
Recentemente, deparei-me em atendimento psicoterapêutico com um termo que voltou a ter destaque, depois de anos em que foi utilizado pela primeira vez: ‘brain rot’. No contexto atual, após ter sido eleita a Palavra do Ano em 2024 pela Oxford Languages, por ser uma das mais usadas e que causou maior impacto social, ganhou nova repercussão em 2025 por meio dos avanços da Inteligência Artificial (IA) e por redes sociais de grande acesso na internet.
Hoje a expressão ‘brain rot’ se refere a “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (principalmente conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador” (Oxford Language, 2024) isto é, é um termo informal usado para descrever a fadiga mental e o declínio intelectual. No começo de 2024, uma empresa provedora de saúde dos Estados Unidos começou a oferecer tratamento para ‘brain rot’, descrevendo a condição que causa “neblina mental, letargia, redução da capacidade de atenção e declínio cognitivo” e citou que navegar online incessantemente em meio a notícias ruins e o vício em redes sociais são exemplos do comportamento de ‘brain rot’, que poderia ser prevenido definindo um limite de uso das redes sociais ou fazendo um detox digital (Rahimi, 2024).
‘Brain rot’ tem sido traduzido como “cérebro podre” ou “podridão cerebral”. Desde o início de 2025 foi popularizado um subgênero de memes conhecido como ‘Italian brain rot’, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. Um exemplo é ‘Tralalelo Tralala‘, que tem sido um sucesso dos memes ‘brain rot‘, um fenômeno digital que tem dominado as redes sociais. Surgiu como uma brincadeira entre usuários do TikTok, que rapidamente se espalhou para outras plataformas, que se caracteriza por vídeos curtos com personagens gerados por IA, narrativas sem sentido e áudios em “italiano” distorcido. A estética exagerada e o humor sem sentido têm atraído gerações nascidas a partir de 1995 por conteúdos criativos e sem limitações. Neste contexto de meme, ‘brain rot’ é usado de forma irônica (Labate, 2025).
Tais conteúdos são desenvolvidos para capturar a atenção rapidamente, tendo sido associados à liberação de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer). A exposição prolongada a esses vídeos tem sido relacionada a prejuízos nas funções executivas, como atenção, memória de trabalho e controle de impulsos, além de aumentar o risco de dependência, como a nomofobia, e do desenvolvimento de sintomas relacionados a ansiedade e irritabilidade, com impactos mais preocupantes em crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento (Quesada, 2025). Por outro lado, relata-se o alívio momentâneo do estresse se consumido com moderação, sendo indicado que o equilíbrio no consumo do entretenimento digital pode ser uma via para o desenvolvimento saudável (Termômetro da Política, 2025).
Outro ponto de preocupação diz respeito à incorporação de comportamentos agressivos a esses memes, como trilhas sonoras que mencionam ataques a crianças na Faixa de Gaza, “o que pode contribuir para a normalização de comportamentos violentos ou antissociais” (Vale, 2025). A apresentação desses conteúdos sem crítica pode influenciar o comportamento infantil, podendo causar prejuízos à construção de empatia e respeito pelo outro, comportamentos de terceiro nível de seleção.
A promoção da educação digital e o fortalecimento de fatores de proteção seriam estratégias a ser adotadas como contracontrole dos efeitos nocivos ao desenvolvimento humano. Nesta mesma direção, a estimulação da prática de atividades físicas, prazerosas e socialmente enriquecedoras serviriam como estratégias para equilibrar os efeitos negativos dos excessos no uso digital (Quesada, 2025).
Foi Henry David Thoreau quem usou pela primeira vez, segundo a Oxford, o termo ‘brain rot’, no seu livro “Walden ou a Vida nos Bosques”, publicado em 1854. Você, analista do comportamento, pode não ter lido esta obra, mas a reconhece porque Skinner nomeou sua obra utópica de “Walden Two”, em 1948, como uma referência direta a “Walden”. Em Walden, Thoreau descreve um estilo de vida simples e auto suficiente e a relação do homem com a natureza, explorando temas como a busca pela verdade, a importância da autossuficiência e a necessidade de questionar as convenções sociais. Ele usou o termo ‘brain rot’ para criticar a tendência da sociedade de desvalorizar ideais complexas em favor das mais simples.
