso e que norteia a tomada de decisões clínicas (cf. Follette, Naugle, & Linnerooth, 1999).
Nos últimos 40 anos, a Análise do Comportamento Aplicada vem utilizando a ferramenta da avaliação funcional em intervenções sobre os comportamentos tipicamente envolvidos no diagnóstico de TDAH, tais como engajamento em tarefas (i.e., nível de atenção), conversar com os colegas, andar pela sala de aula, falar em momentos inapropriados, atirar objetos, escolher reforçadores menores e imediatos em detrimento de reforçadores maiores e atrasados (i.e., impulsividade), entre outros (para uma revisão das pesquisas sobre TDAH publicadas no Journal of Applied Behavior Analysis de 1968 a 2008, ver Leonardi & Rubano, no prelo).
Um resultado bastante relevante das pesquisas realizadas até o momento é a constatação de que as respostas disruptivas[1] típicas do TDAH geralmente estão sob controle de quatro funções[2] específicas: (1) fuga/esquiva de tarefas escolares e domésticas; (2) atenção (de adultos e de colegas); (3) acesso a um objeto ou atividade (mais reforçador do que o objeto ou a tarefa que se espera que a criança atente); (4) estimulação sensorial (DuPaul & Ervin, 1996; Zentall & Javorsky, 1995).
Se a função da resposta-alvo for de fuga/esquiva de tarefas, duas estratégias de intervenção são sugeridas: (1) diminuir a aversividade da tarefa antes de solicitá-la (por exemplo, reduzindo o número de exercícios, substituindo uma tarefa de menor preferência por uma de maior preferência, oferecendo possibilidade de escolha da tarefa numa lista de tarefas, intercalando tarefas aversivas com atividades reforçadoras) e (2) permitir a fuga/esquiva da tarefa como consequência de uma resposta alternativa mais adequada (por exemplo, pedir um intervalo após concluir parte da tarefa).
Se a resposta-alvo em questão está sob controle de atenção de adultos, três possibilidades de intervenção são (1) ignorar a resposta disruptiva e dar atenção contingente à emissão de respostas mais adequadas (procedimentos de DRO, DRA e DRI), (2) aumentar a frequência de atenção não-contingente e (3) time-out (remover a criança por alguns minutos do ambiente no qual as respostas disruptivas ocorreram).
Se a resposta-alvo em questão está sob controle de atenção de colegas de sala de aula ou amigos, é possível (1) separar a criança dos amigos prediletos e colocá-la próximo de colegas cuja probabilidade de darem atenção é menor, (2) incorporar a atenção dos amigos nas atividades (trabalhos em dupla e em grupo), (3) fornecer reforços para os colegas por ignorarem as respostas disruptivas do indivíduo e (4) estabelecer contingências grupais, em que tanto o indivíduo com o diagnóstico de TDAH quanto os colegas envolvidos recebem reforços por completar tarefas e/ou obedecer a regras.
Se a função da resposta-alvo for acesso a um objeto ou atividade, duas estratégias de intervenção são sugeridas: (1) o acesso ao objeto ou à atividade deve ser impedido durante a realização de atividades e quando o indivíduo emitir respostas disruptivas; (2) permitir acesso ao objeto ou à atividade contingente ao término da tarefa ou à emissão de respostas mais adequadas.
Se a função da resposta-alvo for produzir estimulação sensorial, sugere-se (1) interromper ou impedir a resposta disruptiva (por exemplo, dando uma pequena bronca ou redirecionando a resposta emitida para uma resposta mais adequada) e (2) enriquecer a estimulação ambiental, pois isso diminui a probabilidade de a criança buscar auto-estimulação (numa sala de aula, por exemplo, promover tarefas mais ativas e menos passivas).
