Percebemos que ainda precisamos discutir sexualidade humana e orientação sexual quando ainda presenciamos, em pleno ano de 2016, psicólogos e outros diversos profissionais (como supostos psicopedagogos) e autoridades religiosas oferecendo uma chamada “cura gay”.
Na Análise do Comportamento jamais falamos de cura para qualquer tipo de comportamento, mesmo que ele seja considerado doente ou psicpatológico. Falamos de avaliação comportamental e modificação do comportamento (Follette, Naugle, Linnerooth, 1999). Mas há alguma coisa para ser modificada nos comportamentos sexuais não heterossexuais do homem? Para entendermos isso, no entanto, precisamos entender qual é a visão analítico-comportamental da sexualidade humana.
Para Malott (1996) existem dois problemas para se compreender o comportamento sexual humano. O primeiro deles reside no fato de que as pessoas têm uma crença de que nossos valores sexuais não são aprendidos porque parecem ser naturais, filogeneticamente selecionados sem qualquer papel exercido pela história de vida e pela cultura. O segundo reside no fato de que as pessoas ainda não conseguem entender o poder do histórico de reforçamento dos indivíduos.
O contato físico, a estimulação direta em zonas erógenas parece ser um reforçador incondicionado, sem histórico de aprendizagem, mas a fonte da estimulação, ao contrário, parece depender de fenômenos complexos como reforçamento diferencial e punição condicionada. Se pensássemos num estimulação sexual que fosse emparelhada com choque toda vez que uma luz vermelha se acendesse teríamos uma analogia experimental ao que é feito na nossa sociedade por meio do comportamento verbal (Malott, 1996) quando determinadas formas de comportamento sexual são tomadas como vexatórias, sujas, imorais – geralmente aquelas em que não há possibilidade de perpetuação da espécie, seja em comportamentos hetero ou homossexuais.
O que Dick Malott (1996) parece querer nos dizer é que a necessidade de se fazer sexo é biológica, mas com quem se faz sexo é operante e completamente dependente de variáveis passadas e atuais na determinação do comportamento sexual. Para o autor, a análise do comportamento sexual é uma análise como qualquer outra, contemplando mais a funcionalidade do que a topografia.
Há 20 anos, Malott (1996) afirmou que a homofobia (LGBTfobia talvez seja um termo mais adequado) é um comportamento social que permeia a cultura e que pode ter sua base em pressupostos religiosos bem estabelecidos dentro dos grupos como também apontaria Skinner (1953) em sua análise das agências controladoras do comportamento, ainda mais se pensarmos nas formas como as agências se mesclam[1]. Isso foi dito há 20 anos e tal afirmação poderia ter sido feita há algumas horas.
Para responder à pergunta principal do texto, tomo a liberdade de conjecturar alguns exemplos do porquê uma pessoa não heterossexual procuraria o trabalho de um terapeuta… poderia ser por 1) não aceitação de si; 2) medo dos efeitos leves e extremos da LGBTfobia; 3) busca por interromper a ocorrência de encobertos relacionados ao desejo sexual por pessoas do mesmo sexo; 4) intenção de modificar a orientação sexual em si, de procurar pela “cura gay” em outras palavras.
O fato que o terapeuta deve se atentar é de que todos esses exemplos têm como base comum o comportamento verbal e o convívio com diferentes comunidades verbais que podem gerar contingências conflitantes. Só aprendemos a nos descrever por meio da comunidade verbal, sabemos nosso nome apenas porque alguém nos disse e aprendemos os fenômenos complexos que envolvem uma definição de self e autodescrição pelos mesmos processos: nos expondo à comunidade verbal em que vivemos.
O indivíduo que nos procura pelos motivos elencados acima teve de aprender com a comunidade verbal e possivelmente por processos de equivalência que ser uma pessoa LGBT é errado, pecaminoso, doentio, sujo, imoral etc para que hoje ela se descreva como alguém impossível de ser aceito por si mesmo e pela sociedade como alguém normal, como alguém que enfrenta o medo e a ansiedade ocasionados pelos efeitos do preconceito relacionado a essa população.