Skinner afirmou que enquanto Thoreau escreveu uma utopia para “um só”, Walden Two é dedicado a uma vida social. Walden Two, de Skinner, descreve meios para maximizar a justiça social e o bem-estar e apresenta um modelo de busca de soluções para problemas de importância individual, social e cultural, o que podemos compreender como parte das realizações da Análise do Comportamento Aplicada na contemporaneidade (Sampaio & Ferreira, 2017).
Ao explicar a modificação e manutenção das culturas, Skinner (1971/2002) faz uma analogia com a evolução filogenética em que a cultura se compara a uma espécie e as práticas culturais são comparadas às características anatômicas dos organismos da espécie. As várias práticas culturais que compõem a cultura, assim como os diversos aspectos anatômicos que compõem os organismos “são apresentadas por seus membros e transmitidas para as gerações seguintes, e se práticas que ajudam a resolver os problemas daquela cultura forem repassadas, maiores são as chances de sobrevivência” (Mazza et al., 2019, p. 17). Assim como mutações genéticas, novas práticas culturais são selecionadas pelas consequências: se contribuírem para a resolução de problemas, fortalecimento e sobrevivência daquela cultura (Mazza et al., 2019). Então, “se uma cultura for fortalecida, ou seja, se as práticas que contribuem para seu fortalecimento forem selecionadas e transmitidas [como parte de um ambiente social], há uma tendência para que essa cultura sobreviva – o que significa que ela vai permanecer no tempo, e as contingências que fazem parte dessa cultura vão continuar modelando o comportamento dos indivíduos (Skinner, 1971/2002)” (Mazza et al., 2019, p. 18).
De acordo com Guilhardi (2020), as práticas de terceiro nível de seleção podem ser descritas como a instalação e a manutenção de comportamentos que promovem a evolução e a sobrevivência da cultura.
“O psicoterapeuta TCR [Terapia por Contingências de Reforçamento] influencia seu cliente para manter os comportamentos de primeiro nível de seleção, dentro de limites que o tornem ameno com as pessoas com as quais convive (fundamentalmente melhorando seu autoconhecimento e programando táticas de autocontrole); também o influencia para superar seus déficits comportamentais, refrear seus excessos comportamentais e melhor utilizar seus repertórios comportamentais construtivos; finalmente, o influencia para adquirir comportamentos de terceiro nível de seleção que se tornem práticas culturais, que privilegiem o desenvolvimento de seu grupo de convivência, mantidas por controle reforçador positivo (basicamente repertórios de cooperação, de tolerância às diferenças, de compartilhamento de ganhos, de promoção do desenvolvimento comportamental dos membros de seu grupo etc.)” (Guilhardi, 2020, p. 7-8).
As práticas culturais não visam beneficiar especificamente o indivíduo que se comporta – o que seria segundo nível de seleção – mas, visam o bem-estar, a sobrevivência e o desenvolvimento da comunidade como um todo, como no caso do destaque a cientistas que beneficiam a população com seus resultados de pesquisa, as instituições e universidades que fomentam pesquisas científicas, entre outros (Guilhardi, 2020). Guilhardi (2020) nos alerta que devemos considerar que existem práticas culturais que não beneficiam a maioria, mas a interesses do poder, sendo gerenciadas e manipuladas por grupos autoritários, ou seja, não podem ser identificadas com o terceiro nível de seleção, pois tratam-se de práticas de segundo nível de seleção embora sejam justificadas como estratégias que pertenceriam ao terceiro nível.
Como exemplo, observamos governos populistas e autoritários, ditaduras, certas instituições financeiras etc. os quais podem vender suas ideias como proteção contra potenciais perigos que acabam recebendo crédito em momentos e diante de situações de vulnerabilidade da população ou parte dela (manipula-se alguns dados da realidade para gerar medo e necessidades e apresenta-se soluções para se livrar de tais problemas e perigos). É o caso das apostas online que têm gerado inúmeros debates. No Brasil, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Bets, criada em novembro de 2024, investiga a possível associação do setor de apostas online com organizações criminosas e práticas ilícitas e apura o papel dos influenciadores digitais na popularização de plataformas de apostas.
