Reforço real no universo virtual
Olhos vidrados no smartphone, dedos ágeis sobre o touch screen, locais públicos que oferecem rede wi-fi e uma demanda crescente para acessórios tecnológicos cotidianos, compõem um cenário observável em (quase) todo lugar. Não é necessário muito esforço para encontrar pessoas dividindo a atenção entre uma tarefa e a comunicação online; entre uma conversa fisicamente presencial e a realidade virtual.
Com facilidade podemos ir a um restaurante ou shopping e vislumbrar a curiosa interação de um casal ou de uma família que envolve a casual checagem no celular e, até mesmo, o uso de tablets sobre a mesa. Muitas vezes o uso destes recursos é individual, não partilhado com os acompanhantes, provocando o natural distanciamento da situação presente.
É importante destacar, neste contexto, que a tecnologia por si própria não é reforçadora e, sim, as fontes de reforçamento por meio dela acessadas pelo organismo.
Vamos analisar algumas importantes variáveis que podem influenciar a frequência do uso das tecnologias?
Disponibilidade do reforço
A mobilidade dos acessórios tecnológicos permite sua disponibilidade a qualquer momento do dia. É necessário apenas um celular em mãos para usufruir dos seus recursos e aplicativos, podendo-se até mesmo substituir outros objetos (agenda, bloco de notas, câmera fotográfica, filmadora…) que cumprem as mesmas funções.
A disponibilidade da tecnologia serve, também, como estímulo concorrente às contingências que produzem o ócio – e possível tédio – das pessoas. Aguardar atendimento em um consultório médico, por exemplo, era precedente para observar atividades úteis que pudessem reduzir a aversividade da situação, tais como: ler as revistas disponíveis, iniciar assunto com outras pessoas no ambiente ou distrair-se com seus próprios devaneios.
Os acessórios tecnológicos portáteis, no entanto, permitem esquivar-se com maior facilidade de momentos como esse, com ainda maior opções de entretenimento e reforço. A aversividade dos comportamentos encobertos do sujeito (pensamentos, sentimentos e estado corporal) passou a ser cada vez menos incômoda com tal disponibilidade da tecnologia.
Imprevisibilidade do reforço
Por meio da tecnologia acessam-se redes sociais, jogos, agenda e e-mail, entre outras fontes de reforçamento. Cada uma delas pode possuir a característica marcante de ser imprevisível. Não é possível prever se ao abrir sua principal rede social encontrará novas notificações ou atualizações interessantes em sua timeline, assim como não é possível prever se haverá novo e-mail em sua caixa de entrada.
A imprevisibilidade das fontes de reforçamento acessadas por meio da tecnologia é uma variável capaz de manter e/ou aumentar a frequência de sua utilização. Podemos considerar, portanto, que o reforçamento acessado é intermitente e, sobre isso, Skinner afirma:
É característico do reforço intermitente que o comportamento possa ser mantido por longos períodos de tempo com pouquíssima retribuição. (Skinner, 1974/2006, p. 55)
Desta forma, ainda que seja imprevisível e muitas vezes sequer ocorra, o uso da tecnologia para acessar fontes de reforçamento tende a se manter.
Imediatismo do reforço
A escolha das fontes de reforçamento acessadas por meio da tecnologia muitas vezes ocorre pelo imediatismo (e não pela frequência) do reforço. Vimos que acessar sua principal rede social e não encontrar notificações reforçadoras pode, ainda assim, manter o comportamento de acessá-la, mas é importante compreender que quando há notificações de interesse do sujeito estas têm efeito imediato.
O imediatismo ocorre quando o acesso à rede social ou ao e-mail, por exemplo, permite imediatamente ler e interagir com o reforço disponível. Este reforço pode ser uma resposta aguardada, uma conversa que se inicia online, um arquivo recebido, uma mensagem compartilhada ou qualquer estímulo consequente que resulte na resposta do organismo.
Reforçamento negativo
O imediatismo das fontes de reforçamento acessadas pela tecnologia é uma variável hipoteticamente relacionada à sua utilização em contingências aversivas (ou potencialmente menos reforçadoras). Com frequência, por exemplo, vemos motoristas dividirem sua atenção entre a condução do veículo e o uso do celular. Sabemos que a direção pode produzir contingências aversivas e demandar alto custo de resposta, de modo que o celular pode ser usado como fuga e esquiva da situação. Pela possibilidade de reforço positivo imediato que o uso do celular permite, as pessoas tendem a ignorar a infração passível de punição.
