O conceito de inclusão tem permeado a fala de profissionais e pesquisadores das mais diversas áreas, configurando-se como um tema amplamente debatido atualmente. Aqui mesmo no Comporte-se, podemos encontrar textos que abordam o assunto: Autismo e inclusão escolar: o que dizem as leis brasileiras; O que Análise do Comportamento tem a contribuir com a inclusão escolar?; Autismo e inclusão escolar: o passo a passo; Inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho: a análise funcional de um paradigma social; Autismo e inclusão escolar: a visão da Análise do Comportamento. Mas, o que de fato é entendido como “inclusão”? Para facilitar o entendimento, podemos partir do pressuposto de que essa questão só se faz possível por alocarem-se pessoas em uma categoria de excluídos. Isso porque a sociedade parte da lógica da valorização da diferença como problema, doença ou “anormalidade”, gerando a necessidade de espaços diferenciados para o desenvolvimento de um determinado grupo de pessoas. E em que nós, analistas do comportamento, diferenciamo-nos desta visão hegemônica da sociedade? Não entendemos o que significa “anormalidade”.
Assim, a proposta de inclusão efetiva propõe a superação da concepção da diferença enquanto doença ou anormalidade, uma vez que entende o processo como uma possibilidade de abertura dos espaços sociais, garantindo o direito do cidadão de acessibilidade aos recursos de sua comunidade (Bartalotti, 2010).
E afinal, em que é importante discutir o conceito de inclusão sob uma ótica analíticocomportamental? Tendo em vista que o mundo dos seres humanos é formado em grande parte por outros seres humanos, o ambiente “físico” no qual vivem é, em boa medida, construído por nossa própria espécie. Dessa forma, se a compreensão do comportamento humano, como o de outras espécies, é pautada na análise das interações entre sujeito e ambiente, e se o ambiente humano é em grande parte composto pelas ações de outras pessoas, grande parte do comportamento humano é determinado por outros homens e mulheres. Sendo assim, podemos concluir que o interesse especial da Análise do Comportamento pelo comportamento humano a obriga a tratar de fenômenos sociais (Sampaio & Andery, 2010). A inclusão, por sua vez, tem importância política, cultural, social e econômica, uma vez que a sociedade tem suas estruturas sustentadas pelo trabalho. Todo cidadão usa o trabalho para o acesso aos bens disponíveis no mundo, além de participar da construção da sociedade.
Vamos agora tomar o vértice da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Essa questão tem sido amplamente discutida, inclusive em nossa legislação, por meio da “Lei de Cotas”. Isso porque o Brasil possui um contingente relativamente grande de sua população composto por pessoas com algum tipo de deficiência: segundo dados do IBGE do Censo de 2010, cerca de 23,9% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Porém, uma fatia relativamente pequena desta parcela encontra-se inserida no mercado de trabalho formal. De um ponto de vista econômico, manter uma pessoa com idade e potenciais condições fora do mercado de trabalho é inviável, levando em consideração o alto custo dos benefícios assistencialistas (Monteiro, Oliveira, Rodrigues & Dias, 2011).
No entanto, conforme Campos, Vasconcellos e Kruglianskas (2013), muitas vezes, a contratação do profissional com deficiência ocorre apenas por força das questões burocráticas impostas pela lei, como sua multa. Descartando particularidades de cada categoria de deficiência, não raro, há a seleção de profissionais com as deficiências consideradas menos complexas, ou seja, aquelas que necessitam de menos adaptações no ambiente de trabalho. Esse quadro evidencia a mobilização somente em relação às questões legais, em detrimento de uma efetiva promoção da responsabilidade social ou incorporação de valores éticos da inclusão e corrobora os dados analisados por Garcia (2014), que apontam que apenas pouco mais de 5,0% das vagas geradas são ocupadas por profissionais com deficiência mental/intelectual, se comparados com outros tipos de deficiência.
