Entrevista com Craig Bryan: Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção ao Suicídio

A Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção ao Suicídio (TCCB) é um dos tratamentos mais eficazes disponíveis atualmente para pacientes em risco de suicídio. Ela é uma terapia transdiagnóstica, que foca no comportamento suicida ao invés de tratar possíveis transtornos psiquiátricos do paciente.

Na TCCB, nos esforçamos para fazer mais do que apenas manter as pessoas vivas; também tentamos ajudá-las a criar vidas que sejam significativas e que valham a pena ser vividas.

Convidamos um de seus criadores, Craig Bryan, para uma entrevista sobre as características da TCCB, sua adaptação à cultura brasileira e as características dos terapeutas mais efetivos neste tratamento. Confira a seguir.

A versão original, em inglês, encontra-se logo abaixo da versão traduzida para o português.

Comporte-se: Para começar, gostaríamos de conhecê-lo um pouco melhor. O que o motivou a trabalhar com pacientes em risco de suicídio? Você poderia compartilhar um pouco sobre isso?

Craig: Quando eu estava na pós-graduação em psicologia, meu diretor de treinamento clínico e principal mentor profissional era David Rudd, um pesquisador de prevenção de suicídio reconhecido internacionalmente. Ao final do meu treinamento de pós-graduação, ingressei nas forças armadas dos Estados Unidos como psicólogo exatamente quando a taxa de suicídio das forças armadas começou a aumentar. Ao final do meu serviço militar, fui enviado ao Iraque, onde eu fiquei face a face com o suicídio de uma forma nova que teve um efeito profundo em mim. Quando o pessoal militar morria por suicídio, eles eram trazidos ao nosso hospital para que pudéssemos cuidar de seus corpos e manter tudo funcionando, para que pudessem ser levados de volta para casa para doação de órgãos. Foi a primeira vez que vi corpos sem vida. Porque esses suicídios quase sempre envolviam armas de fogo, fui confrontado com a realidade brutal do suicídio — algo que eu não havia encontrado anteriormente. Foi uma experiência transformadora que mudou o curso da minha carreira.

Comporte-se: A TCCB é reconhecida globalmente como um tratamento altamente eficaz para pacientes em risco de suicídio. Mesmo assim, em países como o Brasil, poucos tiveram acesso a ela. Além de sua eficácia, o que um terapeuta interessado em TCCB poderia descobrir ao aprendê-lo? O que a TCCB oferece aos terapeutas que começam a trabalhar com ela?

Craig: Nós geralmente pensamos na prevenção do suicídio a partir da perspectiva de manter as pessoas vivas. Na TCCB, nos esforçamos para fazer mais do que apenas manter as pessoas vivas; também tentamos ajudá-las a criar vidas que sejam significativas e que valham a pena ser vividas.

Comporte-se: A população de pacientes que apresenta comportamento suicida é bastante heterogênea. Levando isso em consideração, para quais grupos TCCB é recomendada? Existe algum grupo para o qual a TCCB não seja a opção mais apropriada? Se sim, qual grupo seria esse e qual seria a alternativa?

Craig: A TCCB é apropriada para pessoas que estão passando por pensamentos suicidas ou que tentaram suicídio recentemente. Ainda não identificamos nenhum grupo para o qual a TCCB não deva ser utilizada. Estamos atualmente conduzindo pesquisas focadas em descobrir isso, porém. Sabemos que a TCCB é melhor em média do que outros tratamentos, mas algumas pessoas ainda tentam suicídio durante e depois da TCCB, sugerindo que o tratamento não está atendendo plenamente às necessidades delas. Minha esperança é que em breve tenhamos uma noção melhor de por que e como o tratamento ajuda algumas pessoas mais do que outras.

Comporte-se: Se considerarmos tratar um paciente brasileiro típico, que tipos de adaptações culturais podem ser necessárias? E quais elementos não podem ser alterados para que a terapia permaneça eficaz?

Craig: Estamos atualmente trabalhando com pesquisadores ao redor do mundo (incluindo pesquisadores no Brasil) para garantir que o tratamento seja adequado para diferentes culturas e nações. Nosso trabalho inicial nesse sentido sugere que os princípios e conceitos centrais da TCCB podem ser mantidos, o que significa que não precisamos necessariamente mudar os procedimentos e componentes específicos do tratamento. O foco principal do tratamento em regulação emocional e flexibilidade cognitiva, por exemplo, são provavelmente mecanismos centrais que devemos continuar a abordar independentemente da nacionalidade ou cultura. No entanto, a maneira como administramos esses procedimentos para atender às necessidades únicas de diferentes indivíduos, de diferentes origens, pode precisar ser adaptada, para garantir que estamos usando a linguagem correta e transmitindo as ideias de uma forma que faça sentido.

Comporte-se: Quais características pessoais podem facilitar o trabalho de um terapeuta com pacientes suicidas?

