O brasileiro é feliz
Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a consultoria Gallup, revelou que o Brasil é tetracampeão em felicidade no ranking entre 158 países pesquisados. De acordo com o recente livro de Neri (2012), intitulado “A nova classe média”, numa escala de zero a dez, o brasileiro dá uma nota média de 8,6 à sua expectativa de satisfação com a vida em 2015, superando a média mundial de 6,7.
A pesquisa foi feita em 2011, com cerca de 200 mil pessoas entrevistadas a respeito da expectativa de felicidade das pessoas nos próximos cinco anos e também no presente.É interessante observar nos resultados apresentados que, depois do Brasil, no quesito “países mais felizes”, aparecem Panamá, Costa Rica, Colômbia, Qatar, Suíça e Dinamarca. Ou seja, o resultado sobre a ordem dos países com pessoas de melhor expectativa sobre suas vidas não é coerente com o padrão de riqueza e desenvolvimento sócio-econômico de cada país.
Sem querer entrar no mérito de questões metodológicas da pesquisa ou do caráter nomotético das conclusões observadas, a mesma pode servir de pano de fundo para a discussão da seguinte questão: as expectativasque criamos sobre nós mesmos dependem exclusivamente das condições ambientais objetivas em que nos encontramos?Não é o que parece apontara conclusão do estudo de Neri (2012),nem o que percebemos muitas vezes (e costumamos não entender) quando uma pessoa apresenta um comportamento oposto ao que seria esperado para a condição de vida em que se encontra. É o caso de uma pessoa gravemente doente que consegue alegrar aqueles à sua volta.
Embora tal constatação possa aparentemente se constituir em uma incoerência com a premissa de que todo comportamento é produto da interação do sujeito com seu ambiente; na verdade, o exemplo só revela a riqueza e complexidade dessa interação.
Pensamentos e sentimentos integram uma categoria de eventos chamados de privados para ressaltar sua característica de difícil acesso à observação pública. Nossa forma de pensar e de sentir caracteriza-nos como sujeito único, compõe nossa subjetividade.
Ao propor o conceito de self para se referir à ideia de subjetividade, Skinner (1974/1976; 1989/1991) traz uma contribuição relevante para discutirmos os resultados encontrados por Neri (2012). O self pode ser entendido como estados privados relativos à própria percepção de si mesmo. Nas palavras de Skinner, “o eu (self) é o que a pessoa sente a respeito de si própria”(p.45).
Para se compreender o que controlou a resposta a uma indagação sobre a expectativa de satisfação com a vida, é preciso considerar na análise da resposta os diversos e complexos processos comportamentais envolvidos. Eles incluem desde eventos privados relativos ao self eliciados pela pergunta e por todo o contexto no qual esta ocorre, assim como fatores eminentemente sociais e culturais que também exercem uma função selecionadora da resposta dada.
Resumindo, a complexidade na nossa forma de interagir com o ambiente revela a necessidade dos analistas do comportamento percorrerem um longo percurso até alcançar uma compreensão mais ampla do que nos ocorre privadamente e de como isto se relaciona com outros comportamentos públicos. Felizmente esta é uma área em plena expansão na Análise do comportamento (cf. Albuquerque, Matos, Souza & Paracampo, 2004). Não estamos parados à beira do caminho do conhecimento.
Referências bibliográficas:
ALBUQUERQUE, L. C, MATOS, M. A., de SOUZA, D. G, & PARACAMPO, C. C. P. (2004). Investigação do controle por regras e do controle por histórias de reforço sobre o comportamento humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17, 395-412.
NERI, M. (2012). A nova classe média: O lado brilhante da pirâmide. São Paulo: Saraiva.
SKINNER, B. F. (1976). About Behaviorism. New York: Vintage Books (Publicado originalmente em 1974).
SKINNER, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus (Publicado originalmente em 1989).