Estamos vivendo um momento de plena saturação do “mental – cerebral” pelos meios de comunicação. Isso não se deve as anunciadas “descobertas das neurociências” como justifica a mídia. Os jornalistas não entendem coisa alguma de neurociência, psicologia clínica, ou psiquiatria, pois isso não é obrigação deles.
O Cérebro como Desculpa
A obrigação dos jornalistas é “ir em busca da informação” e para falar sobre o comportamento humano, eles vão atrás das ditas “fontes privilegiadas”, que são os médicos, os psicólogos, os cientistas. Mas como eu afirmei acima, não há descobertas científicas que justifique tanto estardalhaço.
Você já reparou como as matérias descrevem o cérebro como se fosse uma entidade que funciona separada do restante do seu corpo? Usam a mesma lógica que usavam com o tal do “inconsciente”. É como se houvesse um homúnculo (um homem em miniatura) que nos controla por dentro, semelhante, ao pequeno alienígena que controlava o gigante no filme MIB – Homens de Preto.
Explicações desse tipo são chamadas de “Falácias Lógicas”, elas, na verdade, nada explicam, mas a pessoa que explicou, acha que explicou, e a que ouviu, acha que entendeu. É como acontece em algumas escolas e faculdades – os professores fazem de conta que ensinam e os alunos fazem de conta que estão aprendendo!
Explicar que a origem da vida na Terra foi proveniente de substâncias vindas de outros planetas (teoria da Panspermia) também não explica como a vida surgiu, apenas tira de si o peso da não explicação. O mesmo vale para quando a explicação de um comportamento é justificada como sendo uma ação cerebral, mental, ou de um mecanismo inconsciente!
O cérebro não é uma unidade independente, a mente, e o tal inconsciente, não são objetos mensuráveis. É quase como dizer que: “Fulano fez determinada ação porque Deus quis “. Veja só, as explicações, supostamente científicas, compartilhando a mesma lógica das explicações baseadas na fé? Isso é um sinal de que há alguma coisa errada, e há mesmo!
Mas se o que nutre a mídia e ilude os especialistas não são informações científicas, então, o que estaria por trás de toda essa nova onda das neurociências?
Para entender este fenômeno não adianta tentar analisá-lo isoladamente. Como somos seres sociais e vivemos em um mundo comandado pelo sistema econômico de relações capitalistas, é para ele que temos que olhar quando observamos um movimento que afeta as massas.
Durante muitos anos, a psiquiatria era o único reduto dos profissionais da medicina a ter que lidar com as doenças que não possuíam materialidade física, as tais psicopatologias, ou doenças mentais. Diferente do cardiologista, ou do ortopedista, que examina o ritmo cardíaco, a pressão arterial, e as radiografias da coluna vertebral, o psiquiatra não poderia identificar uma fobia por meio de um exame cerebral. Ele tinha observar e analisar os comportamentos narrados e apresentados pelos pacientes.
Desse modo, a legitimação da psiquiatria como ciência médica não representou apenas uma expansão da medicina, ela passou a fundamentar a própria justiça, atestando a imputabilidade (ou responsabilidade pelos seus próprios atos) de pessoas envolvidas em delitos.
Os psiquiatras sofriam preconceitos dentro da própria medicina, tendo o seu trabalho restritos a instituições de saúde mental, os conhecidos manicômios. E com isso, passaram a sofrer também com os estigmas sociais ao serem representados socialmente como “o médico dos doidos”.
Acontece que nos últimos vinte anos, as multimilionárias industrias farmacêuticas, iniciaram a produção em massa das “drogas do prazer”. Como há leis que proíbem a industria de fazer propaganda diretamente para os consumidores finais, ela passou a investir pesado no aliciamento das classe médica. Os aliciadores das farmacêuticas passaram a frequentar não só os consultórios médicos, mas as próprias faculdade de medicina, ofertando brindes, patrocinando formaturas, presenteando livros e viagens para congressos, e distribuindo material sobre medicamentos, especialmente preparados para enaltecer as suas “grandes descobertas” (ANGEL, 2007).
Com a adesão das massas às drogas como Prozac, Viagra, Ritalina, e semelhantes, se criou uma nova oportunidade para outra especialidade médica que, até então, não lidava diretamente com o comportamento humano, nem com essas drogas que, antes, eram prescritas, quase que exclusivamente, pelos psiquiatras. Estes novos especialistas que viram a oportunidade à sua frente, se chamam “Neurologistas”.
Ora, se o psiquiatra que nem objeto de estudo concreto tinha, a não ser o comportamento, o neurologista, por sua vez, é o especialista em áreas cerebrais e vive no momento da ”onda visual”. Claro, estamos vivendo no boom das tvs 3D, dos tablets, leds, neons, nada melhor do que usar as imagens das tomografias, dos Pet Scanners, das ressonâncias 3D para justificar reações do cérebro frente às novas drogas, mesmo que, no fundo, elas sejam apenas mais um homúnculo falacioso.
Mas se a mente e o inconsciente, que nunca foram visto, convenceram as pessoas por séculos, pelo menos agora temos um homúnculo que pode ser visto em funcionamento, que é aparentemente palpável, ele se chama “cérebro”.
Acabamos por ter mais do mesmo, pois as imagens cerebrais são muito mais importantes para os cirurgiões localizarem lesões, provenientes de traumatismo e AVCs, do que para os neurologistas conseguirem explicar as doenças mentais.
As famosas doenças psicológicas, ou neuroses, são nada mais do reações que acontecem em decorrência da interação de uma pessoa com o seu ambiente (físico, social e psicológico). A sua verdadeira compreensão e métodos de tratamento não está em combater as respostas secundárias que afetam o cérebro, mas em possibilitar a compreensão desses comportamentos e o apoio necessário para que os pacientes efetuem mudanças no seu ambiente, na suas vida, possibilitando novas formas de aprendizagem.
Se você está voltando para casa e um amigo seu se esconde atrás de uma árvore e lhe dá um susto, a reação instintiva do seu organismo é liberar adrenalina que faz o seu coração disparar. Esta é uma resposta normal e saudável. A associação de sons repentinos e altos é o ingrediente básico para gerar medo nos filmes de terror.
São associações semelhantes que nos levam a ter medo do chefe, medo de não conseguir cumprir uma tarefa no trabalho, medo de falar em público. Usar drogas para combater os efeitos secundários é uma tentativa apenas de modificar as respostas naturais do organismo. Na verdade, não há nada de errado com o corpo, mas com o comportamento, com a aprendizagem, uma vez que nossa sociedade controla a maior parte do comportamento por meio do uso da punição.
Modificar o comportamento é objetivo terapêutico das psicoterapias e a indústria farmacêutica não ganharia um só centavo promovendo este tipo de tratamento. Por isso, o cérebro virou o grande bode expiatório com a função de legitimar a venda massificada das drogas do prazer.
O que é mais notável é que, enquanto as prescrições de Ritalina, Prozac e Viagra chegaram a aumentar absurdos 600%, as doenças mentais não sofreram qualquer declínio ao contrário, continuaram a avançar, sem mencionar, as epidemias das drogas ilícitas, como crack, maconha e cocaína. Portanto, será que estão mesmo essas drogas tratando algo, ou estão apenas contribuindo para criar uma sociedade cada vez mais dependente de medicamentos?
Sabemos que as drogas são importantes em alguns tipos de tratamentos, porém, o que vemos na prática é uma psiquiatra-neurologia atuando quase que exclusivamente por via medicamentosa, sem que se tenha qualquer preocupação em prescrever os tratamento com psicoterapia.