Metacontingência: necessária ou não?
“Aplicar nossa análise aos fenômenos do grupo é um modo excelente de testar sua adequação, e se formos capazes de explicar o comportamento de pessoas em grupos sem usar nenhum termo novo ou sem pressupor nenhum novo processo ou princípio, teremos demonstrado uma promissora simplicidade nos dados”.
B. F. Skinner (1953/2003, p.326)
Diante desta citação do livro Ciência e Comportamento Humano, falar em metacontingências – conceito cunhado por Sigrid Glenn (1986) para tratar do estudo da cultura – pode parecer um retrocesso. Sua necessidade ou relevância ainda são explícitas para alguns analistas do comportamento, embora estudos venham sendo exaustivamente realizados, mostrando a metacontingência como “um conceito que auxilia na visibilidade acerca da seleção de práticas culturais” (Gusso & Kubo, 2007, p. 141).
Em primeiro lugar, metacontingências não tornam um novo campo de análise possível (Carrara apud Gusso & Kubo, 2007), pois a análise da cultura já era contemplada através das contingências de reforçamento, não sendo novidade na Análise do Comportamento (Gusso & Kubo, 2007). Além disso, “o estudo e debate sobre esse conceito não diminuíram a relevância das noções de ‘comportamento’ e de ‘contingência de reforçamento’, e qualquer análise cultural dependerá dessas noções básicas da Análise do Comportamento para se concretizar” (Gusso & Kubo, 2007, p. 143). De acordo com Carrara (apud Gusso & Kubo, 2007), talvez o conceito de metacontingências possa aperfeiçoar as análises e sínteses culturais. Nesse sentido, deve-se questionar: “a noção de metacontingência torna mais eficiente a análise de fenômenos culturais?” (Gusso & Kubo, 2007, p. 142-143); ou seja, ela realmente torna os analistas do comportamento capazes de intervir em uma prática cultural, planejá-la e modificá-la?
O conceito descreve relações funcionais que envolvem certas contingências entre duas pessoas ou mais (contingências comportamentais entrelaçadas ou CCEs) e seus produtos. As CCEs não são continências comportamentais alargadas ou a mera soma de comportamentos individuais, pois podem permitir resultados que não seriam obtidos por cada indivíduo isoladamente. Além do mais, vale ressaltar o duplo papel dos que participam de uma CCE, o de emissão de uma resposta e o de ambiente para a ação de outro Aqui entramos na definição de prática cultural (PC), que envolve relações comportamentais que fazem parte do repertório de uma pessoa e são replicadas no repertório de outrem da mesma geração e entre sucessivas gerações de indivíduos (Glenn; Glenn & Malagodi apud Andery et al, 2005). Tais relações comportamentais replicadas podem ser entrelaçadas ou não, em outras palavras, pode se tratar de várias pessoas se comportando de maneira similar, não havendo necessariamente um entrelaçamento entre suas respostas.
Um exemplo de PC dado por Glenn (2004) é o de um restaurante e seus componentes (proprietários, garçons e outros funcionários). Cada um exerce suas próprias funções, desde cozinhar, servir clientes e gerenciar o fluxo de caixa (vários indivíduos se comportando, cada qual com suas conseqüências imediatas), constituindo uma CCE. Porém, cada operante que compõe a prática não conseguiria o resultado do entrelaçamento dos comportamentos, que é a comida servida rapidamente para os clientes, como também a própria ida dos clientes ao local.
A partir destas considerações, pode-se olhar para o comportamento de cada indivíduo de duas maneiras: provendo conseqüências para o comportamento do outro (mantendo o comportamento individual – relação de contingência) e, por outro lado, produzindo um produto conjunto (PA) resultado do entrelaçamento dos comportamentos (entrando no campo das contingências culturais/metacontingências). Logo, o estudo da unidade cultural não entraria em choque com a já conhecida contingência de reforçamento, mas surgiria a partir dela. (Assim, para se entender esta unidade pode-se recorrer ao sufixo “meta”, que demonstra uma relação hierárquica, pois metacontingências emergem na evolução cultural constituindo-se a partir de continências comportamentais (Glenn apud Andery& Sério, 2005) – não é possível deixar de lado a noção de comportamento já amplamente aceita. Porém, esta noção não têm se mostrado suficiente nas questões relativas à cultura (Andery & Sério, 2005) e a metacontinência vem se mostrando como candidata em potencial para completar esta lacuna.
Por fim, vale ressaltar a fundamental importância dos estudos experimentais de metacontingências, pois o conceito só poderá ser acuradamente utilizado em possíveis intervenções culturais como ferramenta do analista do comportamento se for adequadamente estudado.
Referências:
Andery, M. A. P. A & Sério, T. M. A. P. (2005). O conceito de metacontingências: afinal, a velha contingência de reforçamento é insuficiente? Em Todorov, J. C.; Martone, R. C.; Moreira, M. B. (pp. 149-159). Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André: Esetec.
Andery, M. A. P. A., Micheletto, N. & Sério, T. M. A. P. (2005). A análise de fenômenos sociais: esboçando uma proposta para a identificação de contingências entrelaçadas e metacontingências. Em Todorov, J. C.; Martone, R. C.; Moreira, M. B. (pp. 129-147). Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André: Esetec.
Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture and social change. The Behavior Analyst, 27(2), 133-151.
Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavioral Analysis and social action, 5, 2-8.
Gusso, H. L. & Kubo, O. M. (2007). O conceito de cultura: Afinal, a “jovem” metacontingência é necessária? Em: Revista Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, 9, 139-144.
Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. 11 ed. São Paulo: Martins Fontes.