Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): uma explicação analítico-comportamental

Por: Nara Raquel Alves Bezerra 
Natalie Brito Araripe

Olá pessoal! Nessa publicação, darei uma pequena pausa em meus textos sobre análise do comportamento e infância para falar de um tema muito solicitado pelos nossos leitores: psicopatologia. Para tanto, trago aqui um texto desenhado por mim e por minha ex-aluna da Leão Sampaio e atual psicóloga, Nara Raquel Alves Bezerra. Fizemos uma caracterização do transtorno do estresse pós-traumático sob o enfoque da análise do comportamento.

Em uma breve revisão bibliográfica que realizamos sobre análise do comportamento e TEPT encontramos um pequeno número publicações nacionais sobre o assunto. Dentre as pesquisas realizadas na última década sobre esse transtorno, foram encontrados 20 artigos completos[1], apenas 1 livro que trata do TEPT do ponto de vista nosológico e etiológico, e diversos trabalhos sobre perspectivas de atuação e tratamento. Dentre esses, somente 2 preencheram os critérios de inclusão no quesito “Análise do Comportamento e TEPT”. Dentre os 7 textos que discutem propostas de intervenção, 6 utilizam, enquanto modalidade terapêutica, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e apenas 1, a Psicanálise.
De acordo com os analistas do comportamento, existe uma discordância quanto ao uso de manuais para diagnóstico das psicopatologias, a começar pelo título do DSM IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2000/2002), que induz a um ponto de vista mentalista. E este modelo médico enfatiza a topografia dos comportamentos e tende a ignorar uma explicação funcional. A Análise do Comportamento visa a uma abordagem funcional do comportamento dito psicopatológico, onde se investiga o que pode ter provocado e o que o mantém (BANACO; ZAMIGNANI; MEYER, 2010).
Um exemplo pode ilustrar essa compreensão funcional proposta pela AC. Suponha-se que um indivíduo, o senhor “X”, estava no Japão no momento do terremoto do dia 11 de março de 2011. Para esse indivíduo, a situação gerou reações fisiológicas de estresse (respondentes), pois além de sua magnitude ter sido de 8,9 pontos, o terremoto produziu um tsunami. Essa ocasião pode ser considerada capaz de contribuir para que uma pessoa desenvolva o TEPT. Após o acontecimento, comportamentos como lembrar o momento em que tudo aconteceu ou observar o pedido de socorro de alguém podem tornar-se estímulos eliciadores de repostas emocionais de medo e também estímulos discriminativos para a emissão de comportamentos de evitação.
A partir dos critérios diagnósticos do TEPT, tais como a evitação e o medo, a proposta deste trabalho é de uma explicação funcional de comportamentos que ocorrem após um trauma, ainda que descritos como psicopatológicos, a partir da utilização dos conceitos de: estímulo incondicionado, estímulo condicionado, emparelhamento, estímulo discriminativo, generalização, controle aversivo composto pelo reforço negativo, punição, auto-regra e comportamento supersticioso.
O transtorno de estresse pós-traumático pode ser compreendido e analisado por meio de interações operante-respondentes. No paradigma respondente, um estímulo incondicionado (situações próximas da morte) gera uma resposta incondicionada (respostas emocionais de dor, medo, ansiedade, tristeza). Estímulos que eram neutros (terremoto, tsunami) são emparelhados ao estímulo incondicionado, gerando estímulos condicionados, que eliciam respostas condicionadas, de medo de terremoto, por exemplo. Então esta resposta condicionada, não sendo extinta, permanece mesmo que haja um novo pareamento (CALAIS, 2003; KNAPP; CAMINHA, 2003).
Desse modo, um som ou imagem pode ser considerado estímulo eliciador para o indivíduo, emitindo, assim, uma resposta imediata de acordo com o modelo pavloviano (S-R). Além disso, ao deparar-se com o estímulo eliciador, o organismo poderá emitir comportamentos de evitação, caracterizando uma contingência operante, na qual, o estímulo que elicia os respondentes passa a ter uma função discriminativa (Sd) para uma resposta de evitação. Dessa forma, diminui a chance de extinção dos estímulos associados e se perpetuam os sintomas do TEPT (MENDES, 2006).
No TEPT, há a possibilidade do indivíduo generalizar o estímulo eliciador. E, a todo o momento em que esses estímulos estiverem presentes, poderão eliciar respostas emocionais no indivíduo, além de adquirirem, muitas vezes, a função de estímulo discriminativo (Sd) para o comportamento de fuga ou esquiva. Desse modo, temos uma constante interação de contingências respondentes e operantes eliciando e produzindo, respectivamente, os sintomas do TEPT. A generalização respondente estaria diretamente associada ao TEPT, pois as pessoas acometidas geralmente emitem respostas emocionais eliciadas por estímulos com propriedades semelhantes ao estímulo condicionado do trauma. (HERNÁNDEZ, 2005).
