Quem nunca passou pela experiência de um primeiro encontro? Nessa situação o horário e local foram agendados com antecedência e provavelmente você vivenciou sentimentos como ansiedade, decorrentes do fato de ter poucas ou nenhuma informação da pessoa com a qual foi se encontrar e da baixa previsibilidade sobre o que, de fato, ocorreria. Mesmo que não fosse possível determinar com exatidão o que iria acontecer, você certamente elaborou determinadas expectativas, bem como se arrumou da maneira que considerou mais adequada para a importante ocasião. Além disso, vale ressaltar que um primeiro encontro parte de algum objetivo, que pode envolver desde a busca de um relacionamento amoroso até interesses de nível profissional.
A partir desse cenário, percebe-se que o primeiro encontro entre terapeuta e cliente não foge à estrutura dos primeiros encontros em geral. Ambas as partes estão expostas a um contexto novo e diante de uma pessoa desconhecida. Mesmo terapeutas experientes ou clientes que já passaram por outros processos terapêuticos não são capazes de antecipar quais serão os resultados dessa interação. Dessa maneira, se você é um terapeuta iniciante ou é a primeira vez que faz psicoterapia também não precisa se cobrar em relação a isso.
Geralmente o nosso primeiro encontro com os nossos primeiros clientes se dá em uma clínica-escola, ainda na graduação, seja no formato de triagem ou da psicoterapia propriamente dita. No caso da triagem, inicialmente só temos acesso aos dados para contato com o cliente. Diferentemente, para a psicoterapia, a seleção do cliente é feita com base nas informações da triagem, contudo, ainda assim essas podem não mais corresponder às suas queixas atuais, uma vez que na maioria das situações a triagem já foi realizada há certo tempo e do mesmo modo o terapeuta não teve contato anterior com o cliente.
Os preparativos para o primeiro encontro
A fim de facilitar a condução das sessões iniciais, existem alguns pontos importantes que o terapeuta deve ficar atento, bem como habilidades que deve buscar desenvolver, principalmente os mais novos na prática clínica. Para o primeiro encontro, assim como para as demais sessões, já saímos de casa vestidos de psicólogos, ou seja, não nos apresentaremos da mesma maneira que nos vestimos para outros contextos. Afinal, tal como Conte e Brandão (2012) apontam, a aparência pode interferir nas percepções e análises que o cliente faz do profissional. Portanto, qualquer exagero deve ser evitado, desde a maquiagem, até o vestuário ou perfume. Da mesma forma, o modo como o cliente se veste também nos fornecem indícios da maneira como se coloca no mundo.
Vestidos adequadamente nos dirigimos ao local do encontro. Desde a preparação desse espaço até o contato com o cliente, os detalhes devem ser levados em consideração. Primeiramente, o terapeuta deve estar ciente das normas do local em que irá atender, se for em uma clínica-escola, costuma ser necessário o agendamento da sala e os materiais como fichas, gravador, sulfite, lenços de papel, entre outros precisam ser pegos com antecedência. Sendo assim, vale chegar alguns minutos antes da sessão, pois enquanto se prepara a mesma, também vamos nos organizando e ficando mais a vontade com a situação. Na sala, vale notar se iluminação e temperatura estão adequadas, bem como se os móveis estão em bom estado para uso e se seu relógio está funcionando. Um relógio parado, por exemplo, pode ser um inconveniente, uma vez que uma das funções do terapeuta é conduzir a sessão dentro de seus 50 minutos. Da mesma maneira, caso não tenha lenço de papel e o cliente comece a chorar ou o gravador não funcione e você não faça anotações, essas também serão situações desconfortáveis, então, procure evita-las. Mas caso ocorram imprevistos desse tipo, não é necessário que se desespere, tais eventos são passíveis de correção. Basta identifica-los e verificar a melhor alternativa disponível no momento, você pode pedir licença e buscar um lenço ou um copo d’água para o cliente se perceber que essa será a melhor saída.
Durante o primeiro encontro
Agora que as providências prévias foram tomadas e chega a hora da sessão, o primeiro passo é ir encontrar o cliente. Caso não haja atrasos, ele estará aguardando na recepção. Os cumprimentos iniciais podem ocorrer da maneira como ambos julgarem mais confortável e no caminho até a sala, nada melhor do que assuntos triviais, de modo que a interação comece de uma forma mais natural. No início você se apresentará e também fará perguntas a fim de verificar dados pessoais do cliente e o motivo que o levou a procurar atendimento. A famosa pergunta “O que o traz aqui?” provavelmente será realizada nesse momento. À medida que as informações sobre a queixa forem sendo relatadas pelo cliente, os questionamentos que a ele você dirigir serão no sentido de complementar o que foi dito e tirar certas dúvidas.
Lembre-se que o primeiro encontro é o primeiro encontro, ou seja, espera-se que existam outros encontros com o cliente. Sendo assim, procure seguir o ritmo dele, sem “bombardeá-lo” de perguntas logo no início, pois terá outras oportunidades para preencher as lacunas existentes com as informações necessárias à análise funcional. O próprio reconhecimento de que não consegue lidar com determinadas questões sozinho e precisa de ajuda, já pode ser uma condição desconfortável para o cliente, de modo que algumas revelações que envolvam maior grau de sofrimento talvez exijam certo tempo para que sejam expostas e cabe ao terapeuta sensibilidade para perceber isso.