Pode ser por meio desses processos também que o indivíduo tente, de maneira ineficiente e equivocada, controlar seus sentimentos, pensamentos e desejos sexuais por pessoas do mesmo sexo bem como possa acreditar que realmente exista uma “cura gay” disponível e que a orientação sexual é um comportamento que deva ser mudado.
É esperado do terapeuta, então, um repertório clínico refinado para que sejam apresentados comportamentos empáticos o suficiente para estabelecer uma relação terapêutica genuína que possa acolher o cliente, inseri-lo num setting em que não haverá julgamento, controle aversivo e quaisquer outras contingências que gerem sofrimento desnecessário, ao contrário, tornando o ambiente da terapia um ambiente reforçador (Kohlenberg & Tsai, 2006; Skinner, 1953) onde sejam instalados repertórios de intimidade e cumplicidade entre cliente e terapeuta.
Pode ser interessante que o terapeuta sirva como modelo para que o cliente que o procura por esses motivos se torne sensível a novas contingências de reforçamento em que não haja preconceito e rejeição como protagonistas das relações sociais. Isto é, pode ser interessante que o terapeuta ofereça, para o cliente, um mundo diferente daquele que ele vive e que, de maneira planejada, arranje contingências para a ocorrência de generalização desses novos comportamentos para fora do contexto clínico, em que o cliente não só se aceite, mas aprenda a viver bem com quem é.
Mudar o comportamento verbal que o cliente possa ter de si mesmo também é de crucial importância, questionando quais evidências o cliente tem de que seus comportamentos são imorais ou sujos e de que forma ele sofrerá rejeição ao se expor a toda e qualquer interação social.
Mas afinal, o que é para ser “curado”, isto é, o que é para ser modificado no comportamento de um cliente LGBT? Sendo um comportamento como qualquer outro que não gera prejuízo para si nem para o outro, a orientação sexual não precisa ser modificada. Se gera sofrimento não é pela orientação sexual em si, mas pela forma como a sociedade ensinou esse indivíduo a se descrever. O que é para ser modificado no comportamento de um LGBT que procura terapia por conta de sua orientação sexual é a forma como ele lida com uma sociedade preconceituosa e despreparada para entendê-lo e aceitá-lo por quem ele é.
Todo sofrimento gerado com relação à orientação sexual não vem do desejo e da paixão por pessoas do mesmo sexo, mas da forma como a sociedade lida com isso, vem da forma pela qual os grupos (família, religião, educação, política etc) ensinam tais indivíduos a se descrever e a aprender o que é certo e o que é errado.
Os comportamentos do terapeuta tornam-se essenciais para que o cliente possa aprender a se aceitar, a aumentar repertórios de enfrentamento e esquiva ativa (Abreu & Abreu, 2015) para lidar com o impacto do preconceito e da LGBTfobia, para que a batalha para controlar os sentimentos e pensamentos com relação a pessoas do mesmo sexo não seja mais uma possível fonte de autopunição e para que, ao contrário de buscar por uma “cura”, o cliente passe a buscar por novas fontes de reforçamento por ser exatamente quem é.
Referências
Abreu, P. R.; Abreu, J. H. S. S. (2015) Ativação Comportamental. In Lucena-Santos, P.; Pinto-Gouveia, J; Oliveira, S. M. Terapias comportamentais de terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys
Follette, W. C.; Naugle, A. E.; Linnerooth, P. J. (1999) Functional Alternatives to Traditional Assessment and Diagnosis. In Dougher, M. J. Clinical Behavior Analysis. Reno, Nevada: Context Press. Cap. 5, pp. 99-125 (Tradução por Maly Delitti elaborada para fins didáticos).
Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. (2006) Psicoterapia Analítica Funcional – Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.
Malott, R. W. (1996) A Behavior-Analytic View of Sexuality, Transsexuality, Homosexuality and Heterosexuality. Behavior and Social Issues, v. 6, n. 2, pp. 127-140.
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.
[1] Um exemplo de “mistura” de agências é a chamada bancada evangélica, soma-se o poder do controle religioso ao poder do controle governamental.