“Eu estava no inferno (…) e fiz uma promessa: quando eu saísse, eu iria voltar e tirar os outros dali”[1] – Marsha M. Linehan, criadora da Dialectical Behavior Theraphy (DBT), 2011, New York Times.
“Eu estava sentada naquela sala de estar, logo ao lado de uma capela. É algo que eu nunca vou esquecer. Eu estava sentada em um sofa, e eu diria que eu senti um completo e total desespero. E essa é apenas uma forma de dizer isso que senti.
Então, uma freira apareceu… Ela se virou para mim, me olhou, e disse:
-‘Existe algo que eu possa fazer para ajudá-la?’
Eu me dei conta de que ninguém poderia me ajudar… simplesmente ninguém poderia me ajudar. Então, eu disse para ela:
-‘Não, obrigado’.
E ela riu…
Em seguida, eu me levantei e fui até aquela capela. Fiquei apenas ajoelhada ali. Eu não havia me dado conta, seriamente duvido que eu estivesse dizendo qualquer coisa… diria que eu estivesse apenas observando a cruz acima do altar. E então, de repente, e inexplicavelmente, tudo banhou-se de dourado. E o crussifixo começou a cintilar, e toda a sala estava cintilando. E eu tive a experiência inacreditável de sentir que Deus me amava.
De repente me senti elevar-me, e saí correndo. Eu corri para o meu quarto. E lá eu fiquei. E eu disse (pensando alto):
– ‘Eu me amo’
E no instante em que eu disse isso… no instante em que as palavras saíram da minha boca… eu soube que eu havia sido completamente transformada. Porque, até aquele momento, eu jamais poderia ter dito aquilo.
Eu poderia muito bem ter dito ‘Eu amo você’. Porque eu não tinha um senso de mim mesma. Eu me concebia em termos de ‘você’. Mas no instante que essa frase saiu da minha boca…eu soube…e eu sempre soube… que a partir daquele momento, eu jamais cruzaria aquela linha de novo.”[1]
Essa é a transcrição traduzida de um relato feito pela PhD. Marsha M. Linehan, que aos seus 68 anos de idade decidiu compartilhar com o mundo sua história de sofrimento e superação durante um pronunciamento no Institute for a Living. Ela é professora na Universidade de Washington e criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), desenvolvida originalmente como um tratamento para indivíduos suicidas crônicos com critérios para Transtorno de Personalidade Borderline, e agora reconhecida como “padrão-ouro” para tratamento dessa população [2]. Este relato foi originalmente publicado em vídeo pelo New York Times [1] (em inglês), do qual foram retiradas a maior parte das informações apresentadas neste breve texto.
Aos 17 anos, a jovem Marsha se tornou a única ocupante de um quarto de isolamento para pacientes severamente doentes, na Hartford Clinic, em Connecticut. Aquela jovem autoagredia-se constantemente, queimava seus pulsos com cigarros, e cortava-se com qualquer objeto afiado que estivesse ao alcance. Lá ela foi diagnosticada com esquizofrenia, tratada com medicações, inúmeras sessões de análise freudiana, e inclusive com eletroconvulsoterapia! Sua vontade por morrer só aumentava, e ela frequentemente voltava para seu quarto de isolamento. [1]
A Dra. Linehan aprendeu pelo caminho difícil, e cumpriu sua promessa. Certamente sua experiência pessoal de aceitação radical aliada aos seus estudos em Psicologia Experimental e Behaviorismo Radical foram decisivos para isso. Foi a partir de seu treinamento em Terapia Comportamental e Terapia Cognitivo-Comportamental que ela iniciou o desenvolvimento da terapêutica de sucesso conhecida hoje como Terapia Comportamental Dialética (DBT)(Linehan, 2010). Através de diversos estudos, a DBT é reconhecida atualmente como um modelo eficaz de tratamento, não apenas para o Transtorno de Personalidade Borderline, mas tabém para outras psicopatologias como o Transtorno de Estresses Pós-Traumático (TEPT), Transtorno Depressivo Maior, e Transtorno do Humor Bipolar, entre outros (Linehan, 2015).
Além de suas contribuições técnicas e científicas, é louvável a coragem da professora Linehan em tornar público esse relato tão pessoal, e, alguém poderia dizer, perturbador. E esse talvez seja um dos grandes méritos desse relato, sua honestidade e capacidade de tocar à todos, que acaba por colocar um rosto na questão da saúde “mental”, e, assim, combater o estigma associado a ela. Ao colocar-se humildemente no mesmo nível das pessoas que sofrem com esse estigma ela certamente fez mais uma grande contribuição para ajudar a tirar os outros “daquele inferno”.
Para quem quiser saber um pouco mais sobre a Terapia Comportamental Dialética, seus princípios práticos e filosóficos, e como ela se relaciona com o Behaviorismo Radical, o Comporte-se está com uma coluna bimestral bem “quente”, assinada por Vinicius Dornelles, pensada exclusivamente para tratar sobre o tema.
Por fim, fica o convite para todos acompanharem semanalmente essa nova seção do Comporte-se, a Estação Behavior, que se propõe trazer de uma forma mais “leve” temas relacionados à análise do comportamento (apesar de este primeiro texto trazer um relato um pouco perturbador). Estamos com várias ideias novas, esperamos que vocês gostem.
Referências:
Esse texto foi baseado no seguinte artigo publicado pelo New York Times, no ano de 2011:
[1] http://mobile.nytimes.com/2011/06/23/health/23lives.html
[2] http://behavioraltech.org/resources/whatisdbt.cfm
[3] https://comportese.com/2015/03/terapia-comportamental-dialetica-dbt-uma-breve-apresentacao/ (primeiro artigo de uma série do Comporte-se sobre DBT, escritos por Vinicius Dornelles)
[4] Linehan, M. M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.
[5] Linehan, M. M. (2015). DBT skills training manual. New York: Guilford Press.
Para saber mais, série de artigos publicados até agora no Comporte-se sobre DBT:
https://comportese.com/2015/05/validacao/
https://comportese.com/2015/07/aceitacao-radical-o-que-e-por-que-e-quando-praticar/
https://comportese.com/2015/08/construindo-uma-vida-que-valha-a-pena-ser-vivida/