Mas, por que as empresas estariam (ou deveriam estar) interessadas em contratar pessoas com deficiência se não pela Lei de Cotas? Wehman (2011) destaca alguns pontos importantes em resposta a essa questão. Segundo ele, jovens com deficiência acabam por tornar-se não apenas bons funcionários, mas fantásticos. Fantástico aqui definido pelo trabalho diário e de alta produtividade. Além disso, consumidores potenciais têm a tendência de preferir empresas inclusivas, e funcionários que convivem com pessoas com deficiência apresentam alta sensibilidade ao incluir os colegas.
Os pontos levantados por Wehman (2011) vão ao encontro dos resultados de uma pesquisa realizada por Assis, Frank, Bcheche e Kuboiama (2014) do Instituto McKinsey & Company (2014), com o apoio do Instituto Alana, uma organização social de desenvolvimento infantil. A pesquisa teve o objetivo de verificar o valor que indivíduos com Síndrome de Down podem agregar às organizações. Segundo eles, a inclusão de pessoas com síndrome de Down no mercado de trabalho pode relacionar-se com benefícios em todos os sentidos: o trabalho influencia de maneira significativa a melhoria da qualidade de vida dos profissionais com síndrome de Down e a presença desses profissionais no ambiente de trabalho pode gerar melhorias na saúde organizacional das empresas.
Segundo Assis, Frank, Bcheche e Kuboiama (2014), há alguns desafios envolvidos na inclusão de pessoas com deficiência intelectual. O primeiro deles refere-se à falta de acessibilidade: barreiras arquitetônicas, urbanísticas e de comunicação acabam por privar indivíduos da possibilidade de acessar seus possíveis locais de trabalho. O outro refere-se ao despreparo das empresas para recebê-los, raramente estimulando em seus funcionários a prática de comportamentos ditos “adequados” para prover a essas pessoas acesso a tudo o que as empresas oferecem, de maneira respeitosa e inclusiva. A inclusão de pessoas com deficiência intelectual requer adaptações de materiais de treinamento para uma linguagem mais simples e o próprio preparo comportamental da equipe. Nesse contexto, cabe a pergunta: qual o nosso objeto de estudo? Justamente o comportamento.
Referências
Assis, V., Frank, M. Bcheche, G. & Kuboiama, B. (2014). O valor que os colaboradores com Síndrome de Down podem agregar às organizações. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/Content/uploads/201432419413_Estudo_INSTITUTO_ALANA_mar2014.pdf
Bartalotti, C. C. (2010). Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paulus.
Campos, J. G. F., Vasconcellos E. P. G. & Kruglianskas, G. (2013). Incluindo pessoas com deficiência na empresa: estudo de caso de uma multinacional brasileira. Revista Administração, 48 (3).
Garcia, V. G. (2014). Panorama da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho no Brasil. Trabalho Educação e Saúde, 12 (1).
Monteiro, L. B., Oliveira, S. M. Q. Rodrigues, S. M. & Dias, C. A. (2011). Responsabilidade social empresarial: inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Revista Brasileira de Educação Especial, 17 (3).
Sampaio, A. A. S. & Andery, M. A P. A. (2010). Comportamento social, produção agregada e prática cultural: Uma análise comportamental de fenômenos sociais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 183-192.
Sidman, M. (1966). Normal sources of pathological behavior. Em R. Ulrich, T. Stachnik & J. Mabry (Orgs.). Control of human behavior (pp. 42-53). Glenview: Scott, Foresman and Co.
Vilas Boas, D. L. O., Banaco, R. A. & Borges, N. B. (2012). Discussões da análise do comportamento acerca dos transtornos psiquiátricos. Em N. B. Borges & F. A. Cassas (Orgs.), Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. (pp. 95-101). Porto Alegre: Artmed.
Wehman, P. H. (2011). Employment for persons with disabilities: Where are we now and where do we need to go? Journal of Vocational Rehabilitation, 35 (1).