Quando procurar tratamento com um psiquiatra juntamente ao tratamento de um psicólogo clínico? E como procurar bons profissionais para atendimento interdisciplinar? A pesquisa ainda é a melhor resposta. Felizmente alguns cuidados podem auxiliar bastante na escolha adequada.
Antes de iniciar, parece seminal para esse debate explicitar qual é a formação de cada profissional e como normalmente se dá seu trabalho na clínica, seja ela médica ou psicológica.
O médico psiquiatra é um profissional da área de saúde mental que passou pela graduação de seis anos em medicina e fez residência em psiquiatria, uma especialização de três anos de duração. A ênfase da formação do psiquiatra é o estudo dos substratos anátomo-fisiológicos relacionados às síndromes, e as intervenções destinadas a restituir o funcionamento normal do organismo, como a utilização de remédios.
Ao seu turno, para se formar psicólogo clínico, um futuro profissional precisa cursar a graduação em psicologia, o que demanda cinco anos de estudos. A ênfase da formação do psicólogo clínico reside no estudo dos sistemas em psicologia, mais especificamente, na análise das interações entre o homem e seu ambiente, sobretudo social, conforme o entendimento das diferentes vertentes teóricas.
Interessante notar que, grosso modo, o psicólogo clínico é um profissional que lida com exatamente os mesmos problemas a que se depara um psiquiatra em sua prática cotidiana (e vice e versa).
Pela legislação brasileira vigente ambos os profissionais podem fazer psicoterapia, um trabalho em que terapeuta e cliente analisam conjuntamente os fatores que contribuem para os problemas de comportamento do cliente, com dados levantados desde o relato verbal do cliente e da relação terapêutica, até a realização de tarefas orientadas para a mudança clínica. Contudo, apenas o psiquiatra está autorizado a prescrever remédios, pelo fato da legislação entender que somente esses profissionais tiveram formação acadêmica orientada.
Historicamente algumas mudanças nas profissões ocorreram, e outras ainda estão em curso.
Com a evolução da farmacologia aplicada aos transtornos mentais como a depressão e a esquizofrenia, dentre outros, os médicos psiquiatras foram abandonando paulatinamente o trabalho psicoterápico a ponto de privilegiarem quase que exclusivamente as explicações biológicas e a medicação. O entusiasmo se deu com os achados científicos que mostravam correlações positivas entre a melhora dos sintomas de alguns quadros clínicos e a administração de determinadas drogas.
Nos últimos anos, os planos de saúde no Brasil também tiveram uma atuação preponderante para essa mudança. Sempre público e notório, a contenção de custos tem sido a regra dentro das operadoras de saúde suplementar. É mais barato reembolsar uma consulta padrão de 30 minutos do que uma de uma hora. Esse tempo é escasso para uma sessão de qualidade de psicoterapia, mas segue sendo suficiente para prescrição de alguma medicação. E o número de sessões disponibilizadas também tem sido alvo de constante conflito entre usuários do plano e políticas das operadoras. É muito difícil fazer um bom trabalho psicoterapêutico com clientes depressivos ou ansiosos em apenas dez sessões, por exemplo. Esse número já foi o limite liberado por muitos planos. Em conjunto, essas situações levaram ainda mais os psiquiatras a abandonarem o trabalho com a psicoterapia e investirem nas terapias medicamentosas.
O curioso é que nos Estados Unidos, pressões semelhantes levaram os psicólogos daquele país a pleitearem o direito de prescrever medicação. Os planos de saúde no país do Tio Sam, chamados de Managed Care, enxugaram a contratação de psicólogos, especialmente os que não trabalhavam com psicoterapias baseadas em evidência. O resultado disso tudo – alguns estados cederam as prerrogativas para prescrição de medicamentos psicotrópicos por psicólogos, mediante formação adequada (especializações e doutorados), destinada a treinar os novos profissionais dentro das disciplinas e procedimentos médicos. A campanha foi endossada pela Associação Americana de Psicologia (APA), sob o forte argumento de que os estados tinham uma população muito grande para um contingente de psiquiatras extremamente pequeno, o que deixaria frações territoriais desguarnecidas pelos serviços de saúde. No estado do Novo México, Louisiana, Illinois, território de Guam e nas forças armadas americanas, os psicólogos habilitados passaram a prescrever. É fato que muitos laboratórios de psicologia dentro das universidades americanas já haviam mudado seus programas de pesquisa para interfaces cada vez mais relevantes com as pesquisas de orientação biológica. As prerrogativas ainda correm em muitos outros estados americanos para serem votadas. No Canadá uma mudança semelhante também está em andamento.
O fato é, que independentemente de quem vá conduzir os tratamentos, se psicólogos ou psiquiatras, tanto a psicoterapia quanto a medicalização deveriam ser bem-feitas! E sim, a associação entre ambos tem sido apontada como sendo o tratamento de escolha para muitos transtornos. Aqui no Brasil, o trabalho tem se dado de forma interdisciplinar. Psicólogos conduzem a psicoterapia, e psiquiatras a farmacoterapia.
Mas então quais seriam as recomendações básicas para os pacientes interessados em tratar seus sofrimentos sob uma atenção interdisciplinar? Bom, a primeira dica que antecede todas as outras: remédio prescrito a partir de diagnóstico psiquiátrico haveria que ser feito pelo médico-psiquiatra, e não por outro especialista médico. Embora a legislação médica permita essa prática, e que em alguns casos a medicação seja bem prescrita, é digno de nota que determinados profissionais não tiveram formação acadêmica adequada dentro das ciências psiquiátricas ou psicológicas, e por esse motivo, não têm preparo para lidar com os problemas comportamentais.
Segue então a outra dica valiosa: procure profissionais que comprovadamente apresentem conhecimento e interesse genuíno pela área do outro. Psiquiatras com interesse em psicologia, e psicólogos em psiquiatria. Um bom procedimento pode ser a pesquisa na internet sob bases de dados confiáveis e sites sérios (pesquise o nome do profissional no Currículo Lattes do CNPq, por exemplo). De posse dessas fontes, procure saber:
- Quais congressos esse profissional frequenta e que trabalhos tem apresentado?
- Que tipo de pesquisas faz e qual é o conteúdo de suas publicações (caso o profissional tenha vida acadêmica)?
- Em que instituição se pós-graduou?
- Se a referida universidade tem uma política de integração interdisciplinar reconhecida;
- Se trabalha com equipes interdisciplinares em alguma instituição de saúde reconhecida;
- O que os outros pacientes dizem a respeito do profissional em questão?
Se conseguir entrar em contato com somente um dos profissionais dessa qualidade (psicólogo ou psiquiatra), facilita pedir um encaminhamento para o outro. Vale a pena a procura cuidadosa. Na minha experiência clínica, e na de muitos outros colegas, ouve-se relatos de que os pacientes se sentem mais protegidos sob o cuidado conjunto.
Obviamente as dicas listadas não pretendem esgotar todas as possibilidades. Meramente aqui se está tentando sinalizar a possibilidade de fazer uma boa escolha interdisciplinar mediante a pesquisa ativa.
OBS: Você está interessado no trabalho interdisciplinar entre médicos e psicólogos? Então você não está sozinho. Abri um fórum para discussão no Facebook para conversarmos sobre as questões relacionadas ao tema. O nome do nosso grupo é Psicoterapias e Psiquiatria Baseadas em Evidência. Acesse e se inscreva no https://www.facebook.com/groups/1850839025150075/