Autismo e Inclusão Escolar: O que dizem as leis brasileiras?

Em dezembro do ano passado a legislação brasileira deu mais um passo em direção à inclusão e aceitação social das pessoas com autismo. A Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, significou uma grande vitória para os autistas, seus familiares e profissionais que atuam com esta população. No § 2º do Art. 1º da Lei Berenice Piana está uma simples e óbvia afirmação, mas que faz toda a diferença quando é preciso garantir os direitos dos autistas: “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”. Na minha posição de leiga em Direito, quando li esta frase me espantei com a constatação de que isso ainda não era lei! Como assim? Até 2012 os autistas estavam simplesmente excluídos de todas as leis que protegem as pessoas com deficiência? Por isso tem sido tão difícil incluir esta população na sociedade.
O Art. 2º da Lei Berenice Piana estabelece as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Vou citar aqui uma destas diretrizes que considero particularmente importante: “o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis”. É um alívio ver esta necessidade básica e primordial transcrita assim, clara e objetiva, numa lei brasileira. Atuando na intervenção com autismo há 9 anos posso afirmar, com segurança, que o principal pilar do tratamento está na capacitação dos profissionais e, principalmente, dos familiares. É preciso ter pessoas estimulando estas crianças adequadamente o tempo todo e em qualquer lugar.
Uma das áreas da intervenção com autismo que, seguramente, mais se beneficiará desta e de outras leis de proteção das pessoas com autismo que ainda virão, é a inclusão escolar. Este tem sido o campo mais difícil em nossa atuação cotidiana, afinal, infelizmente, ainda existe muito preconceito, resistência à mudança e falta de preparo das escolas e dos profissionais para que a inclusão destas crianças realmente ocorra. Por isso, vou dedicar três artigos desta coluna a este tema. Neste primeiro artigo desta trilogia vou focar na legislação que garante o direito dos autistas à educação.
A Lei Berenice Piana, em seu Art. 3º afirma que o autista tem direito ao acesso à educação e ao ensino profissionalizante. Depois, em parágrafo único, a mesma lei afirma que “Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado.”. Aqui está outro grande alívio para nós, profissionais, que temos lutado por acompanhante especializado de escola em escola e que já ouvimos tantos “nãos” e tantos estranhamentos frente a este pedido. O acompanhante especializado é direito do autista e é fundamental para que ele se adapte ao meio escolar e consiga aproveitar ao máximo as estimulações deste contexto.
Claro que é sempre melhor conseguir que esse direito se faça valer por meio da parceria com a escola e com a equipe de educadores, explicando os motivos desta necessidade e mostrando que a criança precisa de uma atenção individualizada na maior parte do tempo. É importante convencer a escola de que esta atenção individualizada não pode ser disponibilizada pelo professor, afinal este deve ocupar o seu papel de referência do grupo e manter sua atenção para o coletivo. Sem esta figura de referência, a rotina da sala de aula também não se mantém e atrapalha ainda mais a inclusão do autista neste ambiente. Por isso, o acompanhante terapêutico (AT) é fundamental.
Entretanto, existem casos em que esta tentativa de parceria entre a escola, a família e a equipe de intervenção não é bem sucedida por uma resistência da escola. Algumas chegam ao cúmulo de já negar a matrícula da criança, antes mesmo de tentar com todas as estratégias oferecidas pela família e profissionais. Nestes casos, a família e a equipe de intervenção devem se respaldar na lei que protege a criança. O Art. 7º da Lei Berenice Piana diz que “O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários mínimos. O § 1º deste artigo completa dizendo que “Em caso de reincidência, apurada por processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa, haverá a perda do cargo.”.
Claro que não queremos colocar nosso filho ou cliente numa escola que só o aceitou porque a lei obrigou, queremos que nossos filhos e clientes estejam em um local onde são aceitos, amados, acolhidos e, principalmente, onde recebam a atenção que merecem, precisam e à qual têm direito. Queremos que estas crianças estejam em uma escola que se esforce para capacitar seus profissionais, que busque aplicar as orientações da equipe de intervenção, enfim, que realmente faça uma inclusão. Por isso, quando há outras opções de escolas mais inclusivas e mais abertas às mudanças que serão necessárias, pondero com a família a alternativa de mudar de escola ao invés de ter que apelar para a lei. Assim, na minha opinião, este recurso deve ser usado apenas quando realmente não há opções e, principalmente, no caso da educação pública.
