Dezembro é um mês no qual, geralmente, nos permitimos refletir sobre o ano que tivemos e, também, sobre nossas expectativas para o próximo ano que terá início. É comum que, nessas reflexões, avaliemos negativamente nossa participação, influência e até mesmo omissão em algumas situações que vivemos. Então, com certo arrependimento, estabelecemos novas metas (algumas vezes tão exigentes que, se pensássemos melhor, saberíamos não sermos realmente capazes de alcançar), como se oferecêssemos outra chance a nós mesmos. Metaforicamente, dezembro poderia ser considerado uma operação estabelecedora para muitas pessoas, capaz de fazê-las se sentirem “saciadas” do ano vigente e em “privação” das férias e/ou das experiências que, segundo sua história de aprendizagem, o início de um novo ano tem o potencial de oferecer.
Há algo nesse processo que considero especial e este artigo se propõe a abordar: o desejo de mudança. Não é difícil notar que a maioria das metas que estabelecemos para nós mesmos envolvem mudanças comportamentais que consideramos necessárias para sermos mais felizes. Mas, se as metas têm um objetivo tão importante para quem as estabeleceu, por que é tão difícil cumpri-las? Por que as denominadas “promessas de Ano Novo” tornam-se lembranças cômicas e, algumas vezes, sequer são lembradas?
Entre as hipóteses, podemos considerar que cometemos um erro no que se refere ao conceito “comportamento” quando estabelecemos uma meta. Muitas vezes descrevemos a resposta que desejamos mudar, sem avaliarmos sua interação com as variáveis que a controlam. Assim, ao propor a nós mesmos uma “mudança de comportamento”, podemos apenas nos centrar no que fazemos/dizemos/pensamos e não, efetivamente, no comportamento conceitualmente definido pela Análise do Comportamento. Afinal, para esta ciência, comportamento é a interação entre o organismo e o meio; entre a resposta e suas variáveis antecedentes e consequentes.
Nessa perspectiva, estabelecer a meta “emagrecer”, por exemplo, não dependeria somente de uma linear resposta, como “comer menos”. Se dependesse somente disso, provavelmente o sujeito que precisou estabelecer tal meta já tivesse emagrecido. É preciso avaliar quais variáveis estão envolvidas na manutenção do peso que desagrada esta pessoa. Ela pode ser, por exemplo, uma profissional com tempo limitado para realizar exercícios físicos, escolher e cozinhar seus próprios alimentos ou até mesmo ir ao consultório médico para verificar se está com algum desequilíbrio hormonal que a influencie engordar. Para a sua realidade, a meta “emagrecer” é vaga e não descreve quais contingências seria preciso alterar para alcançá-la.
Outra hipótese que pode ser considerada é o estabelecimento da meta como uma regra, ou seja, uma descrição não apenas da resposta a ser emitida, mas também do resultado esperado dessa resposta. A meta em modelo de regra pode provocar consequências desastrosas e não, necessariamente, contribuir para o que efetivamente se deseja mudar. Considere, por exemplo, alguém que depois de muitos fracassos estabeleceu a meta: “se me esforçar mais, então terei bons resultados”. Ao ser descrita em modelo de regra, a meta limita a compreensão dessa pessoa sobre o sucesso, colocando-o como resultado exclusivamente do seu esforço. É, portanto, uma meta que dificulta a discriminação das demais variáveis que influenciam o sucesso, incluindo aquelas sobre as quais não se tem controle. Se por acaso essa pessoa não produzir os resultados esperados, pode ser que venha a compreender que suas ações foram insuficientes até o momento – independentemente de seu investimento em cada uma delas. Nota-se que seguir tal meta como regra seria injusto com seu próprio autor.
Então, quais cuidados são necessários ao estabelecer uma meta?
Para responder a essa questão, é importante considerar que uma meta tem como função descrever o comportamento que se deseja controlar no próprio repertório do sujeito. Podemos, portanto, compreendê-la como uma estratégia de autocontrole.
O indivíduo “escolhe entre cursos de ação”, “pensa sobre” um problema enquanto isolado do ambiente relevante, e cuida de sua saúde ou de sua posição na sociedade através do exercício do “autocontrole”. (Skinner, 1979/2007, p. 250)
A meta precisa ser o resultado da discriminação das contingências para as quais seu comportamento é função. Isso implica dizer que, ao estabelecer como meta uma mudança comportamental, é preciso ter autoconhecimento suficiente para discriminar o que se pode fazer para alcançar o resultado desejado.
Ainda, a meta precisa expressar não apenas o objetivo comportamental, mas também as respostas alternativas que, ao serem expressadas na interação com o meio, aproximarão o sujeito do resultado esperado. Dessa forma, “emagrecer” pode ser descrito com maior precisão comportamental, tal como: “aumentar o consumo de água”, “praticar caminhada de 15 minutos diários”, “agendar consulta médica com endocrinologista e nutricionista”.
A meta se torna, assim, um objetivo comportamental que não se centra apenas no resultado, mas também no processo para a sua conquista. Imagino que, dessa forma, se torne difícil esquecê-la.
E aí? Que tal, agora, planejar suas metas para o próximo ano?
Referência
Skinner, B. F. (1979). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 2007.