Orientação de pais: o que é e como fazer
Esse texto foi produzido em conjunto por mim e por Elayne Esmeraldo, nova colunista do comporte-se. Seja bem vinda, Elayne!
É de conhecimento de toda a psicologia que uma das principais fontes de instalação e manutenção de comportamentos das crianças são os pais. Não raro, em visitas a escolas de crianças atendidas no processo terapêutico ouvimos “ah, ela é assim por causa dos pais”. No entanto, sabemos que o contexto familiar é não o único a oferecer contingências que controlam o comportamento da criança. A família é uma agência de controle do comportamento humano, assim como a religião, a escola ou o governo, por exemplo (SKINNER, 1953).
A orientação de familiares das crianças atendidas em processo psicoterapêutico tem sido bastante pesquisada e aplicada durante as últimas décadas. Marinho (2000), em um texto intitulado “intervenção clínica comportamental com famílias”, descreve brevemente o percurso histórico dessa prática. A autora afirma que “treinamento de pais tem sido a estratégia para o tratamento do comportamento infantil disruptivo mais extensamente avaliada e ampliada nas últimas décadas” (p.140).
O treinamento de pais surgiu na década de 1960, a partir do modelo triádico de Tharp e Wetzel, no qual terapeuta ensinava os pais a serem mediadores na redução de comportamentos-problema (MARINHO, 2000). Observe que a própria idéia de trabalhar com a redução de comportamentos-problemas seguia a onda paradigmática da época: a modificação do comportamento. Aos poucos, novas pesquisas na área foram realizadas e essa ênfase foi se modificando.
Outros autores que se destacaram na área de treinamento parental foram Patterson e colaboradores, conhecidos hoje por suas extensas publicações na área. Com uma proposta de se trabalhar com crianças e adolescentes com problemas de conduta, os pesquisadores adotaram a prática de ir à casa das crianças como prática complementar ao trabalho de orientação aos pais (MARINHO, 2000). Vemos em nossa prática que ir à casa da criança pode ser um procedimento muito rico. Afinal, podemos observar alguns comportamentos em suas contingências naturais e criar uma operação motivadora para a participação dos pais na terapia de seus filhos. Marinho (2000) aponta ainda alguns programas de orientação aos pais mais utilizados. Gostaríamos de destacá-los aqui:
· No programa desenvolvido por Patterson e cols., o terapeuta ensina os pais a discriminar os comportamentos das crianças, a reforçar adequadamente comportamentos, a usar procedimentos de disciplina, a monitorar a criança e, enfim, a aplicar técnicas de solução de problemas.
· Hanf e Kling (1973) criaram um programa no qual os pais ficam num playgroud com as crianças e o terapeuta conduz as orientações com um aparelho de escuta, observando-os através de uma espelho unidirecional. As orientações são voltadas para atenção diferencial de comportamentos das crianças e para uso de regras claras com consequências apropriadas.
· Por fim, a autora cita Webster-Stratton (1990 e 1991), os quais criaram um programa com base em vários autores da área de orientação parental e em Bandura. Neste programa, os pais assistem a pequenos filmes de interações de pais com filhos.
Para um maior aprofundamento da área, recomendamos a leitura dos textos indicados nas referências. Gostaríamos de destacar que a própria Maria Luiza Marinho é autora de pesquisas e textos na área, principalmente no que concerne a orientação de grupos de pais. Existem outros programas brasileiros voltados para a orientação de pais, cabendo destacar aqui o programa de qualidade na interação familiar, de Weber (2011), e o Treinamento de habilidades sociais educativas para pais de crianças com problemas de comportamento (2006), de Pinheiro e cols.
Além desses, numa breve busca no google acadêmico, podemos encontrar artigos de orientação de pais voltados para demandas específicas e destacando o como fazer orientação de pais de crianças com câncer, de crianças com síndrome de Down, de crianças com dificuldades escolares etc. Realmente é uma área muito promissora e que tem crescido bastante no Brasil. Pretendemos fazer mais posts falando de algumas orientações específicas. Mas, agora, vamos falar um pouco sobre como procedemos nessas orientações.
Na orientação parental, explicamos aos pais a função dos comportamentos infantis e orientamos quanto às consequências de seus comportamentos com relação à criança. A partir do que é proposto pelos autores supracitados e por nossa prática clínica, é possível encontrar três pontos chaves que merecem uma maior atenção: 1) função do comportamento infantil, 2) comportamento dos pais frente aos comportamentos da criança e 3) a orientação de pais propriamente dita.
