Autor: Annie Wielewicki
Instituto Innove
O abuso sexual a crianças e adolescentes mobiliza profissionais da saúde e a literatura especializada indica existência de programas para estudo, prevenção e tratamento. Em geral, os esforços se voltam em torno das crianças vitimizadas e o atendimento ao agressor parece ficar em segundo plano. Apesar de reconhecida a importância do atendimento a casos de abuso sexual envolver a criança, os familiares e o abusador, pouco tem sido documentado sobre o atendimento voltado às pessoas que cometeram o abuso (Martins, 2007). Nesse sentido, o objetivo desse texto é apresentar algumas considerações iniciais sobre o abusador e seu atendimento. Em textos futuros serão discutidos os aspectos aqui apontados.
O abusador
Em sua maioria, os agressores são homens, iniciam as agressões por volta de 15 anos, vitimizam mais de cem crianças ou adolescentes ao longo da vida, sendo que a maior parte desses abusos não chega a ser revelada. Por volta de 30% dos abusadores tem menos de 35 anos e cerca de 80% tem inteligência normal ou acima da média (Serafim, et al, 2009).
Qualquer pessoa pode ser um abusador sexual, eles não são distinguidos por classe socioeconômica, grupo étnico ou religião e menos de 5% tem doença mental severa (Serafim, et al, 2009; Martins, 2007).
A maior parte dos agressores tem histórico de relações abusivas na infância, sejam físicas, psicológicas ou sexuais (Kear-Colwell & Boer, 2000; Martins, 2007). Martins (2007, p. 133) afirma que abusadores “foram crianças emocionalmente mal nutridas, com relacionamentos rígidos, distantes, invasivos ou patologizantes”. Os abusadores, em geral, têm dificuldade de estabelecer relacionamentos de intimidade, relacionamentos com adulto, o que também se traduz na dificuldade de formar a aliança terapêutica (Kear-Colwell & Boer, 2000).
Apesar de identificarem seus comportamentos sexuais como fora da lei, os agressores tendem a convencer-se de que o comportamento é aceitável e que, além disso, a vítima também deseja a interação sexual e que suas respostas são afirmativas à aproximação e, nesse sentido, não geram dano algum (Serafim et al, 2009).
O atendimento
Quando há a suspeita de que o cliente cometa abuso sexual, o terapeuta deve criar contingências para que o problema seja relatado, colocando-se como audiência não punitiva (Medeiros, 2002) e estimulando o relato por meio de perguntas que aproximem do contexto de abuso. Além disso, é indispensável que o cliente reconheça a necessidade de que o mesmo seja trabalhado (Kear-Colwell & Boer, 2000).
O analista do comportamento deve entender o abusar como um comportamento construído na história de contingências filogenética, ontogenética e cultural. Identificar que contingências colaboram para a construção desse repertório auxilia no desenvolvimento de um tratamento eficaz. O terapeuta precisa entender porque o cliente prefere crianças como parceiras sexuais em detrimento de pessoas de sua idade (Kear-Colwell & Boer, 2000), quais as situações de risco.
Martins (2007) indica que o terapeuta investigue ainda: história familiar de psicopatologias, história de impulsos sexuais desde a infância, impulsividade, sentimentos de inadequacidade, passividade e dificuldade em ser assertivo, capacidade de julgamento pobre, dificuldade no interesse sexual em pessoas de idade apropriada, escolha de carreira que propicie contato com crianças, rejeição a relações com pares adultos, atitudes moralistas excessivas, história de tendências psicopáticas, abuso de substâncias, comportamentos antissociais.
De maneira geral, o terapeuta deve ajudar o cliente a identificar a que controles responde, pois isso o auxiliaria no processo de desenvolvimento de repertórios alternativos, buscando respostas mais adaptativas (Banaco, 1993). Na terapia com abusadores o terapeuta deve auxiliar o cliente a prevenir situações de risco. Pois, acredita-se que em situações de estresse intenso, como uma discussão conjugal, a perda de um emprego, uma crise financeira, entre outras, haja maior probabilidade de essas pessoas transitarem das fantasias sexuais para a ação (Serafim, et al, 2009).
O terapeuta
Não diferente de outros problemas, o terapeuta que busca atuar com abusadores deve estar em constante atualização, como consta no V Princípio Fundamental do Código de Ética Profissional do Psicólogo: O Psicólogo estará a par dos estudos e pesquisas mais atuais da sua área, contribuirá pessoalmente para o progresso da ciência psicológica e será um estudioso das áreas afins. Isto é especialmente importante no caso de atendimento a agressores sexuais porque há pouco documentado sobre a intervenção com essa clientela.
É comum que o contato do terapeuta com o abusador produza, no primeiro, sentimentos de indignação, raiva, frustração, nojo, tristeza, angústia (Martins, 2007). Portanto, esse profissional deve observar e discriminar que sentimentos esta interação gera e de que maneira isso afeta a relação terapêutica (Martins, 2007). Pois, se o terapeuta reagir em função de seus sentimentos isso pode comprometer e até inviabilizar o atendimento. Nesse sentido, Banaco (1993) aponta que se o sentimento do terapeuta for muito intenso, isto poderia significar uma reação à sua própria história comportamental e esta competir pela atenção do terapeuta.
Compreender quais as contingências que produziram este repertório ajuda a desenvolver empatia por aquele que comete o abuso e torna possível fornecer ajuda adequada. Porém, é necessário que o terapeuta reconheça os seus limites e se perceber que suas reações pessoais ao cliente comprometem o trabalho, encaminhe o cliente para outro terapeuta.
Sugere-se que o terapeuta faça supervisão do caso e que peça orientações de um advogado e do Conselho Regional de Psicologia quando estiver em situações de conflito, principalmente quando envolver a possível necessidade de quebra de sigilo a favor da proteção de uma criança, vítima potencial de abuso.
Referências:
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento sobre a pessoa do terapeuta. Temas em Psicologia, 2, 71-79.
Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005).
Kear-Colwell, J. & Boer, D. P. (2000). The Treatment of Pedophiles: Clinical Experience and the Implications of Recent Research. International Journal of OffenderTherapy and Comparative Criminology, 44 (5), 593-605.
Martins, M.G. (2007). Aspectos psicológicos no atendimento ao abusador sexual. In: Starling, R.R. (Org). Sobre Comportamento e Cognição: temas aplicados, 19, 132-143, Santo André: Esetec.
Medeiros, C.A. (2002). Comportamento verbal na clínica analítico-comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4 (2), pp. 105-118.
Serafim, et al (2009). Perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças. Revista Psiquiatria Clínica, 2009, 36 (3), 105-111.
Spradlin, J.E.; Saunders, K.J.; Willians, D.C.; Rea, J.A. (2003). Um analista do comportamento olha para tratamentos tradicionais de pedófilos e estupradores. Temas em Psicologia, 11 (1), 76-83.
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