O acompanhamento terapêutico é uma modalidade de atendimento individual, extraconsultório, geralmente realizada por estudantes ou profissionais de psicologia. Consiste em “abrir as portas” do consultório, acompanhando e intervindo nos repertórios do paciente no ambiente onde as contingências naturais que instalam e mantêm o comportamento operam. Tal prática tem suas raízes na Argentina, no final da década de 60, com o movimento antimanicomial, quando os pacientes passaram, progressivamente, a ser acompanhados fora do hospital, em ambientes como comunidades terapêuticas, ou em suas casas (GUERRELHAS, 2007).
No Brasil, tal prática surgiu na década de 70, com o auge da modificação do comportamento, e foi mudando o foco, na medida em que a intervenção comportamental passava a ser voltada para o autoconhecimento, análise funcional e relação terapêutica. Para Guerrelhas (2007), no atual contexto da terapia analítico-comportamental, o modelo clínico pode não ser suficiente para atender a todas as demandas psicológicas e, partindo deste pressuposto, o acompanhamento terapêutico aparece como uma alternativa para esse problema.
Como objeto de pesquisas e de trabalhos na área analítico comportamental, o acompanhamento terapêutico é relativamente recente, surgindo no final da década de 90 e predominantemente voltado para pacientes portadores de transtornos psiquiátricos graves (GUERRELHAS, 2007). Ao longo da última década, no entanto, os trabalhos na área parecem ter se multiplicado e há um livro em particular que gostaria de destacar. A clínica de Portas Abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório, organizado por Zamignani, Kovac e Vermes, em 2007. O livro fala sobre o histórico e a aplicação do acompanhante terapêutico em diversos casos, que vão desde sua atuação em equipes multidisciplinares até o trabalho com comportamentos pró-estudo.
Apesar do avanço, ainda não encontramos publicação sobre a prática do acompanhante terapêutico no ambiente escolar com um enfoque analítico-comportamental. Infelizmente, não tenho dados que demonstrem a quantidade de acompanhantes terapêuticos que trabalham em escola, mas basta frequentarmos algumas escolas para encontrar pelo menos um acompanhante terapêutico atuando na sala de aula, ajudando o processo de inclusão escolar de uma criança com dificuldades. O mais comum é o acompanhamento de crianças com Transtornos Globais de Desenvolvimento.
Uma prova disso é a seguinte: digite “acompanhamento terapêutico” + “escola” no google acadêmico e você certamente encontrará inúmeros artigos que falam sobre essa prática. A maioria, de ênfase psicanalítica, questionando ou corroborando a função inclusiva desse agente. Não colocarei em foco a discussão exclusão/inclusão nesse primeiro post: pretendo começar trazendo um pouco de minha experiência na área, e a articulando com as idéias de Skinner. Em outro post, pretendo realizar uma reflexão sobre o papel inclusivo desse agente.
A escola, para Skinner (1953), é uma agência de controle do comportamento humano. Não devemos entender esse conceito de controle a partir do senso comum. As agências de controle são formas organizadas de operar variáveis que controlam um grupo. Além disso, para que a escola seja uma instituição organizada e siga o princípio do reforçamento positivo na educação, é necessário o uso de avaliações e acompanhamentos individuais dos alunos (vide o programa de ensino individualizado, proposto por Keller e cols. em 1968). Encontramos aqui o primeiro ponto para discussão do acompanhamento terapêutico no ambiente escolar: uma avaliação individualizada.
Tendo deixado claro como me aproximo dos conceitos de acompanhamento terapêutico e de escola, inicio meu relato de experiência. É importante ressaltar que a maioria das crianças que acompanhei tinha como queixa principal a dificuldade de interação com os pares escolares, independente de seu diagnóstico. Com base nas referências em intervenção comportamental, busquei primeiramente realizar a linha de base dos comportamentos das crianças que acompanhei. A fase de linha de base consiste em descrever as relações funcionais do comportamento antes de qualquer intervenção (MARTIN; PEAR, 2009). Para tanto, foi imprescindível a realização de análises funcionais dos comportamentos da criança no ambiente escolar, ou seja, investigar as relações funcionais entre seus comportamentos e as variáveis que os instalaram ou os mantêm.
De posse da avaliação inicial, realizei o planejamento de algumas intervenções e apresentei para os pais da criança e para os educadores da escola. A maioria das intervenções eram voltadas para o fortalecimento de comportamentos de interação da criança com outras crianças e com os educadores no ambiente escolar. Sendo assim, meu papel era de mediadora das relações escolares da criança. Ou seja, eu criava ocasiões para que o comportamento de interação social da criança dentro da escola fosse fortalecido.
Essas intervenções não eram feitas apenas com a criança. Ou seja, eu não ficava isolada com a mesma na sala de aula. Realizava também intervenções com os educadores e com outras crianças. Por exemplo, no caso de uma criança que tinha dificuldade de participar da “roda de histórias”, eu, enquanto acompanhante terapêutica, pedi para que a professora contasse, um dia, a história predileta da criança. A professora começou a contar a história, o que selecionou o comportamento da criança ficar sentada até o final. No outro dia, a professora contou outra história, mas com elementos da história que a criança gostava. Gradualmente, a professora foi retirando (esvanecendo) os elementos da história e a criança passou a participar da roda.
Assim, o comportamento de participar da roda começou a ser fortalecido. Observe que tal intervenção envolveu também o planejamento na sala de aula. Dessa forma, eu ensinava a professora a planejar contingências, mas não a substituía, uma vez que a função do acompanhante terapêutico é a de promover a autonomia da criança acompanhada no ambiente escolar e não a dependência. Veja que uma boa relação com os educadores da escola deve ser essencial para o trabalho do A.T. Uma regra que eu costumava falar para os educadores era: “não estou aqui para te substituir. Nem para construir hierarquias com você. Estou aqui para tentar te ajudar no processo de inclusão do aluno. Dessa forma, trabalharemos em conjunto”.
E as outras crianças? O que pensavam do acompanhante terapêutico? Quais as maiores dificuldades enfrentadas? A “inclusão” era realmente realizada? Penso que quem leu esse post, ficou com essas perguntas na cabeça e outras mais. Tentarei respondê-las, incluindo as perguntas que vocês fizerem aqui, nos próximos posts. Gostaria muito da participação de vocês!
Referências
Guerrelhas, F. (2007) Quem é o acompanhante terapêutico: história e caracterização. Em: Zamignani DR, Kovac R, Vermes JS. A clínica de portas abertas. Santo André: ESETec.
Keller, F. S. (1968). “Good-bye teacher . . .” Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 79-89.
Martin, G., & Pear, J. (2009). Modificação de comportamento: o que é e como fazer. Tradução organizada por N. C. Aguirre. 8ª Edição. São Paulo: Roca. (Trabalho original publicado em 2007).
Skinner, B. F. (2007). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J. C. Todorov & R. Azzi. 11ª Edição. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).
Zamignani DR, Kovac R, Vermes JS (2007). A clínica de portas abertas. Santo André: ESETec.