Em nosso dia-a-dia é cada vez mais comum deparar-nos com notícias e discussões acerca de psicopatologias e transtornos mentais. Há uma curva crescente em relação ao contingente de pessoas que sofre com isso e normalmente encontramos uma visão bem diferente da Análise do Comportamento sobre esta questão.
A psicopatologia tem parte de suas origens no modelo médico, o que propiciou, nos últimos dois séculos, a observação prolongada e cuidadosa de um considerável contingente de doentes mentais. O campo da psicopatologia engloba um grande número de fenômenos relativos ao que se denominou historicamente de doença mental: vivências, estados mentais e padrões comportamentais que apresentam especificidades psicológicas (Dalgalarrondo, 2008).
Neste sentido, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos costumam ser enfocados: a forma com que os sintomas se manifestam como uma estrutura básica que assemelha-se em diversos pacientes e o conteúdo destes sintomas, que preenchem esta alteração estrutural. (Dalgalarrondo, 2008) Esta visão, engloba os conceitos de saúde e normalidade em psicopatologia, questão de grande controvérsia. Em casos limítrofes, em que este tipo de delimitação é bastante difícil, o conceito de normalidade em saúde mental ganha especial relevância. Há vários critérios de normalidade e anormalidade que variam em função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha e de acordo com as opções filosóficas de cada profissional, como por exemplo: normalidade como ausência de doença (ausência de sintomas); normalidade estatística (fenômenos quantitativos com determinada distribuição estatística na população); normalidade funcional (fenômeno é considerado patológico a partir do momento que é disfuncional e produz sofrimento), etc.
A perspectiva médica sobre psicopatologias certamente difere do modelo analítico comportamental de análise, cujos critérios de avaliação são essencialmente funcionais. A proposta de compreensão de fenômenos clínicos oferecida pela análise do comportamento oferece inovação, se comparado ao cenário das abordagens da psicologia que desenvolviam atividades clínicas com o modelo de psicopatologia e de diagnóstico psicológico pautados em explicações intrapsíquicas. Com base em uma perspectiva científica e “externalista”, ela rejeita qualquer explicação metafísica sobre o comportamento. Além disso, tem como referência o modelo de pesquisa de sujeito único ao invés de métodos de produção de conhecimento com base em pesquisas estatísticas (Banaco, Zamignani e Meyer, 2010).
A classificação de padrões comportamentais como transtornos mentais é determinada por práticas que estabelecem os padrões socialmente aceitos ou não, originadas na cultura. Assim, padrões que violam expectativas sociais são tratados como “anormais” ou “psicopatológicos”. Estas práticas culturais são resquícios do dualismo metafísico da Idade Média, que atribuía estes padrões comportamentais à faltas ou déficits mentais. Além disso, outra prática cultural que classifica os organismos entre “normais” e “anormais” é o modelo estatístico de normalidade, como apontam os manuais diagnósticos tais como a Classificação Internacional de Doenças (CID) e o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) (Vilas Boas, Banaco & Borges, 2012).
Assim, por acreditar que os padrões de comportamento do indivíduo são fruto de um entrelaçamento de processos de variação e seleção nos três níveis (filogenético, ontogenético e cultural), a Análise do Comportamento não compreende nenhuma forma de comportamento “psicopatológico”, “desadaptativo” ou “anormal”, visto que decorrem de variação e seleção como qualquer outro, e são selecionados por suas consequências. (Vilas Boas, Banaco & Borges, 2012). Em outras palavras, tendo em vista que a Análise do Comportamento compreende que os produtos comportamentais são resultado de histórias de variação e seleção, nos níveis biológico, individual e cultural, se os comportamentos ditos “patológicos” se mantém é porque de alguma forma produzem reforço significativo, logo, estão adaptados em algum grau (Sidman, 1966).
De acordo com uma notícia veiculada pelo Estadão em fevereiro de 2012, quase 30% dos habitantes da Região Metropolitana de São Paulo apresentam transtornos mentais. A prevalência de transtornos mentais na metrópole paulista foi a mais alta registrada em todas as áreas pesquisadas. O trabalho que gerou o artigo “”Estudos epidemiológicos dos transtornos psiquiátricos na região metropolitana de São Paulo: prevalências, fatores de risco e sobrecarga social e econômica” faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que integra e analisa pesquisas epidemiológicas sobre abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais. O estudo é coordenado globalmente por Ronald Kessler, da Universidade Harvard (Estados Unidos). Aqui no Brasil, entre os autores do artigo estão Laura Helena Andrade, professora do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP), e Maria Carmen Viana, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O estudo avaliou uma amostra representativa de residentes da região metropolitana de São Paulo, com 5.037 pessoas avaliadas em seus domicílios, a partir de entrevistas feitas com base no instrumento diagnóstico, e os questionários incluíram dados sociais. Segundo o estudo, 29,6% dos indivíduos na Região Metropolitana de São Paulo apresentaram transtornos mentais nos 12 meses anteriores à entrevista. Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevistados. Em seguida, aparecem transtornos de comportamento (11%), transtornos de controle de impulso (4,3%) e abuso de substâncias (3,6%).
A prevalência dos transtornos mentais, de quase 30%, é a mais alta entre os países pesquisados. Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com pouco menos de 25%. A razão da alta prevalência, de acordo com a pesquisadora, pode ser explicada pelo cruzamento de duas variáveis incluídas no estudo: a alta urbanização e a privação social.
Diante disso é interessante fazer uma relação com o aumento dos índices das psicopatologias, mais especificamente após a II Guerra Mundial: as mudanças políticas, econômicas e sociais em nossa cultura teriam provocado esta “adaptação” do comportamento? Talvez não tenhamos “provas” ou embasamento suficiente para uma resposta totalmente afirmativa. Porém, diante da diferença destas variáveis culturais e tendo a cultura um papel fundamental na seleção deste tipo de padrão comportamental (definido como psicopatológico), alguma relação entre estes dois aspectos fica evidente. Portanto, enquanto analistas do comportamento, temos também um papel de promover mudanças sociais (de contingências), como mais uma ferramenta de nosso trabalho.
Referências
Banaco, R. A., Zamignani D. R. & Meyer, S. B. (2010). Função do Comportamento e do DSM: Terapeutas Analítico Comportamentais Discutem a Psicopatologia. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs), Análise do Comportamento: Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas. (pp. 175-191). São Paulo: Roca.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,grande-sao-paulo-tem-alta-prevalencia-de-transtornos-mentais,841047,0.htm
Sidman, M. (1966). Normal sources of pathological behavior. Em R. Ulrich, T. Stachnik &
J. Mabry (Orgs.). Control of human behavior (pp. 42-53). Glenview: Scott, Foresman and Co.
Vilas Boas, D. L. O., Banaco, R. A. & Borges, N. B. (2012). Discussões da análise do comportamento acerca dos transtornos psiquiátricos. Em N. B. Borges & F. A. Cassas (Orgs.), Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. (pp. 95-101). Porto Alegre: Artmed.