Outro aspecto importante desse contato inicial se refere ao contrato terapêutico. Por meio dele serão estabelecidas as regras que nortearão o trabalho, tais como honorários, procedimentos em relação às faltas e reposições, periodicidade e duração das sessões. Quando o atendimento for realizado com crianças, adolescentes ou interditos é preciso que esse contrato seja feito com os responsáveis, tendo em vista que precisam estar cientes das normas do atendimento e também se comprometerem com o seu cumprimento. O contrato pode ser flexibilizado de acordo com as necessidades de cada cliente, no entanto, os limites precisam estar claros para ambas as partes. Inclusive, a maneira como o cliente lida com o que foi previsto pelo contrato pode também adicionar informações relevantes sobre seus comportamentos extraconsultório, em especial no que se refere à maneira como responde às regras.
Aliás, destaca-se que no primeiro encontro (e também nos encontros seguintes) não apenas o relato verbal é fonte de informações importantes, mas também os gestos, expressão facial, postura, entre outros comportamentos observáveis do cliente. Por isso cabe ao terapeuta observá-los e ao longo do processo terapêutico verificar a função, em especial se forem recorrentes e apresentarem alguma relação com as queixas do cliente. Os olhos e ouvidos do terapeuta são ferramentas de trabalho valiosas e devem ser usadas desde o primeiro contato com o cliente.
Próximo ao término do primeiro encontro é interessante que o terapeuta investigue como foi a sessão para o cliente e quais sentimentos ele vivenciou, pois assim é possível tecer uma ideia do que o primeiro encontro causou no cliente, o que talvez seja traduzido por emoções como alívio, ansiedade, tristeza ou alegria. Dado o tempo previsto para a sessão ou após a conclusão dos objetivos traçados para o primeiro encontro o encerramento pode ser realizado. Nessa etapa, o terapeuta pode relatar brevemente o que foi exposto pelo cliente, tanto para confirmar as informações, quanto para demonstrar sua atenção durante o encontro. Agenda-se o próximo encontro e terapeuta e cliente despedem-se.
E os próximos encontros?
Se ao longo do primeiro encontro o terapeuta foi capaz de propiciar um ambiente acolhedor e estabelecer um vinculo de confiança, de modo que o cliente sinta que encontrou o espaço no qual poderá se expor abertamente e se disponha a retornar para o atendimento, então o terapeuta atingiu os principais objetivos do primeiro encontro. Para isso é importante que o terapeuta tenha apresentado habilidades empáticas, Silvares e Gongora (1998) ressaltam que são comportamentos que demonstram aceitação do cliente por parte do terapeuta, bem como que esse é capaz de se colocar no lugar do cliente e compreende-lo, que fortalecem o vínculo entre ambos.
Tendo em vista que o papel que assumimos no setting terapêutico deve corresponder ao de uma audiência não punitiva, ao longo dos encontros o terapeuta deve representar uma fonte de reforçamento social, propiciando condições para que o cliente relate e apresente os comportamentos-alvo que em outros contextos são punidos. Assim, é possível que no decorrer do processo tais comportamentos sejam foco de intervenção, inclusive, na própria sessão. Para isso é necessário que o terapeuta esteja atento aos seus comportamentos e aos impactos que o comportamento do cliente tem sobre si.
Por mais que sejamos terapeutas iniciantes, para aquele que está diante de nós somos seus psicólogos, muitas vezes o profissional no qual depositam suas expectativas em busca de resolverem o problema que está causando sofrimento. É claro que não temos esse poder sem a participação do cliente e é importante deixá-lo ciente disso logo nas sessões iniciais. Contudo, temos um papel singular e devemos assumi-lo conscientes de nossa função.
Para nós terapeutas iniciantes essa responsabilidade parece ainda maior, nos observamos ao máximo para evitar falhas e isso é muito válido. Porém, não é possível controlar todas as variáveis, trata-se de uma relação entre seres humanos diferentes e ímpares e só saberemos suas consequências nos expondo às contingências e procurando ficar sensíveis a elas. Então caso tenha cometido algum “erro”, lembre-se que esses fazem parte do processo de aprendizagem.
Tal como descrevi no meu texto anterior, muitas são as nossas descobertas enquanto terapeutas iniciantes e espero que conforme a experiência clínica componha o nosso repertório comportamental nesse caminho de nos tornarmos terapeutas saibamos continuar descobrindo, no sentido de não nos acomodarmos diante das vivências inéditas que cada relação terapêutica, estabelecida a partir de cada primeiro encontro, nos proporciona.
Referências bibliográficas
Conte, F. C, S; Brandão, M. Z. S. (2012). Evento a que o clínico analítico-comportamental deve atentar nos primeiros encontros: das vestimentas aos relatos e comportamentos clinicamente relevantes. In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Marmo, A. (2012). A que eventos o clínico analítico-comportamental deve estar atento nos encontros iniciais?. In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Silvares, E. F. M.; Gongora, M. A. N. (1998). Psicologia Clínica Comportamental: a inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo: Edicon.
Silveira, J. M. (2012). A apresentação do clínico, o contrato e a estrutura dos encontros iniciais na clínica analítico-comportamental. In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
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