O problema social reside na facilidade de acesso, na influência dos influenciadores, e na natureza envolvente das plataformas de apostas, que podem levar a comportamentos compulsivos e a uma série de problemas financeiros, de saúde mental, e sociais, principalmente em jovens e adolescentes, podendo relacionar-se ao suicídio (Buso, 2025). Diante de uma realidade capitalista em que mais dinheiro é mais poder de acessar de forma menos restrita diversos reforçadores, em que se gera diariamente a necessidade de consumo, num cenário de grandes diferenças sociais, a chance de ganhar dinheiro real e recompensas adicionais, como bônus, cashback e promoções, tornam as apostas online altamente atrativas. A CPI das Bets pode ser considerada uma prática cultural identificada com o terceiro nível de seleção exercendo função de contracontrole.
Guilhardi (2020) aponta que a Análise Experimental e a Análise Aplicada do Comportamento comprometem-se com o desenvolvimento de conhecimento científico de maneira alinhada à investigação das Ciências Naturais, com objetivo de estabelecer as leis que explicam o comportamento humano e de propor procedimentos a favor dos seres humanos. Desta forma, a Ciência Comportamental, o Behaviorismo Skinneriano, incluem conceitos, práticas e produtos de práticas culturais que podemos compreender como sendo de terceiro nível de seleção. O psicoterapeuta analista do comportamento deve, neste sentido, emitir comportamentos de observação, mensuração, análises e, quando necessário, ajustá-los com base em dados e princípios sólidos, atuando, portanto, conforme um cientista (Comparini, 2025).
A Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR), derivada diretamente da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical, é considerada uma prática cultural de terceiro nível de seleção, pois visa “levar o cliente que procura ajuda a identificar as contingências de reforçamento das quais seus sentimentos aversivos e seus comportamentos desajustados para sua realidade de vida são função e guiá-lo para modificá-los até produzirem seleções construtivas de comportamentos que gerem convivência amena, construtiva, bem-estar e sentimentos de liberdade” […] assim como “a identificar que contingências estão prevalecendo na seleção de comportamentos de cooperação e de cuidados com o outro” (Guilhardi, 2020, p. 5).
“Comportamentos sob controle de terceiro nível de seleção não devem ser emitidos sob controle aversivo, mas sob controle do que promove o melhor possível para o outro, com perdas suportáveis para si (o que ensina a ter tolerância à frustração como opção de autocontrole e não sob coerção)” (Guilhardi, 2020, p. 6). Por exemplo, a legislação de trânsito usa procedimentos coercitivos para limitar excessos de alguns motoristas para proteger a todos os envolvidos nessa situação. Alguns se comportam orientados pelo o que é melhor a todos, por exemplo, se usar o cinto, não ficar no smartphone, manter o limite de velocidade, realizar manutenções no veículo, pode manter o bem, o melhor a todos. Estes são comportamentos de terceiro nível de seleção. Outros se comportam evitando as sanções: se o aplicativo informa radar a frente, reduz a velocidade; se houver câmera ou guardas de trânsito, guarda o smartphone; trava o cinto de segurança de modo que não precise colocá-lo nem fique apitando; só leva o carro para manutenção se ele apresenta um impedimento de locomoção; ou seja, mantêm-se emitindo comportamentos de segundo nível de seleção. Portanto, comportar-se sob controle do terceiro nível de seleção deve ser ensinado desde o início do desenvolvimento do indivíduo. Enquanto isso não acontece, o uso de contingências aversivas continua necessário para que as práticas culturais que beneficiam o grupo social como um todo sejam mantidas (Guilhardi, 2020).
A psicoterapia pode ser uma prática cultural de terceiro nível de seleção ao instalar e desenvolver “repertórios comportamentais interpessoais de cooperação, compreensão, valorização do outro” (Guilhardi, 2020, p. 19) nos clientes. A TCR se propõe a contribuir com a comunidade social (Guilhardi, 2020), por exemplo, ao apresentar comportamentos como produtos de interações com o meio social e físico, os quais podem ser identificados, descritos e selecionados visando o bem das interações humanas; ao privilegiar o uso de reforçamento positivo e práticas para utilizá-lo e evitar-se o uso de controle coercitivo; ao produzir e ampliar o autoconhecimento como resultado de interação social; ao respeitar e promover o outro ser humano como alguém importante; ao alterar padrões comportamentais do cliente por meio de procedimentos ontogenéticos, de maneira que viva melhor se sentindo bem e, por meio de procedimentos de terceiro nível de seleção, também contribua para que sua comunidade socioverbal viva melhor e se sinta bem e; ao levar o cliente a discriminar que, em interação com pessoas de seu ambiente socioverbal, pode desenvolver padrões comportamentais favoráveis ao enriquecimento da sua vida e à manutenção de práticas culturais benéficas ao grupo.
