Autismo: O treino de habilidades motoras amplas e a importância dos esportes

Na intervenção comportamental com crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) não pode faltar o treino de habilidades motoras amplas e a inserção em, pelo menos, um esporte (futebol, natação, judô, etc.). Além de desenvolver habilidades importantes para o desenvolvimento motor da criança, os esportes estimulam a interação social, que é uma das áreas afetadas no TEA. Para algumas crianças, o esporte também é fundamental para auxiliar no controle de peso e no condicionamento físico. Desta forma, não pode faltar na equipe multidisciplinar destas crianças e adolescentes o educador físico, que é o profissional capacitado e autorizado a aplicar tais treinos e estimulações, bem é como o profissional que deve aplicar as estratégias e orientações que eu descrevo neste artigo.esporte

Em se tratando de Autismo, a principal vantagem das atividades físicas refere-se à redução de estereotipias. A atividade física funciona como uma operação abolidora para as estereotipias, isto é, uma situação antecedente que diminui o efeito reforçador de um estímulo e, com isso, diminui a probabilidade da resposta. No caso das estereotipias, as operações abolidoras atuam diretamente sobre o indivíduo, promovendo mudanças no estado corpóreo. Há uma redução da sensibilidade aos efeitos reforçadores (reforçamento automático) que usualmente são obtidos com a estereotipia.

Morrison, Roscoe e Atwell (2011) afirmaram que: “Tem sido mostrado que o exercício antecedente reduz várias formas de comportamento problemático, incluindo estereotipia, auto-lesão, disruptivo e agressão. Exercício antecedente envolve, tipicamente, instruir e oferecer oportunidades para que os indivíduos se envolvam em algum tipo de exercício (por exemplo, correr, atividade aeróbica) e, em seguida, medir o seu comportamento problema após a intervenção. Porque o exercício antecedente pode ser realizado com um mínimo de dicas e não requer um observador dedicado ou terapeuta, este demanda uma equipe menos intensiva do que as intervenções baseadas em consequências. Por esta razão, pode ser particularmente útil em situações clínicas com baixa taxa de profissionais para cada estudante.” (pg. 523).

Morrison, Roscoe e Atwell (2011) verificaram o efeito de exercícios físicos reforçadores na emissão de estereotipias e autolesões mantidas por reforçamento automático durante e após a execução do exercício. Participaram do estudo 4 indivíduos diagnosticados com Autismo que apresentavam estereotipias ou autolesão que interferiam no aprendizado e nas interações sociais.

Inicialmente, os pesquisadores fizeram uma análise funcional das estereotipias, na qual foi constatado que estas eram mantidas por reforçamento automático, isto é, sensações físicas prazerosas produzidas pela estereotipia.

Em seguida, na fase de intervenção, os pesquisadores ofereciam acesso livre a atividades físicas reforçadoras para o participante (atividades selecionadas em um teste de preferências). Se o participante não iniciasse a atividade espontaneamente, o experimentador incentivava a execução desta e elogiava sempre que ele estivesse se exercitando.

Os resultados deste estudo apontaram diminuição nas taxas de resposta estereotipada durante o exercício físico para os 4 participantes e discreta diminuição nas taxas de resposta estereotipada após o exercício físico para 3 (de 4) participantes. Os autores discutem que os exercícios físicos envolvem apresentação contínua de estimulação sensorial, o que funciona como operação abolidora de comportamentos-problema mantidos por reforçamento automático.

Isto significa que, como a atividade física produz sensações físicas prazerosas semelhantes àquelas produzidas pelas estereotipias, a execução de atividades físicas reduz o valor reforçador das sensações físicas produzidas pela estereotipia, já que a criança que faz atividade física se sacia desta necessidade. Por exemplo, se uma criança tem a estereotipia de bater as mãos em objetos, o seu educador físico pode treinar basquete com ela, afinal, neste esporte ela baterá a mão na bola, obtendo a mesma sensação reforçadora que ela obtém com a estereotipia. Porém, ao invés de buscar esta sensação com respostas repetitivas e sem função social, ela receberá este estímulo em uma atividade mais adequada e que lhe proporcionará interação social.

É importante sempre pensar em atividades físicas reforçadoras e compatíveis com as habilidades do indivíduo. Alguns exercícios físicos podem produzir mais efeitos que outros para diminuição de comportamentos-problema.

No treino de habilidades motoras amplas com crianças e adolescentes autistas é importante que o educador físico separe as respostas que compõem alguns esportes de uma maneira em que se possa trabalhar cada uma delas isoladamente. Posteriormente, treina-se a junção destas habilidades em um esporte mais complexo.