Assim pode ser, também, durante um jantar no qual um dos presentes manuseia o celular. Se durante o jantar há uma contingência aversiva, pode ser que a pessoa procure esquivar-se utilizando o aparelho para acessar fontes de reforçamento positivo – e se o reforço estiver disponível, terá efeito imediato sobre este comportamento, mantendo-o e/ou aumentando sua frequência.
Em ambas as situações, no entanto, é válido ressaltar que o reforço positivo produzido pelo uso do celular não interrompe a contingência aversiva (do trânsito ou do jantar). Pode-se dizer se tratar da produção de um estímulo concorrente; um atenuante à aversividade da situação.
Entrelaçamento de contingências positivamente reforçadoras
E se o uso da tecnologia não ocorrer durante contingências aversivas? E se a contingência vigente é positivamente reforçadora para o sujeito e, apesar disso, ele utilizá-la?
Consideremos o último exemplo descrito. Se na ocasião do jantar não houver contingências aversivas e o sujeito estiver legitimamente se divertindo, pode ser que esteja somando as demais fontes de reforçamento virtual à contingência positivamente reforçadora presencial. Seria este um entrelaçamento de contingências a favor do sujeito.
Em geral este entrelaçamento de contingências é positivamente reforçador somente para o sujeito e não para as pessoas com as quais está interagindo no momento. Ao contrário, para as pessoas com as quais interage presencialmente pode ser que seu comportamento de dividir a atenção a elas dedicada com o aparelho celular cause desconforto, mas esta consequência somente será assumida pelo sujeito como preocupação a depender de sua história de aprendizagem.
Reforço social
É importante considerar que a maioria das fontes de reforçamento acessadas pelos acessórios tecnológicos são de reforço social. Essa variável é especialmente determinante para a frequência deste comportamento, pois envolve a mediação pessoal para a obtenção do reforço, o que pode tornar a tecnologia uma ferramenta indispensável para acessá-lo.
Ainda, convém considerar o que Skinner afirma sobre reforço social:
O reforço social varia de momento para momento dependendo da condição do agente reforçador. Dessa forma, respostas diferentes podem conseguir o mesmo efeito, e uma resposta pode conseguir diferentes efeitos, dependendo da ocasião. Como resultado, o comportamento social é mais extenso que o comportamento comparável em um ambiente não-social. Também é mais flexível, no sentido de que o organismo pode mudar mais prontamente de uma resposta para outra quando o comportamento não for eficaz. (Skinner, 1979/2003, p. 325)
Se uma pessoa é fonte de reforçamento social, mas o contato com ela é possível somente virtualmente, por exemplo, o uso da tecnologia para acessá-la será ainda mais frequente. É relevante também considerar que obter reforço social no ambiente virtual demanda um repertório comportamental diferente do ambiente presencial. Enquanto presencialmente a interação social muitas vezes impossibilita a prévia preparação, a previsibilidade e até mesmo a edição do comportamento verbal, a interação social no ambiente virtual permite maior controlabilidade e, por consequência, redução da ansiedade, o que aumenta seu potencial reforçador.
Estas variáveis foram destacadas ao considerar as tecnologias como recursos para o acesso a fontes de reforçamento, mas é necessário dizer que a depender da comunidade verbal do sujeito o simples fato de tê-las e saber usá-las pode ser motivo de reconhecimento social por parte de familiares, amigos e colegas.
O uso da tecnologia é cada vez mais frequente a depender destas e de outras variáveis envolvidas, mas é necessário definir estratégias de intervenção quando sua frequência e intensidade deixar de ser salutar. Especialmente quando as fontes virtuais de reforçamento sobrepujarem demasiadamente as fontes presenciais de reforçamento.
Afinal, o equilíbrio ainda é uma das resoluções mais selecionadas para as diferentes problemáticas que provocam o sofrimento humano.
Referências
Imagem disponível em: <http://colunistas.ig.com.br/machoalfa/files/2008/11/foto_cortada.jpg>
Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1979/2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.