A busca por uma atividade clínica comportamental estritamente funcional

A Análise do Comportamento conceitua os comportamentos como interações entre as manifestações dos seres humanos (e.g., ir ao supermercado, imaginar o próprio casamento) e variáveis ambientais que influenciam as manifestações (e.g., propaganda de um novo sorvete, fotos da ex-namorada). Os objetivos da Análise do Comportamento são a previsão e o controle do comportamento, ou seja, identificar as variáveis ambientais que controlam o comportamento de interesse e alterá-las para modificar esse comportamento na direção desejada (Skinner, 1953).

            A Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) se propõe a ser uma sistematização da Análise do Comportamento para o contexto clínico (Guilhardi, 2004, 2021). Os objetivos do psicoterapeuta que baseia sua prática na TCR são prever e controlar os comportamentos do cliente que produzem sofrimento para si mesmo e para as pessoas de sua convivência (Fester, 1972). O psicoterapeuta utiliza uma parcela das sessões para identificar os comportamentos que estão produzindo estímulos aversivos e/ou escassez de reforçadores positivos (ou seja, produzindo sofrimento), e as variáveis ambientais que mantêm tais comportamentos. Por exemplo, um afastamento de situações sociais (comportamento que poderia ser classificado como relevante) pode ser mantido pela diminuição do contato com comportamentos de terceiros que possuem função aversiva. Posteriormente, o profissional poderá apresentar novas variáveis com o objetivo de enfraquecer os comportamentos-problema e, principalmente, instalar comportamentos mais efetivos (Guilhardi, 2004). Por exemplo, apresentar modelos de interação interpessoal mais efetivos, em conformidade com os déficits no repertório do cliente, e reforçar positivamente os comportamentos imitativos do cliente sob controle desses modelos.  

            Seria de se esperar que os comportamentos do psicoterapeuta comportamental fossem controlados pelas hipóteses funcionais formuladas durante as sessões de psicoterapia (Guilhardi, 2004). No entanto, esse é um processo complexo e o psicoterapeuta pode inadvertidamente ficar sob controle de outros aspectos do caso clínico e, consequentemente, não atuar diretamente sobre as contingências de reforçamento mantenedoras dos comportamentos relevantes. Vamos descrever alguns exemplos em que o psicoterapeuta pode não estar sob controle das possíveis variáveis mantenedoras dos comportamentos-alvo.

            1. O psicoterapeuta fica sob controle do fenótipo (isto é, da aparência) do comportamento do cliente. Quando identificamos um comportamento como objeto de investigação, trabalhamos não com uma instância (uma emissão isolada), mas com uma classe de respostas. Uma classe de respostas é concebida como todas as respostas que são evocadas e consequenciadas pelas mesmas classes de estímulos, independentemente de suas aparências (Catania, 1998/1999). Por exemplo, um cliente pode fumar um cigarro ou mexer no celular e, apesar de serem respostas fenotipicamente diferentes, ambas podem pertencer à mesma classe de respostas por afastarem o sujeito do ambiente de trabalho. O psicoterapeuta pode ficar sob controle do fenótipo “fumar um cigarro” e propor intervenções para diminuir a frequência desse comportamento (e.g., um protocolo para cessação de tabagismo), sem levar em conta a consequência que provavelmente está controlando essa e outras respostas da classe, no caso, se afastar do trabalho. Uma investigação mais aprofundada identificaria a função aversiva do trabalho e buscaria entender o motivo de tal função (e.g., chefe agressivo, déficit no repertório social para interagir com os colegas, pouca habilidade com as tarefas inerentes à atividade etc.).

            Um comentário. A TCR opta pelo termo “fenótipo” em vez de “topografia” para indicar a aparência do comportamento. A palavra “topografia” se origina do latim tópos que significa “lugar”. Na Análise Experimental do Comportamento, a palavra “topografia” foi utilizada para se referir ao local em que a resposta foi emitida e não à forma da resposta. Assim, por exemplo, a classe de respostas de pressão à barra pode apresentar diferentes fenótipos (e.g., pressionar a barra com uma pata ou com as duas patas) e ocorrer em uma mesma topografia (local) (Aranha & Oshiro, 2021). Uma terminologia semelhante, “fenótipo comportamental”, é encontrada em Teixeira et al. (2010).

