Metacontingências em campo!

Olá! Esse post é de apresentação, tanto de mim como de um conceito que começará a ser tratado aqui no site: o de metacontingências! Começando por mim, sou Elayne, nova editora do Comporte-se e tenho muito interesse pelas áreas de práticas culturais e análise do comportamento, me propondo a escrever sobre o tema que vem sendo objeto de estudo de trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, além de ser alvo de grandes debates na Análise do Comportamento (inclusive, registro aqui meu orgulho pelos trabalhos que fui membro da banca recentemente na Faculdade Leão Sampaio e versaram sobre o assunto).

A ideia do post surgiu de um  jogo de futebol assistido hoje pela manhã pelo meu marido: o jogo do Santos com o Barcelona. Vi alguns momentos do jogo e percebi o grande entrosamento tão comentado entre os jogadores do time do Barcelona. Não sou uma exímia entendedora de futebol, comecei a assistir mais e a me interessar pelos jogos há algum tempo atrás, tendo a ideia de relacionar o time do Barcelona ao conceito de metacontingências para iniciar os posts do tema com um exemplo atual!

“Prática cultural” é um termo que já foi tratado amplamente por Skinner, principalmente no livro Ciência e Comportamento Humano, em que dedica uma seção acerca do comportamento em grupo e escreve sobre controle cultural, governo, leis, família e outros temas relacionados à cultura de uma maneira geral. Skinner (1953, 1981, 1987) deixa claro a importância de uma análise da cultura, fenômenos e problemas sociais pela Análise do Comportamento, manifestando seu interesse em que outros analistas do comportamento se dedicassem a seu estudo. Em 1953, o autor, com relação ao tema da cultura e a análise do comportamento, afirma
“Aplicar nossa análise aos fenômenos é um modo excelente de testar sua adequação, e se formos capazes de explicarmos o comportamento de pessoas em grupos sem usar nenhum termo novo ou sem pressupor nenhum novo processo ou princípio, teremos demonstrado uma promissora simplicidade nos dados” (p. 326).
Em 1987, Skinner, em um artigo intitulado “Por que não estamos fazendo nada para salvar o mundo”, disserta sobre as origens dos problemas sociais e afirma que as pessoas procuram as causas dos problemas olhando para seus antecedentes, ao invés de olhar para as consequências produzidas pelas suas ações, ou ainda, substituem as ações das pessoas por explicações mentalistas como “isso é falta de responsabilidade” ou “não estamos usando nossa inteligência”. Para ele, práticas culturais desastrosas para a humanidade seriam frutos de ações de vários organismos conjuntamente com consequências trágicas a longo prazo, entretanto, mantidas por consequências a curto prazo para o comportamento individual.
Apesar dos estudos de Skinner acerca de problemas sociais e do seu pedido para que outros analistas do comportamento o fizessem, foi somente com a criação do termo metacontingências que o tema ganhou destaque nas publicações da Análise do Comportamento, sendo inclusive desenvolvido análogos experimentais para seu estudo. (Bullerjan, 2009; Costa, 2009; Nogueira, 2009; Amorim, 2010; Brocal, 2010; Gadelha, 2010; Vieira, 2010; Nogueira, 2010). O termo metacontingências foi primeiramente escrito em 1986, por Glenn, no famoso artigo metancontingências em Walden II, em que a autora faz uma análise cultural da novela utópica de Skinner. Para Glenn, uma metacontingência seria
“a unidade de análise que descreve a relação funcional entre uma classe de operantes, cada operante possuindo sua própria conseqüência imediata e única, e uma conseqüência a longo prazo comum a todos os operantes que pertencem à metacontingência. Metacontingências devem ser mediadas por contingências de reforçamento socialmente organizadas” (GLENN, 1986, p. 14).
O conceito, entretanto, passou por diversas modificações ao longo dos anos, estando hoje configurado com três termos bem descritos: contingências comportamentais entrelaçadas, as CCEs; o produto agregado, produzido pelo entrelaçamento das CCEs; e a consequência cultural, descrita por Glenn (2006) como a selecionadora das CCEs e do produto agregado. As contingências comportamentais entrelaçadas são caracterizadas pelo duplo papel que o elemento de uma contingência pode desempenhar, assim CCEs são caracterizadas quando o comportamento de uma contingência tem função de antecedente ou consequência para outra contingência, desempenhando um duplo papel. Glenn (Comunicação Pessoal, 07/06/2008) caracterizou ainda o termo culturante, fazendo um análogo ao termo operante, que seria formado pelo conjunto entre as contingências comportamentais entrelaçadas e o produto agregado. Assim, hoje, o termo metacontingência teria os seguintes elementos:

