Nestes 3 anos da coluna sobre a Intervenção Comportamental com Autismo, tenho falado sobre várias estratégias, intervenções, procedimentos e técnicas que o analista do comportamento utiliza nas diversas áreas do desenvolvimento infantil, visando estimular a aquisição de novas habilidades e a minimização de comportamentos inadequados e improdutivos socialmente com essas crianças. Como tem sido citado em cada artigo, obviamente, este trabalho não é feito apenas pelo psicólogo analista do comportamento, a intervenção com autismo depende completamente de uma atuação multidisciplinar.
A parceria entre diversos profissionais (alguns essenciais e, outros, opcionais e escolhidos por cada família) é a base da intervenção. Sem essa parceria, dificilmente as metas serão atingidas, afinal, sabemos que um procedimento aplicado somente em um contexto e por algumas pessoas que lidam com a criança não mudará o comportamento alvo de vez, pode mudar apenas no contexto e frente às pessoas que aplicaram o procedimento, o que não resolve o problema.
Um profissional essencial para o início da intervenção em casos de TEA (Transtornos do Espectro do Autismo) é o médico (psiquiatra ou neurologista) que é quem faz o diagnóstico e, no decorrer da intervenção, receita medicações para alguns sintomas, como: agitação, déficit de atenção, estereotipias, auto lesões, agressividade, problemas de sono, ansiedade, irritabilidade, apatia, etc. Em alguns momentos e, para alguns casos, a medicação é fundamental para que um determinado sintoma seja controlado e amenizado e, só assim, a estratégia comportamental possa ser efetiva. Cabe ao médico avaliar tais sintomas, decidir qual é a medicação adequada e, então, acompanhar a reação do organismo da criança às medicações usadas por meio de exames periódicos e mudanças nas dosagens à medida que a criança cresce e o quadro mude.
Em nossa experiência, tem sido muito rica a parceria com alguns médicos de clientes nossos, que fazem questão de acompanhar de perto a intervenção comportamental, lendo as pautas das consultorias que fazemos com as famílias e equipes e mantendo reuniões periódicas conosco para discutir cada meta da intervenção. Estes médicos parceiros costumam tomar decisões sobre tipos e dosagens de medicações com base não apenas em suas observações e relatos dos pais, mas também nos dados da terapia ABA (Applied Behavior Analysis – Análise do Comportamento Aplicada), no desempenho escolar e nas demais terapias.
Logo no início da intervenção, o analista do comportamento precisa, junto com a família, selecionar os aplicadores da intervenção ABA, ou seja, profissionais ou estudantes da área da saúde ou educação ou, ainda, para-profissionais (cuidadores ou familiares) que aplicarão os procedimentos orientados pelo Analista do Comportamento na terapia individualizada (procedimentos para aquisição de novas habilidades e controle de comportamentos inadequados) e na escola (procedimentos para maior aproveitamento da criança nas propostas escolares e mediação na interação social). Estes aplicadores são diretamente treinados e orientados pelo analista do comportamento que avalia a criança e planeja a intervenção. Em alguns casos a mesma pessoa faz a aplicação das estratégias comportamentais na terapia individualizada e na escola, em outros casos são dois aplicadores.
Os pais e cuidadores também são essenciais na intervenção, afinal, são eles que aplicarão os procedimentos de maximização de comportamentos adequados e minimização de comportamentos inadequados no dia-a-dia da criança. Por isso, é fundamental que o analista do comportamento tenha um bom vínculo e uma boa parceria com estas pessoas e esteja sempre orientando-os sobre como lidar com a criança nas atividades cotidianas e nos momentos livres, visando autonomia, comunicação, interação social e novos aprendizados.
Outra parceria fundamental na intervenção com autismo é com o fonoaudiólogo. Tendo em vista que um dos principais déficits do autismo está no desenvolvimento da linguagem, a presença de um fonoaudiólogo na equipe de intervenção é indispensável. Na maior parte dos casos a família já tem o acompanhamento do fonoaudiólogo quando procura acompanhamento conosco, afinal, esta intervenção é uma das primeiras a ser iniciada logo que a criança começa a demonstrar atraso na fala. É o fonoaudiólogo que avalia e decide por quais fonemas iniciar o treino vocal e orienta a todos na equipe que estratégias utilizar no dia-a-dia para estimular a emissão destes fonemas.