Craig: Na minha opinião, os terapeutas de TCCB mais eficazes são capazes de equilibrar a fidelidade ao protocolo, ou seja, entregar a intervenção de forma confiável, como foi originalmente concebida, com a adaptabilidade a diferentes pessoas e situações. Terapeutas bem-sucedidos em TCCB também possuem um alto nível de paciência e são capazes de tolerar a incerteza. Por fim, eles devem ser capazes de ter empatia pelos pacientes e de ver as experiências suicidas dos pacientes pelos olhos deles.

Versão em Inglês/ English Version

Comporte-se: To begin, we would like to get to know you a little better. What motivated you to work with patients at risk of suicide? Could you share a bit about it?

Craig: When I was in graduate school for psychology, my clinical training director and primary professional mentor was David Rudd, an internationally recognized suicide prevention researcher. At the end of my graduate training, I joined the U.S. military as a psychologist just as the military’s suicide rate started increasing. At the end of my military service, I was deployed to Iraq, where I cam face to face with suicide in a new way that had a profound effect on me. When military personnel died by suicide, they were brought to our hospital so we could care for their bodies and keep things functioning so they could be returned home for organ donation. It was the first time that I saw dead bodies. Because those suicides almost always involved firearms, I was confronted with the brutal reality of suicide—something that I had not encountered previously. It was a transformative experience that changed the course of my career.

Comporte-se: BCBT is globally recognized as a highly effective treatment for patients at risk of suicide. Even so, in countries like Brazil, few have had access to it. Beyond its effectiveness, what might a therapist interested in BCBT discover when learning it? What does BCBT offer to therapists who begin to work with it?

Craig: We often think about suicide prevention from the perspective of keeping people alive. In BCBT, we strive to do more than just keep people alive, though; we also try to help them create lives that are meaningful and worth living.

Comporte-se: The population of patients exhibiting suicidal behavior is quite heterogeneous. Taking this into consideration, for which groups is BCBT recommended? Is there any group for which BCBT is not the most appropriate option? If so, which group is that and what would be the alternative?

Craig: BCBT is appropriate for people who are experiencing suicidal thoughts or have recently attempted suicide. We have not yet identified any groups for which BCBT should not be used. We are currently conducting research focused on figuring this out, though. We know that BCBT is better on average than other treatments but some people still attempt suicide during and after BCBT, suggesting the treatment is not fully meeting their needs. My hope is that we’ll soon have a better sense of why and how the treatment helps some people more than others.

Comporte-se: If we consider treating a typical Brazilian patient, what kinds of cultural adaptations might be necessary? And what elements cannot be altered in order for the therapy to remain effective? (In other words: what can be flexible and what cannot?)

Craig: We’re currently working with researchers around the world (including researchers in Brazil) to make sure that the treatment is suitable for different cultures and nations. Our early work in this space suggests the core principles and concepts of BCBT can be retained, meaning we don’t necessarily need to change the treatment’s specific procedures and components. The treamtent’s primary focus on emotion regulation and cognitive flexibility, for instance, are probably core mechanisms that we should continue to target regardless of nationality or culture. How we administer these procedures to meet the unique needs of different individuals from different backgrounds may need to be adapted, though, to make sure we’re using the right language and conveying ideas in a way that makes sense.

Comporte-se: What personal characteristics might facilitate a therapist’s work with suicidal patients?

Craig: In my opinion, the most effective BCBT therapists are able to balance protocol fidelity, meaning they deliver the intervention reliably as it was originally designed, with adaptability to differnet people and different situations. Successful BCBT therapists also possess a high level of patience and are able to tolerate uncertainty. Finally, they must be able to empathize with patients and be able to view patients’ suicidal experiences from their eyes.

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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Especialista em Psicologia Clínica/ Terapia Comportamental (ITCR/ Campinas) e em Neurociências e Comportamento (PUCRS/ Porto Alegre). Faz parte do Programa de Formação de Treinadores em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral Tech/ Seattle, WA). Possui Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética – DBT (Behavioral Tech, US), em DBT PTSD PTSD (DBT Latino América/ Buenos Aires e DBT Brasil/São Paulo), em DBT PE (DBT Brasil) e em Ativação Comportamental (IACC SUL/ Curitiba). Possui treinamento em Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção ao Suicídio (Craig Bryan, US) e em Fundamentos das Terapias de Exposição (Behavioral Tech, US). Possui formação em Prática Baseada em Evidências (Leo Costa, São Paulo), em Psicoterapia Baseada em Evidências (InPBE, São Paulo) e em Terapias Eficazes para Depressão (Curt Hemmany, São Paulo). É sócio e Diretor Pedagógico na Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde realiza atendimento clínico e supervisão em Psicoterapia Baseada em Evidências e em Terapia Comportamental Dialética. Coordena a Plataforma de Educação Continuada Ello +. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento, já organizou dois livros de Terapia Comportamental, além de ter escrito capítulos para outras obras da área.

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