            2. O psicoterapeuta ficar sob controle do fenótipo das relações entre eventos descritos pelo cliente. Por exemplo, o cliente pode descrever que “foi ao aniversário do pai porque quer ver o pai feliz”. Sem uma avaliação detalhada, não é possível levantar hipóteses sobre quais foram as contingências de reforçamento que controlaram a verbalização. O acúmulo de evidências sobre a relação entre o cliente e o pai pode fortalecer ou enfraquecer a hipótese de que ele se importa com os sentimentos do pai. Se o cliente já houvesse relatado que procura o pai quando precisa de dinheiro ou que possui sentimentos negativos em relação ao pai, é possível que ele tenha ido ao aniversário por outros motivos: se esquivar da crítica do pai, se esquivar da crítica da mãe, ver amigos que estariam lá etc.

3. O psicoterapeuta supõe uma análise de contingências de reforçamento a partir do diagnóstico ou do fenótipo das respostas. O cliente pode buscar a psicoterapia por encaminhamento de um profissional de saúde mental e ter recebido um diagnóstico baseado nos critérios do DSM-5-TR (APA, 2022). O psicoterapeuta comportamental não irá negligenciar esse dado – ao contrário, se perguntará sob que controle o profissional ficou para fazer tal classificação – nem começará a trabalhar sob controle exclusivo do diagnóstico. Por exemplo, um cliente pode buscar psicoterapia e relatar que recebeu o diagnóstico de “Transtorno por Uso de Álcool”. Ao invés de o psicoterapeuta ficar sob controle do comportamento do cliente para realizar a avaliação do caso, ele poderia inferir, a partir de tal diagnóstico, que parte do repertório do cliente está sob controle dos reforçadores positivos e negativos relacionados ao álcool (e.g., efeito farmacológico, síndrome de abstinência) e iniciar a intervenção. O diagnóstico não necessariamente conduz a tais contingências de reforçamento. Uma análise mais precisa poderia indicar que o cliente apresenta alta frequência de comportamentos de beber, contudo, quando está próximo a amigos que o consideram “careta”. Portanto, esse cliente bebe para ser aceito. Essa análise conduziria a investigação dos comportamentos e sentimentos de autoconfiança e autoestima do cliente e como o profissional poderia construí-los e fortalecê-los para que o sujeito não precisasse se submeter à opinião do grupo social.

Referências

American Psychatric Association. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed., text revision). Washington: APA. https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787

Aranha, A. S., & Oshiro, C. K. B. Transtornos por uso de substâncias na perspectiva analítico-comportamental. In F. M. Lopes, A. L. M. Andrade, R. A. Reichert, B. O. Pinheiro, E. A. Silva, & D. De Micheli (Orgs.), Psicoterapia e abuso de drogas: Uma análise a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas (pp. 127-144). Curitiba: CRV. https://doi.org/10.24824/978652511044.8.127-144

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (4a ed.) (D. G. de Souza, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Obra original publicada em 1998).

Ferster, C. B. (1972). An experimental analysis of clinical phenomena. The Psychological Record, 22, 1-16. https://doi.org/10.1007/BF03394059

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento. In C. N. Abreu & H. J. Guilhardi (Eds.), Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas clínicas (pp. 3-40). São Paulo: Roca.

Guilhardi, H. J. (2021). Seleção por consequências: A breve história de um terapeuta comportamental. In B. A. Strapasson, A. Ditrich, & R. N. Cruz (Orgs.), História da análise do comportamento no Brasil em autobiografias (pp. 181-226). Curitiba: Editora UFPR.

Skinner. B. F. (1953). Science and human behavior. New York: McMillan.

Teixeira, M. C. T. V., Monteiro, C. R. C., Velloso, R. L., Kim, C. A., & Carreiro, L. R. R. (2010). Fenótipo comportamental e cognitivo de crianças e adolescentes com síndrome de williams-beuren. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 22(3), 215-220. https://doi.org/10.1590/S0104-56872010000300010

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Escrito por Alan Souza Aranha

Possui graduação em Formação de Psicólogo e graduação em Bacharelado e Licenciatura em Psicologia pela Universidade Paulista (UNIP-Campus Sorocaba) (2009) (CRP 06/100599), especialização em Terapia Comportamental - Terapia por Contingências de Reforçamento pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas) (2011), mestrado (2017) e doutorado (2023) em Ciências pelo Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (PSC-USP). Tem interesse em diferentes temas pertinentes a terapia comportamental, incluindo: terapia por contingências de reforçamento, análise de contingências de reforçamento, psicopatologia, transtorno por uso de substâncias, identificação de variáveis independentes relacionadas a instalação e manutenção dos transtornos por uso de substâncias, entre outros. Atua como psicólogo e supervisor clínico em consultório particular e docente convidado em cursos de pós-graduação em Psicologia. No passado, atuou como docente em cursos de graduação em Psicologia, especialmente em disciplinas relacionadas a Análise do Comportamento. contato: alansaranha@gmail.com @alanaranhapsicologo

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