Sabe aquela pessoa que “sufoca”? Pais, namorado/a, amigo/a ou cliente que pedem demais por atenção, se estão na vida de um analista do comportamento, possivelmente terão esse comportamento analisado… e será desvendado que o sufocar é uma classe de respostas sob controle de classes de estímulos que selecionam o repertório e estabelecem ocasião para o responder. Mas, afinal, por que só algumas pessoas são sufocantes e não todas as que tiveram respostas dessa classe reforçadas? O que faz um estímulo ser reforçador e funcionar com eficácia para uma pessoa e para outra não? Como diria Shakespeare em Hamlet: “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. A boa notícia é que nem tão vã e nem tão sonhadora é a filosofia behaviorista e, radicada nela, podemos refletir com consistência sobre essas perguntas.
No meu trabalho clínico acompanho uma pessoa muito querida e também sufocante que, ao final das nossas sessões quase sempre estendidas, recorre às mensagens e ligações para continuar a conversa… Claro que tão logo isso começou a acontecer, a classe de respostas de fazer contato se tornou um alvo de intervenção de diversos procedimentos que planejei baseados na consequenciação (salve reforço diferencial!). No entanto, todas as ideias que eu tinha pareciam ingênuas para mim, deixando de considerar algo mais importante que eu sabia que estava acontecendo: aquilo que mantinha a minha força como estímulo discriminativo, e que não era simplesmente a consequência que eu disponibilizava, mas a operação estabelecedora que a potencializava. Em uma histórica privação afetiva e mantendo relações quase sempre superficiais, essa pessoa estava cercada de gente com um bom papo sobre livros, filmes e viagens, mas com quem persistentemente se sentia só e vazia. Para conseguir ajudá-la genuinamente, eu, então, teria de fazê-la acessar os reforçadores que estavam inacessíveis nas contingências abarrotadas de condicionados (saberes, elogios, gracejos e piadas), mas vazias de intimidade. Essa privação funcionava como uma operação estabelecedora que modulava todas as contingências… Mas, calma aí, o que é mesmo uma Operação Estabelecedora?
As OEs, junto com as Operações Abolidoras, são condições antecedentes chamadas motivacionais, que alteram tanto a efetividade reforçadora de um estímulo como a frequência das respostas que tem sido reforçada por ele. O efeito atinge os três termos da contingência: no reforçador, acentua o efeito; na resposta, aumenta a probabilidade de emissão; e no SD, acresce a efetividade evocativa. Enquanto as OEs estabelecem, as Operações Abolidoras suprimem a efetividade de eventos reforçadores. Isso esclarece a importância de considerar as Operações Motivacionais (estabelecedoras e abolidoras) como mais um elemento da relação de contingência para o clínico analítico-comportamental, que pode identificar a função das diferentes variáveis intricadas em uma relação funcional e distinguir como os eventos históricos e atuais participam e interagem no controle do comportamento.
As operações estabelecedoras podem ser incondicionadas ou condicionadas, a depender da consequência reforçadora em vigor. Se inata, como as consequências relacionadas à dor, sexo, hormônios, condições de temperatura e privações/saciações de água, alimento, oxigênio, atividade ou sono (Michael, 1993), a operação em curso será incondicionada. Se a consequência tiver seu valor aprendido, como mais comumente acontece nas nossas histórias particulares, a operação estabelecedora será condicionada. Nesse sentido, a distinção é feita apenas com base no efeito estabelecedor do reforço.
Diferentes pesquisas em Análise Experimental e Aplicada investigam as OEs e vêm refinando o conceito dessa operação bem como a sua influência na formulação de intervenções efetivas. O Journal of Applied Behavior Analysis (JABA), por exemplo, publicou um volume sobre o tema em 2000, demonstrando a importância das OEs na aplicação e trazendo dados como o que trata a carência de atenção sob o ponto de vista da privação, operação capaz de evocar comportamentos historicamente reforçados com esse estímulo, mesmo sendo tais respostas autolesivas e agressivas (Durand e Crimmins, 1988; McGill, 1999). Nas pesquisas desenvolvidas sobre o tema, a intervenção abrangia o reforçamento diferencial de outras respostas (esquema DRO) e liberação de reforços em esquema de tempo fixo, o que permitiu a modificação dos excessos comportamentais por meio da manipulação dos eventos antecedentes ao operante, deixando a relação entre resposta e consequência, já muito bem aprendida, fora de manejo.