Em conclusão, a identificação da função de cada resposta é de fundamental importância para qualquer intervenção e deve ser complementada, por meio da avaliação funcional, pela identificação das variáveis antecedentes que exercem controle sobre as respostas-alvo. O presente texto apontou as funções que mais comumente controlam as respostas disruptivas envolvidas no diagnóstico de TDAH e descreveu possíveis intervenções para cada uma delas, mas é fundamental que o terapeuta faça avaliações funcionais para cada caso individual, como evidencia a seguinte tirinha de Calvin e Haroldo:
[1] Tendo em vista o modelo de seleção por consequências (Skinner, 1981), analistas do comportamento deveriam evitar a classificação de uma classe operante como disruptiva, inadequada, desadaptada, etc. Entretanto, o presente artigo utiliza o termo “disruptivo” para indicar as respostas tipicamente envolvidas no diagnóstico de TDAH que são motivo de sofrimento para o indivíduo ou seus familiares, colegas e professores. No mesmo sentido, o termo “adequado” é empregado para se referir àquelas respostas que são diferentes ou até mesmo opostas às disruptivas, ou seja, às respostas que seriam consideradas como uma melhora clínica do cliente.
[2] Analistas do comportamento empregam o termo “função” para se referir a consequências específicas produzidas pelo responder do indivíduo. Essas consequências, por sua vez, alteram a probabilidade de respostas semelhantes serem emitidas no futuro.
Referências:
American Psychiatric Association (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (4a ed., texto revisado). Porto Alegre: Artmed.
Barkley, R. A. (2006). Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento (3a ed.). Porto Alegre: Artmed.
Cordioli, A. V., Pádua, A. C., Gama, C. S., Zeni, C. P., Knijnik, D. Z., Cechin, E. M. et al. (2005). Medicamentos: Informações básicas. Em A. V. Cordioli (Org), Psicofármacos: Consulta rápida (3a ed; pp. 183-186). Porto Alegre: Artmed.
DuPaul, G. J., & Ervin, R. A. (1996). Functional assessment of behaviors related to attention-deficit/hyperactivity disorder: Linking assessment to intervention design. Behavior Therapy, 27, 601-622.
Faraone, S. V., Biederman, J., Spencer, T. J., & Aleardi, M. (2006). Comparing the efficacy of medications for ADHD using meta-analysis. Medscape General Medicine, 8, 4, 4.
Faraone, S. V., Spencer, T., Aleardi, M., Pagano, C., & Biederman, J. (2004). Meta-analysis of the efficacy of methylphenidate for treating adult attention deficit/hyperactivity disorder. Journal of Clinical Psychopharmacology, 24, 1, 24-29.
Follette, W. C., Naugle, A. E., & Linnerooth, P. J. (1999). Functional alternatives to traditional assessment and diagnosis. Em M. J. Dougher (Org.), Clinical behavior analysis (pp. 99-125). Reno: Context Press.
Golfeto, J. H., & Barbosa, G. A. (2003). Epidemiologia. Em L. A. Rohde & P. Mattos (Orgs.), Princípios e prática em TDAH (pp. 15-33). Porto Alegre: Artmed.
Leonardi, J. L., & Rubano, D. R. (no prelo). Fundamentos empíricos da análise aplicada do comportamento para o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Perspectivas em Análise do Comportamento.
Leonardi, J. L., Borges, N. B., & Cassas, F. A. (2012). Avaliação funcional como ferramenta norteadora da prática clínica. Em N. B. Borges & F. A. Cassas (Orgs.), Clínica analítico-comportamental: Aspectos teóricos e práticos (pp. 105-109). Porto Alegre: Artmed.
Leonardi, J. L., Rubano, D. R., & Assis, F. R. P. (2010). Subsídios da análise do comportamento para avaliação de diagnóstico e tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) no âmbito escolar. Em Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar (Orgs.), Medicalização de crianças e adolescentes: Conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos (pp. 111-130). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.
Zentall, S. S., & Javorsky, J. (1995). Functional and clinical assessment of ADHD: Implications of DSM-IV in the schools. Journal of Psychoeducational Assessment, ADHD Special Monograph Issue, 22-41.