Uma das intervenções do fonoaudiólogo que, na minha opinião, está entre as mais importantes nos casos de TEA é a estimulação da musculatura da face e, principalmente, da boca. Devido ao atraso ou não surgimento da fala, as crianças com autismo movimentam e treinam menos os músculos da face e da boca do que as crianças com desenvolvimento típico. Em alguns casos, a restrição alimentar comum neste diagnóstico ainda faz com que a criança mantenha uma alimentação pastosa por muito mais tempo do que deveria e, então, além de não movimentar a boca falando, também não movimenta mastigando. Por isso, não é raro observar hipotonia e outros problemas de musculatura da face nestas crianças. Assim, é fundamental que o fonoaudiólogo treine esta musculatura e estimule sua movimentação para aumento da tonicidade e, então, facilitação dos movimentos orais necessários para falar. Em nossa experiência de parcerias com fonoaudiólogos, temos visto este trabalho sendo feito por meio de massagens dentro e fora da boca; utilização de massageadores bucais que vibram; apresentação de diferentes sensações nas bochechas e lábios (quente, frio, mole, duro, etc.); treino dos diversos movimentos orais (abrir a boca, bico, língua para fora, etc.); treino do soprar, sugar e mastigar; etc.
Outra parceria fundamental na intervenção com autismo é com o terapeuta ocupacional. As crianças diagnosticadas com TEA apresentam uma importante alteração sensorial, ou seja, recebem e decodificam os estímulos sensoriais (táteis, auditivos, visuais, sonoros e olfativos) de forma diferente. Por isso, elas podem reagir de forma exagerada ou diminuída a algumas estimulações sensoriais. Essa característica é uma das causas das estereotipias que compõem o quadro do autismo (ver detalhes sobre este tema no artigo “Autismo: A alteração sensorial e as estereotipias” publicado nesta coluna no dia 25 de agosto de 2014.).
É o terapeuta ocupacional que poderá avaliar detalhadamente quais alterações sensoriais a criança possui e, com base nessa avaliação, aplicará procedimentos de Integração Sensorial em suas sessões e, principalmente, orientará familiares, cuidadores e demais membros da equipe sobre como garantir um controle sensorial da criança no dia-a-dia, visando minimizar as estereotipias e, com isso, aumentar a atenção, a concentração e o aprendizado.
O terapeuta ocupacional também tem um importante papel no treino das habilidades de coordenação motora fina que podem estar prejudicadas em algumas crianças com TEA. A autonomia nas atividades de vida diária (AVDs) também merece a atenção e intervenção do terapeuta ocupacional que, se necessário, orienta adaptações e tecnologia assistiva para que a criança tenha mais condições de se tornar independente nessas atividades. Por isso, a atuação do T.O. não se resume apenas às sessões de terapia ocupacional, mas principalmente às orientações e treinamentos para familiares e cuidadores.
Também é fundamental na intervenção com autismo a parceria com pedagogos, tanto os profissionais da escola, quanto psicopedagogos particulares. O olhar pedagógico é indispensável no processo de inclusão escolar, afinal é o pedagogo que fará as adaptações curriculares e de materiais necessárias para que a criança possa ser inserida em uma classe de ensino regular. Avaliando o ritmo de aprendizado da criança o pedagogo pode decidir que conteúdos apresentar em cada momento e em qual velocidade. Compreendendo como a criança aprende (por via visual, auditiva, com material concreto, etc.) o pedagogo orienta professores, auxiliares e ATs (acompanhantes terapêuticos) sobre como apresentar as atividades para a criança com autismo.
Além das avaliações e decisões referentes à inclusão escolar, o pedagogo também contribui muito para a escolha de atividades, programas e estímulos a serem trabalhados na terapia individualizada em casa. Afinal, é importante que os programas de terapia ABA acompanhem o conteúdo escolar, preparando a criança para participar cada vez mais das atividades acadêmicas.
