Autocontrole para quê?

Uma das noções mais centrais da Análise do Comportamento é a de controle, que descreve as relações de influência entre estímulos e respostas em que antecedentes e consequentes alteram a frequência do responder do organismo. Em psicoterapia é comum trabalharmos com o autocontrole, a mudança na ocorrência de comportamentos do cliente manejada por ele mesmo, em função de consequências planejadas e apetitivas. Disso depende o desenvolvimento de habilidades para que consequências em longo prazo controlem comportamentos que são menos prováveis de acontecer diante da consequenciação imediata de outras respostas. Um exemplo típico desse tipo de contingência é a procrastinação, quando a pessoa adia tarefas importantes enquanto permanece engajada em atividades imediatamente reforçadas, como lavar louça em vez de escrever um artigo. Com o uso da habilidade de autocontrole, a pessoa pode alterar a estimulação e/ou a própria resposta em direção ao objetivo alvo, o que, no caso artigo vs. louças, pode significar mudar o contexto e o controle discriminativo ao ir para uma biblioteca, usar a técnica pomodoro diminuindo o custo da resposta, ou recompensar pequenos avanços na escrita do artigo tornando a consequenciação mais imediata.
Na clínica, no entanto, as dificuldades e o sofrimento que lidamos comumente são mais complexos, envolvendo não apenas a gestão de comportamentos explícitos, mas também a compreensão e intervenção em outras 5 diferentes dimensões psicológicas: afetiva, cognitiva, atencional, motivacional e do self (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2012). É o que acontece, por exemplo, no fenômeno da ansiedade, em que os comportamentos de evitação, apesar de fazerem a manutenção de um ambiente aparentemente seguro e proporcionarem sensação de alívio imediato, reforçam e perpetuam o próprio quadro ansioso, em um ciclo autorreforçador (Hayes & Hofmann, 2023). Uma vez que o reforçamento negativo se beneficia de “prova negativa”, o fato de não haver evidências de que o evento aversivo deixou de ocorrer devido à resposta esquiva, ele pode se perpetuar como em reforçamento contínuo. Se “os homens agem sobre o mundo e o modificam e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação”, então a relação entre resposta e consequência é bidirecional, de influência mútua – a evitação mantêm as contingências de ansiedade que, por sua vez, implicam em mais evitação. 
Para ilustrar, imagine uma pessoa que procura terapia por estar sofrendo cronicamente com essa tal ansiedade, intensificada após seu marido, um homem ainda jovem, descobrir que sofreu um pequeno infarto. A partir de então, qualquer sinal de desconforto físico deixa a cliente hipervigilante e faz com que ela se isole em casa. Como ela realmente não sofre um agravo de saúde, aprende a se proteger e se assegurar assim. Presumivelmente, a contiguidade entre o responder evitativo e o não adoecimento acabou por fortalecer o repertório ansioso, promovendo mais adoecimento pela manutenção de respostas que “parecem, mas não são” as que de fato controlam os estímulos consequentes; até porque um infarto em boa medida não é diretamente controlável. Assim sucede o ciclo autorreforçador da ansiedade, em que padrões de evitação de situações aversivas/pré-aversivas e da própria sensação de ansiedade (a esquiva experiencial) se perpetuam.

Um adendo: respostas esquivas podem ser saudáveis, e isso ocorre quando o responder é mesmo contingente com a prevenção de consequências aversivas – como não fumar para diminuir a probabilidade de infartar.

Fortalecendo as contingências de evitação, também ganha força a ansiedade. A atenção se torna hipervigilante, à procura constante de ameaças, enquanto os pensamentos são catastróficos, suscetíveis a se tornarem profecias autorrealizadoras; os afetos são intensos e desproporcionais, gerando um estado constante de medo, insegurança e angústia; o indivíduo acaba se identificando com a ansiedade, dada a prevalência dessa experiência, e fica motivado a evitar tal desconforto, resultando em esquivas que limitam a capacidade de enfrentar os desafios e contatar reforçadores – inclusive sociais, vitais para os seres humanos. Diante da imbricação de todas essas dimensões, o processo terapêutico deve articular o comportamento explícito, manejado pelo autocontrole, aos pensamentos, afetos e motivações do indivíduo.
Compreendendo que as consequências geradas pela esquiva são imediatas, entende-se que as intervenções para interromper esse ciclo precisam envolver a mudança no controle do comportamento. Nesse sentido, as intervenções em comportamentos evitativos requerem o treino de autocontrole, a mudança nas próprias respostas para gerar consequências que, apesar de atrasadas, são valorosas para a pessoa (Hayes, Strosahl & Wilson, 2012). Ficar apenas sob controle de consequências atrasadas não necessariamente é um indicador de saúde, pois pode implicar em um excesso de rigidez característico de diversos quadros clínicos. O autocontrole precisa estar em função do acesso a reforçadores positivos, não motivado pelo reforçamento negativo; precisa figurar o compromisso com os valores da pessoa. Quando o objetivo não se restringe à redução de sintomas, mas se expande para o ganho de variabilidade comportamental, nós, terapeutas, estamos agindo com ética e a favor da saúde.

Referências

COÊLHO, C. de N.; TOURINHO, E. Z. O conceito de ansiedade na análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapias Comportamentais e Cognitivas, v. 9, n. 2, p. 255-270, 2007.
SKINNER, B. F. Comportamento Verbal. Tradução de João Carlos Todorov. São Paulo: Editora Cultrix, 1978.
SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
HAYES, Steven C.; HOFMANN, Stefan G. Aprendendo a Terapia Baseada em Processos: Treinamento de Habilidades para a Mudança Psicológica na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed, 2023.
HAYES, Steven C.; STROSAHL, Kirk D.; WILSON, Kelly G. Acceptance and Commitment Therapy: The Process and Practice of Mindful Change. 2. ed. New York: The Guilford Press, 2012.

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Classificação do artigo

Escrito por Francine Fernandes

Formada em Psicologia pela UFSCar e especialista em Clínica Analítico-Comportamental, atua como psicoterapeuta e supervisora clínica.

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