Autora: Desirée Cassado
Contato: desicassado@yahoo.com.br
Por volta do segundo ano de consultório me dei conta de que o que eu sabia não bastava. De que minhas análises não eram o suficiente e, principalmente, de que as palavras que eu conhecia não alcançavam a profundidade do sofrimento da pessoa sentada a minha frente.
Depois de feitas as análises funcionais, eu me questionava sobre o que fazer com as emoções e, sobretudo, em como utilizá-las em direção aos objetivos terapêuticos. Eu, como muitos colegas analistas do comportamento, nunca acreditei que a redução de sintomas emocionais deveria ser o foco principal da terapia. Mas confesso que me perdia em meio às emoções, sensações e significados que preenchiam aqueles 50 minutos. E o que parecia claro e óbvio para mim, se desconstruía nos conteúdos das falas e na intensidade do sofrimento do outro.
Assim, as perguntas acumulavam-se: como romper com o comportamento verbal, as vezes tão distante das contingências? Como alterar a função de um evento privado aversivo, a ponto dele tornar-se uma resposta emocional que sinalize que o reforço maior esta a caminho?
Como dar um significado maior à terapia e à vida em si para que se possa abrir espaço para o mosaico de experiências que significa viver?
Foi então que encontrei alguns textos do Steven Hayes, que foram seguidos de muitos outros, de muitos outros autores. Com certo ceticismo, levei alguns conceitos para o consultório e deixei que a experiência conduzisse minha curiosidade.
Estudar a ACT tem sido uma jornada interessante. É uma abordagem nova e em construção, e isso é interessante. Não há estudos que indiquem que a ACT seja hierarquicamente superior a nenhuma outra abordagem comportamental e não creio que este seja objetivo da comunidade acadêmica da área. Mas foi a abordagem com a qual me identifiquei e tenho prazer em apresentar para vocês nesta coluna.
A Terapia de Aceitação e Compromisso (dito em inglês, ACT) é uma das terapias mais representativas da chamada Terceira Onda das Terapias Comportamentais (ver Hayes, 2006 para saber mais sobre as três ondas; e ver Vandenberghe, 2011, para saber sobre o contexto no qual se desenvolveram as terapias comportamentais no Brasil).
As terapias de terceira onda caracterizam-se por serem particularmente sensíveis ao contexto e às funções dos fenômenos psicológicos e não apenas a sua forma ou conteúdo. Os tratamentos tendem a buscar a construção de um repertório amplo, flexível e eficaz.
Assim, as terapias não são dirigidas especificamente para a redução de sintomas ou para o tratamento e psicopatologias específicas. Caracterizam-se pela inserção contextual e sócio verbal dos problemas e a análise funcional dos eventos privados, destacando o papel do comportamento verbal na origem do sofrimento humano (Conte, 2010; Vandenberghe, 2011; Perez-Alvarez, 2006).
As terapias de terceira geração mais relevantes neste cenário são a Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg & Tsai, 1991), a Terapia Comportamental Dialética (Linehan et al., 1999) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Strosahl & Wilson, 2011).
A ACT, surge de um enquadramento filosófico chamado Contextualismo Funcional (Hayes, Hayes & Reese, 1988). Tal abordagem filosófica caracteriza-se por ser monista, não mentalista, funcional, não reducionista, ideográfica e por dividir com o Interbehaviorismo de Kantor e com o Behaviorismo Radical as mesmas influências filosófica (Luciano, Valdívia, Gutierrez, Páez-Blarrina, 2006; Twohig, 2012.; Dougher & Hayes, 2000).
A unidade de análise do Contextualismo Funcional é o organismo como um todo comportando-se de acordo com elementos históricos e contextuais – pensamentos, sentimentos e ações – desenvolvendo-se ao longo do tempo e emergindo em um contexto específico em conformidade com uma história individual e com uma função atribuída na regulação do comportamento (Dougher & Hayes, 2000, Luciano, Valdivia, Gutiérrez, & Páez-Blarrina., 2006).
Os estudiosos da ACT rejeitam a ideia de que os pensamentos e sentimentos causam ações porque os eventos privados estão inseridos num contexto, e até que este contexto seja especificado, o objetivo de predizer e influenciar o comportamento não pode ser alcançado. Uma vez que o contexto é especificado, o próprio fato de que estes eventos privados tem significados específicos dentro de determinados contextos, demonstra que os mesmos são variáveis dependentes (tal como as ações). Assim, os eventos privados são respostas à eventos ambientais e não possuem uma relação causal independente. As tais causas mentais do comportamento são admitidas como inerentemente incompletas até que as variáveis contextuais sejam especificadas.
O interesse é dirigido ao contexto histórico situacional que origina os eventos privados e a forma como pensamentos, sentimentos e ações relacionam-se entre si (Hayes et al., 2011).
Assim, um evento ambiental pode evocar um determinado evento privado e este, por sua vez, pode influenciar uma determinada ação, mas a causa do comportamento ainda está no ambiente.
Exatamente por este motivo, pensamentos e sentimentos são elaborados através de técnicas de atenção plena (Mindfulness) e aceitação, ao invés da reestruturação cognitiva e equivalentes. Afinal, por não assumir que os eventos privados são causa do comportamento, o foco não está em mudar tais eventos, mas sim em mudar a relação do indivíduo com seu mundo privado. Para isso, lhe é ensinado a responder ao eventos externos (como fazer as coisas que lhe importam), enquanto cadeias de respostas privadas se sucedem (sejam elas aversivos ou não). O objetivo final é tornar o individuo menos sensível a tais eventos privados e mais sensível às reais contingências em vigor (Twohig, 2012).
O sofrimento, segundo a ACT, é fruto da linguagem e a mesma é compreendida com base nos estudos baseados na Teoria dos Quadros Relacionais, que será abordado no próximo artigo.
Referências Bibliográficas
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