O educador físico também não pode faltar na equipe de intervenção de uma criança com TEA. Afinal, os esportes de quadra, natação, ginástica olímpica, etc., contribuem muito para o desenvolvimento das habilidades de coordenação motora ampla, que podem estar prejudicadas nessas crianças (ver detalhes sobre este tema no artigo “Autismo: O treino de habilidades motoras amplas e a importância dos esportes” publicado nesta coluna no dia 09 de março de 2015.).
Outro grande benefício das atividades físicas é o controle das estereotipias, afinal, os esportes geram sensações físicas prazerosas que se assemelham àquelas produzidas pelas estereotipias e, com isso, a criança tende a buscar menos os comportamentos repetitivos e disfuncionais para se auto estimular, já que ela vem obtendo a saciação dessas necessidades sensoriais por meio dos esportes. Assim, substituímos comportamentos repetitivos, disfuncionais e solitários (estereotipias), por atividades lúdicas, funcionais e sociais (esportes).
Em alguns casos, é necessário começar com atividades físicas individualizadas para, depois que a criança adquirir alguns pré-requisitos, inseri-la em atividades físicas coletivas. Mas a meta final tem que ser os esportes coletivos que, além de proporcionar todos os benefícios da atividade física, vão garantir o desenvolvimento de habilidades sociais, área muito afetada no autismo.
Além dos profissionais citados acima que, na nossa experiência, tem se mostrado essenciais para a intervenção com TEA, algumas famílias buscam outras intervenções que também podem ser muito benéficas, a depender de cada caso. Por exemplo, aula de música ou musicoterapia. Muitas crianças começam nesta atividade apenas pelo lúdico e pela estimulação de mais uma via de aprendizagem importante, a auditiva, já que em casos de autismo normalmente a aprendizagem via visual é mais fácil. Algumas crianças, porém, acabam gostando muito e tendo mais facilidade para algum instrumento e seguem estudando mais a fundo este instrumento, o que pode até virar uma profissão no futuro.
A equoterapia (terapia com cavalos) também tem sido muito procurada por famílias de crianças com autismo. A interação com o cavalo, seja ao montar ou ao alimentá-lo, estimula o fortalecimento de habilidades sociais e do vínculo afetivo. Esta atividade também proporciona um contato único com a natureza e estimulações sensoriais muitos novas e raras para crianças da cidade grande, como: pisar na areia, acariciar o pelo do cavalo, dar comida na boca do cavalo, etc. Estas experiências sensoriais novas ajudam a dessensibilizar algumas aversões sensoriais. Os equoterapeutas costumam, ainda, estimular a comunicação da criança tanto com o cavalo, fazendo sons e movimentos corporais que dizem o que o cavalo deve fazer; quanto com os próprios terapeutas, pedindo para montar, descer do cavalo, trotar, etc.
Algumas famílias também são acompanhadas por um nutricionista ou médico que avalia como o organismo da criança reage a determinados alimentos, se existe alguma alergia ou intolerância ou, ainda, algum alimento que gere aumento de agitação, irritabilidade ou estereotipias. Nestes casos, o médico ou nutricionista orienta uma dieta específica, por exemplo, sem glúten, sem caseína, sem lactose, etc.
Em alguns casos fazemos parceria até com o dentista. Quando a criança resiste a frequentar as consultas com o dentista ou não aceita qualquer manipulação na boca, podemos combinar com este profissional um procedimento de aproximações sucessivas, no qual a criança passa a ir ao consultório com mais frequência e, lá, sempre tem acesso a coisas que gosta, como: um DVD preferido, brinquedos ou atividades motivadoras, alimentos que adora, etc. Em outros casos, o dentista orienta o uso de um aparelho ou placa para conter o ranger dos dentes, por exemplo, e o analista do comportamento precisa orientar estratégias de como conseguir que a criança aceite usar o aparelho pelo tempo determinado. Fazemos isso via pareamento de estímulos, ou seja, associando o uso do aparelho com atividades ou estímulos muito motivadores.
Enfim, muitos outros profissionais podem acabar fazendo parte desta equipe de intervenção em algum momento, a depender das necessidades de cada caso. O importante é que esta equipe seja parceira, mantenha contato frequente e atue de forma coesa em direção a uma meta comum: o desenvolvimento e a melhora na qualidade de vida da criança com TEA e sua família.