Ao longo da graduação de Psicologia muito se fala sobre abordagens teóricas e modos de intervenção com pacientes, mas pouco se menciona a respeito da base para que todo o nosso trabalho aconteça: a relação terapêutica. “A relação terapêutica é, antes de tudo, uma relação pessoal. Trata-se do cliente, como pessoa, interagindo com a pessoa do profissional” (Otero, 2012, pág. 200). Entender esse aspecto é de fundamental importância e contrapõe a visão tão propagada de que um terapeuta deve ser 100% neutro. Essa neutralidade é utópica e traz um enorme peso ao profissional, que, marcado por essa fala, pode se ver, especialmente no início de sua carreira, buscando não sentir nada em seus atendimentos.
O terapeuta está sujeito a se deparar com aversivos diante da interação com seu paciente e isso não lhe torna um mau profissional em virtude disso. Não podemos esquecer que antes de terapeutas, somos humanos, e, portanto, as narrativas trazidas por nossos pacientes podem se entrelaçar de alguma forma com aspectos dolorosos de nossa própria história (pessoal ou profissional). Sendo assim, será preciso uma análise minuciosa por parte do clínico para destrinchar qual a parcela se refere a si (e a sua história) e qual se refere ao paciente, e estabelecer limites, inclusive do quanto esse trabalho tem (ou não) a possibilidade de prosseguir. Estabelecer limites é lícito, ético e humano.
A relação construída entre terapeuta e paciente se inicia na primeira sessão e vai se firmando com o decorrer dos atendimentos, e ainda que não se baseie meramente em um marco temporal, é inegável que demandará um tempo de construção e consolidação, como qualquer relação humana. Nesse sentido, é imprescindível que nós, enquanto terapeutas, tenhamos uma convicção: “o relacionamento terapêutico supera a técnica” (Schwartz, 2008, pág.76). Afinal, até mesmo a escolha da intervenção por parte do clínico não se dá de forma aleatória, pois, “ao fazer hipóteses sobre o que ocorre com o cliente, o profissional está sob o controle das informações providas pelo cliente (queixas e relatos) e das contingências pessoais que vigoram ou vigoraram sobre ele, clínico” (Otero, 2012, pág. 201).
Antes de começar o processo terapêutico o paciente se encontra diante de um cenário que se mostra aversivo em algum grau, e, portanto, uma escuta ativa e não punitiva é um primeiro passo para que se estabeleça uma abertura a construção de uma conexão. Vale ressaltar que essa abertura precisará ser mútua, e, sessões semanais não garantem por si o êxito dessa relação. Não basta que paciente e terapeuta se vejam (pessoalmente ou de forma online). É preciso que eles efetivamente estejam abertos ao encontro.
Por fim, gostaria de ressaltar que nosso exercício profissional nos abre a belíssima possibilidade de colaborarmos ativamente na melhoria da qualidade de vida dos nossos pacientes, bem como nos traz a possibilidade de aprendizado e enriquecimento profissional e pessoal, diante de tantas narrativas ouvidas. Um novo paciente não nos traz apenas novas histórias. Ele nos traz novas possibilidades de aprendermos sobre o comportamento humano e suas interações.
Minha mensagem final a você terapeuta é: aprenda com cada novo paciente, mas não esqueça que você também faz parte dessa equação chamada relação terapêutica, e cuidar de você, é também cuidar do profissional que você será.
Referências Bibliográficas
- Otero, V.R.L. Considerações sobre valores pessoais e a prática do psicólogo clínico. In: Borges, N.B., Cassas, F.A. & colaboradores. Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. (2012). Porto Alegre: Artmed
- Schwartz, B. (2008). Como falhar na relação? Os 50 erros que os terapeutas mais cometem. São Paulo: Casa do Psicólogo