Fonte: Nogueira, 2010

Definido o termo, vamos agora ao exemplo do Barcelona, para facilitar a compreensão. Durante o jogo, pensei na trajetória recente do Barcelona, considerado hoje por comentaristas especializados em futebol o melhor clube do planeta, como uma metacontingência. Para formação do exemplo, vamos aos termos: as contingências comportamentais entrelaçadas poderiam ser pensadas como o comentado toque de bola dos jogadores do Barcelona. No jogos, é possível perceber que a quantidade de passes entre os jogadores é muito grande, além de ser considerado o grande trunfo do time. A posse de bola é sempre um marco nos jogos, chegando a atingir 75% no jogo de hoje pela manhã, contra o Santos. Apesar da equipe ter o considerado melhor atacante do mundo, o Messi, comentaristas do esporte espetacular afirmam que a principal estrela do time é a dinâmica entre os jogadores dentro de campo. (vídeo-reportagem – esporte espetacular, 18/12/11). O comportamento de tocar a bola de um jogador funciona como contexto para outro jogador receber a bola e tocar para o companheiro, sendo esses comportamentos reproduzidos até a finalização da jogada. Os gols e elogios do técnico e da torcida acerca do toque de bola seriam os reforçadores para o comportamento individual dos jogadores e o entrelaçamento está no duplo papel dos comportamentos nas contingências de toque de bola. Além disso, há o comportamento da equipe técnica que também pode ser entendido como contexto para o comportamento dos jogadores em campo.

O produto agregado seriam as vitórias produzidas pelo entrelaçamento do comportamento dos jogadores, além dos títulos mundiais alcançados pela equipe, como por exemplo, campeão da Liga dos Campões e campeão do mundial de clubes na vitória contra o Santos. No site do próprio Barcelona, encontram-se ainda dados como a conquista de 13 títulos em 3 anos e meio. De acordo com reportagem-vídeo do Esporte Espetacular (vista em 18/12/11) foram 60 jogos em 2011, com 43 vitórias, 12 empates e apenas 5 derrotas. O culturante, formado pelas CCEs (toque de bola entre os jogadores) e o produto agregado, gol e vitórias, pode ser muito bem representado pela fala do jornalista na reportagem do Esporte Espetacular (18/12/11) acerca de um dos gols no jogo da estreia da Liga dos Campeões: “4 jogadores, 9 toques de bola e um gol”, mostrando como iria ganhar o título desse campeonato.
Já a consequência cultural, que seleciona o entrelaçamento e o produto agregado, seria a repercussão desses títulos no futebol mundial, na torcida e na equipe técnica, ou seja, a aprovação desse modo de jogar futebol pela comunidade nacional e internacional. Como exemplo dessa aprovação, é possível citar comentários de Neymar, tido como principal revelação do futebol brasileiro, ao dizer que o jogo de hoje foi uma aula de como jogar futebol. Muricy Ramalho, técnico do Santos, afirmou que apesar da estratégia utilizada pela equipe do Barcelona ser criticada por alguns brasileiros, é uma característica que pode vir a ser adotada por clubes do Brasil, uma vez que vem mostrando ser capaz de atingir grandes vitórias. (comunicação pessoal, 18/12/11)
Referências Bibliográficas

Amorim, C. V. (2010). Análogos experimentais de metacontingências: efeitos da intermitência da conseqüência cultural. Dissertação de Mestrado, PUC – SP, São Paulo.
Costa, D. C. (2009). Dilema do Prisioneiro: efeito das consequências individuais e culturais sobre as escolhas de cooperação e competição. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Brasília.
Brocal, A. L. (2010). Análogos experimentais de metacontingências: o efeito da retirada da conseqüência individual. Dissertação de mestrado, PUC – SP, São Paulo.
Bullerjhann, P. B. (2009). Análogos experimentais de evolução cultural: o efeito das consequências culturais. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, São Paulo.
Caldas, R. A. (2009). Análogos experimentais de seleção e extinção de metacontingências.Dissertação de Mestrado. PUC-SP, São Paulo.
Esporte Espetacular – http://globoesporte.globo.com/programas/esporte-espetacular/ (acessado em 18/12/11)
Gadelha, T. C. (2010). Evolução cultural em análogos experimentais de metacontingências: seleção de diferentes produtos agregados. Dissertação de Mestrado, PUC – SP , São Paulo
Leite, F. L. (2009). Efeitos de instruções e história experimental sobre a transmissão de práticas de escolha em microculturas de laboratório. Dissertação de Mestrado. UFPA, Belém.
Nogueira C. P. V. (2009). Seleção de Diferentes Culturantes no Dilema do Prisioneiro: Efeito da Interação entre a Consequência Cultural, Escolhas Simultâneas ou Sequenciais e a Comunicação. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília.
Nogueira E.E. (2010). De Macrocontingências a Metacontingências no jogo Dilema dos Comuns. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.
Skinner, B.F. (1987). Why we are not acting to save the world. In Laboratório de Psicologia Experimental – PUC – SP (pp. 1-14).Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Vieira, C. M. (2010). Condições antecedentes participam de metacontingências? Dissertação de mestrado, PUC – SP, São Paulo.
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Escrito por Elayne Nogueira

Psicóloga clínica e professora de Análise do Comportamento. Ministra as disciplinas da área na FATECI - Faculdade de Tecnologia Intensiva - Fortaleza - CE. Atende aos públicos adulto, infantil e grupo, atuando também com Orientação de Pais. Mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília - UnB - e graduada em psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Foi fundadora da Liga do Comportamento - UFC. Escreve e pesquisa na área de práticas culturais, metacontingências, relações sociais e análise do comportamento, política e análise do comportamento e condução da clínica infantil.

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