Se a Lei nº 12.764 (Berenice Piana) estabelece que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, devemos considerar, também, as leis brasileiras que protegem a pessoa com deficiência. Afinal, graças à lei Berenice Piana, agora estas leis também incluem os autistas. Sendo assim, vale citar alguns pontos de algumas leis brasileiras que ditam os direitos das pessoas com deficiência no que se refere à educação. 
A constituição federal estabelece que a educação é dever do Estado e deve garantir, dentre outras coisas, o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (art.208, III). O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), relativamente à educação, em seu artigo 54, III, também assegura à criança e ao adolescente portador de deficiência, atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. 
Portanto, o direito da criança com deficiência de estar na rede regular de ensino está garantido. Mas será que está garantido que esta criança receberá o atendimento especializado que merece? Está garantido que os profissionais desta escola estarão capacitados para realmente incluir esta criança nas atividades acadêmicas considerando suas peculiaridades, suas necessidades especiais e as adaptações de ambiente e material? Na maior parte dos casos não. E é aí que está o verdadeiro problema. O direito à educação já está garantido, resta agora garantir que a criança com deficiência receberá a educação adequada. Infelizmente, disso ainda estamos muito longe. Ainda é um grande desafio tornar o ensino regular adequado e adaptado às necessidades especiais de cada criança. Afinal, o ensino regular é voltado para o coletivo e baseado na pedagogia tradicional que tem sido bem eficiente com o desenvolvimento típico, mas totalmente falha na educação especial.
Quando se fala em inclusão, normalmente, a referência é para a inclusão do portador de necessidades especiais em sala de aula regular, como dita a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, temos que considerar que, em alguns casos, a inclusão em sala regular não é possível por um determinado período da vida do estudante. Em alguns momentos, mesmo com todos os procedimentos de modificação de variáveis ambientais, treinamento de professores, acompanhamento individualizado e adaptação de materiais, a criança não está preparada para uma inclusão na rede regular. Isso pode ser dar por vários motivos, como por exemplo: alta frequência de respostas agressivas; nenhum comportamento de aluno instalado; o tamanho da turma regular, seu barulho e agitação interferem negativamente no comportamento e bem estar da criança de inclusão; etc. Nestes casos, é recomendável optar pela educação especial, pelo menos por um período, até que os pré-requisitos básicos sejam instalados e os comportamentos mais graves sejam controlados. Para isso, o ideal seriam as salas especiais que existem dentro de algumas escolas de ensino regular. Desta forma, garantiríamos o aprendizado em um ambiente adequado para aquela criança na sala especial com professores capacitados para este tipo de ensino e, ao mesmo tempo, garantiríamos a convivência do aluno de inclusão com as crianças com desenvolvimento típico em alguns momentos da rotina escolar, como por exemplo: lanche, recreio, aulas extras (educação física, artes, música, etc.).
Algumas leis já preveem esta necessidade. Por exemplo, a lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, na área da educação, rege o seguinte: “a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino”. Na área de recursos humanos um dos tópicos desta lei estabelece “a formação de professores de nível médio para a Educação Especial, de técnicos de nível médio especializados na habilitação e reabilitação, e de instrutores para formação profissional”.
Outro exemplo de lei que enfatiza a necessidade das salas especiais em alguns casos e por um período específico da educação é a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e contempla, no inciso III, do artigo 4º o dever do Estado com a educação escolar pública efetivado mediante, dentre outras, a garantia de atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino e, se necessário, com serviços de apoio especializado. Em seguida, no artigo 58, esta leia diz que, não sendo possível a integração do educando portador de necessidades especiais na rede regular de ensino, o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, já com início na educação infantil (de 0 a 6 anos).
Enfim, pode-se concluir que, no que tange à legislação, a inclusão de crianças com autismo ou outras deficiências está garantida, o que já é um grande passo. Entretanto, sabemos que, infelizmente, a lei sozinha não garante que as condições necessárias para a inclusão realmente aconteçam na prática. Esta parte tem ficado nas mãos dos profissionais responsáveis pelo tratamento destas crianças. Sendo assim, nos próximos dois artigos apresentarei a visão que a da Análise do Comportamento tem da educação e da inclusão, bem como o passo a passo para uma inclusão bem sucedida. 
Referências Bibliográficas:
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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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