Imaginemos aquele exemplo anteriormente citado do senhor X. O indivíduo que já passou pelo evento traumático e desenvolveu o TEPT pode voltar a comportar-se conforme o momento traumatizante. Ao assistir na televisão a uma cena com cidades litorâneas e o barulho de grandes ondas, ou ao ouvir o acionamento dos alarmes de alerta para a possibilidade de um tsunami ou terremoto, entre outros fatores desencadeantes, o sujeito pode experimentar novamente a situação estressora, fazendo com que tais estímulos sejam discriminativos para o comportamento de evitar assistir à televisão, como meio de não entrar em contato com o estímulo aversivo. Essa situação de evitação denomina-se contingência de reforçamento negativo que, segundo Catania (1998), remove ou previne, através da fuga ou esquiva, dado estímulo aversivo.
Conforme os estudos realizados sobre TEPT, o indivíduo com o transtorno responde ao meio através do controle aversivo: reforço negativo e punição. Ou seja, quando um estímulo aversivo tem a possibilidade de surgir diante do indivíduo, há alta probabilidade de ele se esquivar, evitando entrar em contato com situações que o façam relembrar ou reviver o evento traumático (CÂMARA FILHO; SOUGEY, 2001; HERNÁNDEZ, 2005). A punição também estaria atrelada a este contexto, pois quando o indivíduo entra em contato com o estímulo aversivo e não consegue emitir esquiva ou fuga, a apresentação do estímulo aversivo ou retirada de algo reforçador positivamente pode ocasionar a punição imediata. Desse modo, o indivíduo poderia evitar entrar em contato sempre que houvesse a possibilidade de seus comportamentos serem punidos (CATANIA, 1999). Para Sidman (2009), a punição seria entendida como o oposto do reforço. Nela, há a retirada de um estímulo reforçador positivamente e também a diminuição da produção de reforçadores negativos.
Segundo Catania (1999, p.117), “se a apresentação de um estímulo aversivo pune uma resposta, remover ou prevenir tal estímulo deve reforçar sua resposta”. Ou seja, uma pessoa com TEPT busca diversas formas de evitar entrar em contato com o estimulo aversivo e, assim, suas evitações permitem a retirada da estimulação aversiva, portanto, o reforçamento negativo.
Assim, algumas pessoas que passaram por essas situações traumáticas podem elaborar auto-regras que possuem cunho evitativo e funcionam como sinalizadoras das contingências (MEYER, 2003). Por exemplo, o senhor X poderia criar a auto-regra de evitar ir a cidades que tenham mar, por temer que possa acontecer um terremoto seguido de tsunami. Para o indivíduo, essa auto-regra é reforçada negativamente e pode criar contingências de comportamento supersticioso, pois ele evita entrar em contato com as situações e estímulos aversivos e atribui a causa disso ao fato de sua regra ter sido “bem sucedida”. Entende-se como comportamento supersticioso aquele que se instala em decorrência de uma “conexão acidental existente entre a resposta e a apresentação de um reforçador” (SKINNER, 2003, p.94). 
Ao compreender o TEPT a partir do controle aversivo, da interação operante-respondente e da formulação de regras supersticiosas, pode-se esboçar uma forma de lidar com essa problemática a partir do processo psicoterapêutico proposto por Skinner (2003). Para o autor, a psicoterapia deve criar uma audiência não punitiva. Dessa forma, o indivíduo que passou por estresse pós-traumático pode ter acesso a novas contingências de reforços positivos, que seriam passíveis de promover a mudança comportamental positiva e em longo prazo.
Baseando-se em múltiplas análises funcionais do caso, o psicoterapeuta de base analítico-comportamental pode utilizar, no tratamento de uma pessoa que sofra de TEPT, a dessensibilização sistemática, técnica utilizada para queixas relacionadas ao condicionamento respondente (ZAMIGNANI, 2004). Esta técnica pode ser desenvolvida a partir da imaginação ou em exposição ao vivo e é composta por quatro fases: treino de relaxamento, elaboração de uma escala hierárquica de ansiedade, planejamento de exposição gradual ao estímulo aversivo e pareamento entre os eventos aversivos e relaxamento (ZAMIGNANI, 2004). Além disso, pode-se trabalhar com modelagem e reforçamento diferencial de repertórios de enfrentamento da situação aversiva e com a constante discriminação das contingências e das auto-regras ligadas aos comportamentos de evitação.  
Diante do exposto, o profissional da Análise do Comportamento poderá, através da aplicação de sua teoria, técnicas e visão de mundo, proporcionar ao paciente um maior conhecimento sobre suas contingências, na busca de reforçadores positivos e enfrentamento das situações aversivas, promovendo seu bem-estar. Ao adquirir uma compreensão funcional dos seus sintomas, o paciente poderá acessar novas possibilidades de agir diante do mundo, saindo de uma visão tradicional e dominante de psicopatologia.