A função do comportamento infantil pode ser encontrada por meio de uma Análise Funcional bem feita. Segundo Matos (2000), a análise funcional consiste na identificação da função por meio da descrição dos antecedentes e consequentes. Em uma terapia infantil, os antecedentes e consequentes podem ser encontrados com auxílio da fala da mãe sobre a criança na anamnese, uma vez que os pais são o principal ambiente da criança, e também nos comportamentos emitidos pela própria criança durante o atendimento clínico. É importante ressaltar o comportamento de brincar, já citado anteriormente no post anterior da Natalie como “uma classe de comportamentos que permite a aquisição de novos repertórios, com um efeito significativo sobre o desenvolvimento” e, portanto, como uma importante fonte para análise funcional. Durante a sessão com a criança, é preciso construir um ambiente de confiança para que ela “simplesmente” brinque. E é no brincar, caracterizado como um comportamento com propriedades intrinsecamente reforçadoras, que a criança vai nos mostrar as contingências que a controlam.
O comportamento dos pais frente ao comportamento da criança também pode ser observado durante a avaliação inicial. Podemos observar o que os pais falam da criança, dos comportamentos-problema delas e de suas reações diante deles, a topografia de seu comportamento enquanto falam, o sentimento de preocupação e medo expresso na clínica. Essas reações estão presentes na Análise Funcional e, muitas vezes, é delas que vamos falar em uma sessão de orientação de pais.
Podemos ensinar aos pais o registro dos comportamentos das crianças, sempre incluindo em que situação ocorreu e o que foi feito depois. Além disso, um procedimento que utilizamos bastante é propor uma sessão conjunta da criança com os pais. Nessa sessão, podem ser indicados jogos, como um jogo de trilha humana, em que a criança e o familiar são as peças e jogam um dado grande para alcançar o objetivo final. Neste jogo, é possível propor diversas tarefas, isto é, situações de resolução de problemas, onde podemos observar a forma como os pais lidam com os comportamentos das crianças. Nestas sessões, a interação mãe-criança ocorre diante dos nossos olhos, facilitando a análise funcional e a intervenção. É preciso ressaltar ainda que o espaço dessas sessões não precisa ser necessariamente a clínica, sendo possível e indicado a visita à casa da criança e à escola, como forma de observação da interação entre pais, professores e alunos com criança e também como forma de interação efetiva do terapeuta com a essa criança.
A orientação propriamente dita também deve ser baseada na análise funcional. É necessário estar atento aos comportamentos de fuga emitidos pelos pais diante dos comportamentos-problema da criança. É com base nessas fugas que criaremos as estratégias de habilidades sociais (DEL PRETTE, 2005; DEL PRETTE & MEYER 2011) para falar sobre a relação mãe-criança de um modo que não seja contexto para comportamentos de fuga. Utilizar vídeos que mostrem modelos de interação pais e filhos, como a proposta de Webster-Stratton (1990 e 1991) apud Marinho (2008), é uma boa intervenção para mostrar aos pais que não existem “pais perfeitos”.
Ensinar aos pais a reforçar os comportamentos adequados de seus filhos é um procedimento que se repete em todos os modelos comportamentais de orientação parental e aumenta a probabilidade de eles utilizarem formas mais construtivas na educação de seus filhos. Além disso, é preciso identificar o repertório de enfrentamento de situações aversivas já presente nos pais para realizar orientações efetivas. Essa identificação deve ser feita juntamente com a análise funcional da criança, tanto na sessão de anamnese como em sessões conjuntas, nas quais pode ser observada a interação mãe-criança.
Enfim, não se pode dizer que a orientação de pais é fácil. A proposta parece ser bem simples, mas a complexidade do comportamento humano, algumas práticas culturais e a fuga de alguns familiares da participação na terapia atrapalham bastante o processo. Frases como “eu educo o meu filho da forma que meus pais me educavam”, ou “trabalho demais e não sobra tempo para cuidar bem de meus filhos”, ou ainda “eu digo e faço uma coisa, mas o pai e a avó vão lá e retiram” se repetem quase que diariamente no processo. Lidar com essas demandas e com a esquiva dos pais se configuram como novos desafios para as pesquisas na área.
Referências:
MATOS, M. A. Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia, 6(3), 1999;
MARINHO, M. L. A intervenção clínica comportamental com famílias. Em: SILVARES (org.). Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. Volume 1. Campinas, SP:Papirus, 2000.
PINHEIRO, Maria Isabel Santos et al . Treinamento de habilidades sociais educativas para pais de crianças com problemas de comportamento. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 19, n. 3, 2006 Available from . access on 14 Dec. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722006000300009.
SKINNER, B. F. Science and human behavior. New York: McMillan, 1953.
WEBER, L; SALVADOR, A.P.; BRANDEBURG, O. Programa de qualidade na interação familiar. Manual para aplicadores. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2011.