A presença de comportamentos repetitivos é uma das característica definidoras do diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista – TEA. Tais comportamentos, também conhecidos como estereotipias, podem ser apresentados das mais diversas formas: Motoras, verbais (ecolalias) ou ainda, podem ser apresentadas de forma complexa, como uma aderência inflexível a rotinas, fixação por parte de objetos, resistência a mudanças etc.
Apesar das estereotipias serem apresentadas de diferentes formas, elas têm como característica comum o fato de serem repetitivas, rígidas, invariáveis e com uma tendência a serem inapropriadas: Ocupam grande parte do repertório comportamental das pessoas com autismo, aparecem em diferentes contextos, atrapalham o aprendizado e a manutenção de habilidades anteriormente aprendidas, diminuem o comportamento de brincar espontâneo, e, geralmente, aumentam a latência de respostas a estímulos ambientais e sociais. A estereotipia, ainda, estigmatiza socialmente as pessoas com TEA.
Diante dos efeitos nocivos da estereotipia no desenvolvimento, na aprendizagem e na socialização das pessoas com TEA, tal comportamento é alvo frequente de intervenção. As intervenções, normalmente, têm como meta a diminuição da frequência e intensidade dos comportamentos estereotipados, bem como o desenvolvimento de comportamentos relacionados a aprendizagem, ao brincar e a socialização.
Dentro do cabedal teórico e científico que compõe a Análise do Comportamento, não existe outra maneira de compreender a estereotipia senão como um comportamento operante mantido por contingências de reforçamento (positivo ou negativo). Tais contingências podem envolver consequências reforçadoras automáticas ou consequências socialmente mediadas (Reed et al. 2012, p. 423). Em outras palavras, um flapping emitido por uma mesma pessoa ou por diferentes pessoas, podem ser mantidos por consequências reforçadoras distintas, ou seja, podem ter funções diferentes.
Assim, o tratamento das estereotipias dentro dessa perspectiva é conduzido apenas após uma avaliação/análise funcional individualizada, que definirá o tratamento particularmente indicado para cada caso. Para uma estereotipia mantida por reforçamento mediado, pode-se trabalhar com uma linha de intervenção que contemple o desenvolvimento do comportamento verbal.
Os maiores desafios, no entanto, têm sido desenvolver intervenções para estereotipias mantidas por reforçamento automático, também chamadas de autoestimulações. Tal dificuldade se deve ao fato dessas estereotipias serem evocadas e mantidas por eventos que normalmente não observamos (ocorrem, em grande parte dos casos, dentro do corpo desses indivíduos). Neste caso, os tratamentos relatados na literatura científica contemplam a identificação e apresentação de estímulos competitivos, que manterão outras respostas mais apropriadas. Esses estímulos podem ser arbitrários (unmatched items) ou seja, que não são funcionalmente relacionados a estereotipia. Ou podem ser estímulos pareados (matched items), ou seja, que produzem as mesmas consequências automáticas produzidas pelas estereotipias. O tratamento pode, ainda, envolver esquemas de reforço não contingente, ou seja, os estímulos competitivos são apresentados não contingente a emissão da estereotipia. Contingências de custo de resposta (perda do estímulo competitivo após a emissão da estereotipia em tratamento) também podem ser implementados. Além disso, procedimentos como bloqueio ou interrupção de respostas; reforço diferencial de uma resposta apropriada também podem ser prescritos. (Reed et al., 2011).
Justamente por se tratar de estereotipias cujos antecedentes e consequentes são de difícil acesso (provavelmente ocorrem sob a pele das pessoas), tenho visto inúmeros profissionais “analistas do comportamento” indicarem profissionais “alternativos” para o tratamento desses comportamentos. O tratamento mais citado é a integração sensorial, pautado na teoria de Ayres, 2005. A grosso modo, a teoria da integração sensorial pressupõe que os indivíduos devem integrar e organizar as experiências sensoriais para ter um bom funcionamento em seu ambiente. Caso contrário, respostas adaptativas, como as estereotipas, são emitidas com o objetivo de equilibrar/regular as sensações. Tais respostas são, em última análise, as estereotipias. De acordo com essa teoria, para melhorar a integração sensorial dos indivíduos com TEA, os profissionais devem proporcionar algumas experiências sensoriais diversas, que alterará o cérebro, o comportamento e os sintomas do autismo (Ayres, 2005). Dentro desse escopo teórico, dois tipos de tratamento são normalmente oferecidos: (1) Dieta sensorial – os indivíduos são expostos a certos tipos de materiais sensoriais em períodos regulares – e/ou (2) Massagem de pressão profunda e escovação nas juntas e pele, com escovas especiais e pressão com técnicas especiais (Wilbarger & Wilbarger, 1991).
Resumidamente, a Análise do Comportamento enfatiza tratamentos individualizados focados na função do comportamento, com acompanhamento e controle científico dos resultados produzidos a partir de suas intervenções. A integração sensorial foca em apresentar estímulos sensoriais diversos ao indivíduo, a despeito da função do comportamento alvo, sem o compromisso científico de coleta de dados para apresentar resultados demonstráveis. Em um estudo de revisão de pesquisas que envolveram a integração sensorial, Lang et al. (2012) identificaram 25 estudos com esse fim. Dos 25 estudos publicados, apenas sete apresentaram metodologia passível de produzir dados confiáveis. Dos sete estudos, cinco não produziram dados de melhora nas estereotipas e nos sintomas de autismo e dois tiveram resultados variados (alguns participantes melhoraram com o tratamento e outros não).
Concluo sugerindo que nós, analistas do comportamento, tratemos as esterotipias com a teoria e metodologias que nos une; que apresentemos os resultados de nossas intervenções aos clientes e a comunidade que nos cerca. Os indivíduos com TEA têm o direito e devem receber o melhor tratamento que nossa disciplina tem a oferecer.
Referências Bibliográficas:
Ayres, A. J. (2005). Sensory integration and the child: Understanding hidden sensory challenges. 25th Anniversary Edition. Los Angeles: CA: Western Psychological Services.
Lang, R., O’Reilly, M., Healy, O., Rispoli, M., Lydon, H., Streusand, W., Giesbers, S. (2012). Sensory integration therapy for autism spectrum disorders: A systematic review. Research in Autism Spectrum Disorders, 6, 1004–1018.doi:10.1016/j.rasd.2012.01.006
Reed, F.D.G., Hirst, J.M., & Hyman, S.R. (2011). Assessment and treatment of stereotypic behavior in children with autism and other developmental disabilities: A thirty year review. Research in Autism Spectrum Disorders, 6, 422-430.
Image-1.jpgWilbarger, P., & Wilbarger, J. (1991). Sensory defensiveness in children aged 2–12: An intervention guide for parents and other caregivers. Denver, CO: Avanti Educational Programs.