[1] Artigos sobre TEPT localizados no Scielo, Google acadêmico e BVS PSI. Utilizou-se também a sigla internacional – PTSD.

*Obs.: Agradecemos as colaborações realizadas pelo revisor especializado do comportese.com que apreciou o texto!

REFERÊNCIAS

BANACO, R. A.; ZAMIGNANI, D. R.; MEYER, S. B. Função do comportamento e do DSM: terapeutas analítico-comportamentais discutem psicopatologia. In: TOURINHO, E. Z.; de LUNA; S. V.; Análise do Comportamento: investigações históricas, conceituais e aplicadas. São Paulo: Roca, 2010, p. 174-191.

CALAIS, S. L. [et al]. O sono no stress pós-traumático. In: BRANDÃO, M. Z. [et al.]. Sobre Comportamento e Cognição: contribuições para construção da teoria do comportamento. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, v. 12, 2003, p. 87-91.

HERNÁNDEZ, L.; Psicopatologia e tratamento do transtorno de estresse pós-traumático. In: CABALLO, V. E.; SIMÓN, M. A.; Manual de psicologia clinica infantil e do adolescente: transtornos gerais. Tradução de Sandra Dolinsky. São Paulo: Santos Editora, 2005, p.121- 136.

KNAPP, P.; CAMINHA, R. M. Terapia cognitiva do transtorno de estresse pós-traumático. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2003; vol. 25 (Suplemento I) p. 31-36.

MENDES, D. D. Terapia Cognitivo-Comportamental do TEPT. In: MELLO, M. J. de [et al]. Transtorno de Estresse Pós-traumático: diagnóstico e tratamento. Barueri, SP: Manole, 2006, p. 60-67.

CÂMARA FILHO, J. W. S.; SOUGEY, E. B. Transtorno de estresse pós-traumático: formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2001; vol.23(4) p. 221-228.

CATANIA, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição; Tradução de Deyse das Graças de Souza [et al.] 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.

MEYER, S. Análise Funcional do Comportamento. In: COSTA, C. E.; LUZIA, J. C.; SANT´ANNA, H. H. N. (orgs.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição, 1 ed., Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2003, p. 75-91.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações; Tradução de Maria Amália Andery, Tereza Maria Sério; [S.I.]: Livro Pleno: 1989.

SKINNER, B. F.; Ciência e Comportamento Humano, (1953). Tradução de Todorov, J. C.; Azzi, R. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ZAMIGNANI, D. R. Dessensibilização sistemática ao vivo. In: ABREU, C. N. de; GUILHARDI, H. J. (org.). Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas Clínicas. São Paulo: Roca, 2004, p. 169-176.

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Escrito por Natalie Brito

Mora em natal - RN e é Psicóloga no Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em psicologia pela UFC. Ministrou disciplinas de Análise do Comportamento na Faculdade Leão Sampaio durante 3 anos. Escreve sobre psicologia escolar e desenvolvimento humano.

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