Para gerar um aprendizado sem erro e, portanto, mais motivador e eficiente, o educador físico deve utilizar a hierarquia de dicas, ou seja, começar com ajuda física total (fazer a atividade com a criança, pegando em sua mão, pé ou corpo e fazendo todo o movimento com ela). Em seguida passa-se para uma ajuda mais leve, na qual ele direciona a mão/braço, pé/perna ou corpo da criança para o local correto, encostando nela ainda, mas com menos direcionamento. Depois o professor apenas aponta para o que a criança deve fazer, escolher ou pegar. Finalmente, a criança executa a atividade de forma independente (sem ajuda).

As dicas vão passando de uma para a outra até que a resposta se torne independente. Depois de certo tempo usando a mesma dica arrisque atrasá-la um pouco, espere para dar a dica e veja se a criança já inicia a resposta corretamente. Se ela responder bem, passe para a próxima dica (menos intrusiva), e assim vá até que ela responda sem dica nenhuma.

Sempre que a criança fizer algo adequado devemos elogiá-la muito, fazer festa, comemorar (reforços sociais) e consequenciar seu comportamento com algo que ela goste ou se interesse (reforços arbitrários: músicas, brinquedos, atividades, etc.). Esta consequenciação positiva aumenta a chance de o comportamento correto se repetir no futuro.

Se utilizarmos coisas que a criança gosta durante as atividades que ela não gosta muito, estas atividades vão, aos poucos, se tornando prazerosas para ela. Assim, pode-se ensinar a criança a gostar de jogar bola deixando-a brincar com um brinquedo que ela já goste imediatamente depois que ela jogar a bola. O emparelhamento do reforço arbitrário (brinquedos) com o contexto de jogar bola, deve tornar esta atividade cada vez mais prazerosa para ela. O reforçamento pode ser feito, também, em forma de recreação, ou seja, propondo jogos de interesse da criança intercalados com as atividades das quais ela ainda não gosta muito.

As atividades que compõem o treino de habilidades motoras amplas podem ser divididas em 4 áreas principais. São elas:

  • Habilidades motoras amplas básicas: jogar, receber, rebater e chutar a bola; equilíbrio, saltar, correr, etc. Estas habilidades podem ser organizadas em minicircuitos (intercalando uma habilidade com uma atividade reforçadora) ou introduzidas em brincadeiras mais completas. Organize estas atividades como quiser, de modo a gerar motivação e interesse na criança.
  • Condicionamento físico: andar de bicicleta ou patins; caminhada; correr; pular na cama elástica; pular corda; etc. Esta área é fundamental para crianças acima do peso ou muito sedentárias.
  • Pré-requisitos para modalidades esportivas: treinar as respostas que compõe cada esporte (futebol, basquete, vôlei, boliche, etc.). Durante este treino o educador físico deve investigar uma modalidade esportiva na qual a criança tenha habilidades mais favoráveis para, futuramente (após trabalhados os pré-requisitos), inserir a criança em um esporte em grupo.
  • Recreação: atividades divertidas e, de preferência, coletivas, como, por exemplo: atirar argolas, brincadeiras com arcos, siga o mestre, macaco mandou, cabra-cega, dança da cadeira, pique-pega, esconde-esconde, vivo ou morto, corre-cotia, estátua, amarelinha, etc. Nestas atividades é importante estimular respostas de interação social entre as crianças, como: contato visual, atenção compartilhada (intercalar o olhar entre o outro e o objeto) e reciprocidade sócio emocional (expressar suas emoções e ser afetado pelas emoções expressas pelo outro).

Como em qualquer treino, as repostas da criança devem ser registradas, bem como o tipo de ajuda dada para cada resposta. Com isso, o educador físico responsável pela intervenção pode avaliar a evolução do treino nas questões físicas e de motricidade ampla, verificando se está havendo melhora. Com os registros, o analista do comportamento também pode avaliar o quanto a criança está motivada, se ela está compreendendo as instruções e colaborando nas atividades, bem como os efeitos disso sobre os comportamentos inadequados. Estas análises são fundamentais para a tomada de decisão acerca de novos procedimentos, se necessário.

 

Referência Bibliográfica:

Morrison, H., Roscoe, E. M., & Atwell, A. (2011). An evaluation of antecedent exercise on behavior maintained by automatic reinforcement using a three-component multiple schedule. Journal of Applied Behavior Analysis, 44, pg. 523-541.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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