Lembram do meu cliente sufocante? Pois é, ele também se beneficiou dessa intervenção, somada a uma posterior modelagem de novas respostas para passar a fazer contato com o afeto que permeava as suas relações. E aqui faço um adendo: em conversas com a Jéssica Gomes, psicóloga de Brasília com atuação na Psicoterapia Analítico-Funcional, fui apresentada a uma nova noção de afeto, encontrada em Millenson (1975). Afeto, como um reforçador primário adicional, tem a ver com impacto que sentimos e provocamos no outro e de que comumente nos esquivamos, tanto por termos sido punidos na nossa história quanto por sermos condicionados a outros reforçadores sociais como aprovação, simpatia, status etc. Nesse sentido, durante o meu progresso com meu cliente sufocante, comecei a receber pedidos de mais um encontro na semana no lugar das várias mensagens mantendo a conversa e a ouvi-lo me contar quanto e como conversar comigo fazia falta no tempo entre as nossas sessões… Pedidos agora mais diretos e saciáveis de atenção.
Ainda existe outro efeito importante de ser analisado aqui. Retomando a definição, as OEs estabelecem: o efeito do reforçamento, alterando a efetividade reforçadora do estímulo; o efeito do responder, aumentando a emissão de qualquer resposta que produza determinado estímulo consequente; e o efeito evocativo, aumentando a força dos SDs relacionados às consequências. Somando a todos esses efeitos, ocorre ainda o aumento da efetividade reforçadora dos estímulos reforçadores condicionados. Quando o meu cliente insiste em falar do filme que estreou para os amigos que acham o máximo a novidade, a privação de afeto torna essa interação, limitada às novidades do filme, muito reforçadora, ocasionando o aumento da frequência das respostas dessa classe. Porém, o reforço para ele, pessoa (e não um filme!), permanecia escasso e intermitente, porque a atenção dos amigos era desviada para o tema da conversa; isso o deixava insaciado de afeto e mantinha a repetição do seguinte ciclo:
A força dos reforçadores condicionados para essa pessoa fez com que ela chegasse para a terapia sofrendo sem saber dizer por quê. Tudo parecia certo e ajustado… Menos como ela se sentia. Talvez um terapeuta menos preparado para reconhecer as OEs reagisse ao sofrimento desse cliente com certa irritação, julgando como sufocante o que, na verdade, era uma genuína e dolorida privação. Ao considerar que a efetividade de uma consequência é alterada pela operação que estabelece o valor do reforço e evoca comportamentos relacionados historicamente com esse reforço, entende-se que as consequências terão efeitos sobre o comportamento somente se estiverem estabelecidas como reforçadores. Não parece pouco para um fenômeno como esse chamar a atenção de nós, Analistas do Comportamento!
Dougher, Michael J., & Hackbert, Lucianne. (2003). Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 167-184.
Durand, V. M.; Crimmins, D. B. (1988). Identifying the variables maintaining self-injurious behavior. Journal of Autism and Developmental Disorders, 18, 99-117.
McGill, P. (1999). Establishing operations: Implications for the assessment, treatment and prevention of problem behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 29, 43-51.
Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16(2), 191-206.
Miguel, C. F. (2000). O conceito de operação estabelecedora na análise do comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 259-267.
Millenson, J. R. (1975). Princípios de Análise do Comportamento. Brasília: Coordenada (trabalho original publicado em 1967).
Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov; R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes (Obra publicada originalmente em 1953).
Sundberg, M. L. (1993). The applications of establishing operations. The Behavior Analyst, 16, 211-214.