Esquiva Funcional? “Sentimento de culpa em líderes é aspecto positivo, diz pesquisa”
Qual é a principal característica de um grande líder? Ser decidido, confiante, inteligente… ou sentir culpa? Uma pesquisa recente sugere que possuir um sentimento de culpa pode fazer bem aos negócios.
Todo mês de novembro, em vários escritórios, fábricas e lojas, os chefes sempre precisam recrutar um voluntário para organizar a festa de fim de ano.
A tarefa é muitas vezes ingrata: o voluntário precisa achar um restaurante ou salão de festas, lidar com todos os pedidos individuais de refeição (desde pratos vegetarianos a cuidados com alergias), encontrar o preço mais barato e ainda assumir toda a culpa caso a festa acabe se tornando um fracasso.
Ainda assim, sempre existe um voluntário disposto a fazer esse trabalho. Esta situação peculiar intrigou a estudante Rebecca Schaumberg, da Universidade de Administração de Stanford, nos Estados Unidos.
“Por que alguém assume uma tarefa em um grupo sem haver nenhum incentivo para isso? Comecei a pensar e uma hipótese é que talvez ela se sinta culpada de não realizar a tarefa”, diz Schaumberg.
Experimento
Muitos psicólogos acreditam que todos nós estamos suscetíveis a níveis diferentes de sentimento de culpa, e que essa sensação pode nos levar a tomar atitudes.
Algumas pessoas ficam até mais tarde no trabalho na sexta-feira para finalizar alguma coisa, sabendo que não conseguirão curtir o final de semana se não terminarem. Outras vão para casa e assistem a um filme sem problemas.
“A sensação é desconfortável, e é algo do qual queremos nos livrar. Mas a vontade de reduzir o sentimento de culpa pode nos levar a tomar atitudes positivas”, diz Schaumberg.
“É esse tipo de antecipação ao sentimento de culpa que leva indivíduos a emergir ou assumir papéis de liderança”.
A estudante e seus colegas realizaram experimentos com voluntários nos Estados Unidos para testar suas hipóteses. Os participantes preencheram questionários com diferentes cenários hipotéticos, como por exemplo: “Você está dirigindo em uma estrada e acaba atropelando um animal”.
Diante de cada cenário proposto, o voluntário precisava exprimir como se sentia. As respostas foram medidas pela equipe de Schaumberg, que elaborou um índice de “tendência a sentir culpa”.
Em seguida os voluntários participaram de uma dinâmica de grupo, onde uma tarefa era solicitada de todos. Os indivíduos com maior “tendência a sentir culpa” foram justamente os que assumiram a liderança nas tarefas.
A equipe também examinou a opinião que os empregados têm de seus chefes em empresas de verdade. A pesquisa indicou que os chefes mais bem avaliados eram os que tinham os maiores índices de “tendência a sentir culpa”.
Atitude ética
O fato mais peculiar da pesquisa é que o sentimento de culpa geralmente é visto como algo negativo. Para Schaumberg, as pessoas que sentem mais culpa também são as que costumam assumir mais responsabilidade pelo que acontece ao seu redor. Também são as pessoas que mais costumam a aprender com seus erros.
“Uma das coisas sobre a culpa que eu acho mais interessante, mas ainda não foi respondido é: ‘Por quem nós sentimos culpa?’ Quando pensamos no banqueiro pragmático de Wall Street, nós costumamos pensar que ele deveria sentir culpa em relação ao resto da sociedade. Mas na verdade, ele pode estar se sentindo culpado em relação à organização para a qual trabalha”.
Outra pesquisadora, Taya Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, estudou a relação entre culpa e ação ética. Ela também classificou as pessoas conforme a “tendência a sentir culpa” e depois analisou o quão éticas as atitudes de cada um era.
Uma das perguntas em um questionário era sobre qual medida seria tomada caso o participante descobrisse uma brecha na lei que permitisse que sua empresa fizesse negócios com um país acusado de abuso de direitos humanos.
Entre as pessoas com baixa “tendência a sentir culpa”, 41% das pessoas disseram que explorariam ou poderiam explorar a brecha da lei. Entre as pessoas com maior sentimento de culpa, apenas 25% disseram que usariam a brecha.
Em um artigo, Cohen sugere que esses critérios podem ser usados tanto para procurar administradores como para se achar namorados.
“Pode ser sábio para as pessoas que buscam amigos e namorados éticos que prestem atenção à sensação de culpa, ao selecionar novos companheiros”.
No entanto, muitas pessoas com grande sensação de culpa costumam ser tachadas de neuróticas. Para Cohen, isso não está certo.
“Ter tendência a sentir culpa não significa que a pessoa está sempre se sentindo culpada por coisas que não fez”, diz ela.
Outro estudo liderado pela pesquisadora indica que as pessoas com maior tendência a sentir culpa costumam sentir culpa com menos frequência. Uma possível explicação é que — como essas pessoas, em tese, agiriam de forma mais ética do que as demais — elas teriam menos motivos para se sentirem culpadas.
Vergonha e culpa
Tanto Cohen quanto Schaumberg fazem uma distinção importante entre duas sensações distintas: culpa e vergonha. A vergonha está mais ligada a autoestima.
Enquanto a culpa é uma avaliação negativa de uma atitude em particular, a vergonha é definida pelos pesquisadores como um julgamento negativo em relação à própria pessoa, como um todo.
Por exemplo, uma pessoa atropela um animal por estar dirigindo com sono à noite. Uma reação de culpa é se sentir mal por não ter dirigido com atenção neste episódio. Uma reação de vergonha é se sentir uma pessoa burra e descuidada.
Por ser mais dolorosa, a vergonha costuma fazer com que as pessoas externem mais os seus sentimentos, culpando outras pessoas ou circunstâncias ao seu redor. No exemplo anterior, uma pessoa que sente vergonha poderia culpar o seu carro ou o motivo que às fez ficar com sono, ou até mesmo o próprio animal, por estar na estrada.
“A tendência a sentir vergonha está associada ao desejo de esconder ou se remover de uma situação, após uma transgressão”, diz Cohen. “A sensação de culpa, por outro lado, está mais associada à vontade de reparar uma transgressão”.
O animal do exemplo pode não ser mais reparado, mas uma pessoa que sente culpa pode sair do episódio mais atenta.
Se tendência à culpa é mesmo uma sensação positiva, ela deveria ser estimulada? Isso deveria fazer parte dos processos de seleção para se contratar pessoas ou líderes?
“Eu não acho que os cursos de administração devam tentar induzir as pessoas a sentirem culpa”, diz Schaumberg. “Mas apenas ensiná-las de que a culpa é uma emoção correta, em vez de dizer que é algo negativo”.