Somente por meio da discriminação, descrição e análise das contingências de reforçamento seremos capazes, em contexto clínico, de desestimular práticas culturais de segundo nível de seleção que mantêm desigualdades e prejuízos importantes ao ser humano (e a outros seres vivos) e desenvolver o terceiro nível de seleção, comprometendo-se com a prática ética da Análise do Comportamento. As propostas de contracontrole aos problemas sociais vivenciados na atualidade, conforme exemplificados neste artigo, são selecionadas pelo terceiro nível de seleção. Assim, o modelo de busca de soluções para problemas de importância individual, social e cultural apresentado por Skinner em Walden Two, inspirado pelas críticas sociais e utopia apresentados em Walden, pode contribuir no direcionamento das práticas dos analistas do comportamento em contexto clínico.
REFERÊNCIAS
Buso, M. V. (2025). Suicídio, bets e apostas de quotas fixas no Brasil: o que sabemos e por que ocorrem? Portal Comporte-se: Psicologia & AC. Recuperado de: https://comportese.com/2025/06/10/suicidio-bets-e-apostas-de-quotas-fixas-no-brasil-o-que-sabemos-e-por-que-ocorrem/
Comparini, I. (2025). Entre o Laboratório e o Sofá: Construindo Pontes entre a Pesquisa Experimental e Prática Clínica. Portal Comporte-se: Psicologia & AC. Recuperado de: https://comportese.com/2025/05/22/entre-o-laboratorio-e-o-sofa/
Guilhardi, H. J. (2020). Como entendo comportamentos clínicos de terceiro nível de seleção. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento, Campinas – SP.
Labate, A. (2025). O que é ‘Italian Brainrot’, meme da geração Alpha de personagens absurdos gerados por IA. Estadão. https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/italian-brainrot-entenda-meme-viral-da-geracao-alpha-com-tubaroes-de-tenis-e-cappuccinos-dancarinos-nprei/
Mazza, L. C.; Fontana, J.; Santos, I. Z.; & Melo, C. M. de (2019). Convergências entre o modelo de seleção natural e o estudo analítico-comportamental da cultura. In J. C. Luzia, J. Gamba, N. Kienen & S. R. de S. A. Gil (Org.), Psicologia e Análise do Comportamento: Pesquisa e Intervenção (pp. 13-22). Londrina: UEL. http://www.uel.br/pos/pgac/publicacoes/
Oxford Language (2024). Oxford University Press. https://corp.oup.com/word-of-the-year/
Quesada, A. A. (2025). Brain Rot: como proteger sua mente do excesso de estímulos superficiais na era digital? Blog Saúde, UNIFOR, 05/06/25. Fundação Edson Queiroz | Universidade de Fortaleza. https://unifor.br/web/saude/brain-rot-como-proteger-sua-mente-do-excesso-de-estimulos-superficiais-na-era-digital
Rahimi, R. (2024). “Brain rot” é a palavra do ano do dicionário de Oxford; saiba o que significa. CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/brain-rot-e-a-palavra-do-ano-do-dicionario-de-oxford-saiba-o-que-significa/
Sampaio, W. M., & Ferreira, P. R. dos S. (2017). Similaridades entre o Walden de Thoreau e o de Skinner. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 69(2), 4-20. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672017000200002&lng=pt&tlng=pt.
Skinner, B. F. (2002). Beyond freedom and dignity. Indianapolis: Hackett Publishing Company, Inc. (Original publicado em 1971).
Termômetro da Política (2025). Entenda o que é Tralalero Tralala, Brain Rot e os perigos para o desenvolvimento das crianças. Geral, 8 de junho de 2025. https://www.termometrodapolitica.com.br/geral/noticia/2025/06/08/entenda-o-que-e-tralalero-tralala-brain-rot-e-os-perigos-para-o-desenvolvimento-das-criancas/
Vale, C. (2025). Italian brainrot: especialista alerta pais sobre memes que estão viralizando entre crianças. Catraca Livre Portal e Comunicação LTDA. Bem-Estar, 29/05/2025. https://catracalivre.com.br/saude-bem-estar/italian-brainrot-memes/