Recentemente, dois artigos foram publicados com o termo “psicologia social comportamentalista radical” em seus títulos. É oportuno pensarmos um pouco sobre os significados em se propor um projeto nesses termos. No texto “Rumo a uma Psicologia Social Comportamentalista Radical”, de Flores Júnior, Laurenti, Borba e Tourinho (2024), tentamos apresentar algumas formulações teóricas para contribuir com o que poderia ser esse projeto na atualidade da comunidade analítico-comportamental brasileira. Em “Por uma psicologia social comportamentalista radical a partir de Celso Pereira de Sá”, Alves e Miranda (2025) trataram de um ponto de vista histórico as propostas do carioca Celso Pereira de Sá, autor com contribuições reconhecidas na psicologia social brasileira, mas cujas formulações sobre uma base comportamentalista para suas análises psicossociais receberam um certo tratamento de silêncio tanto nos espaços da psicologia social quanto da análise do comportamento.
Esse é um ponto de tensão fundamental. Logicamente, não há contradição entre ser comportamentalista radical e ser uma psicologia social, já que um termo se refere a uma fundamentação teórica e o outro a uma área da psicologia. No entanto, temos comunidades acadêmicas e profissionais consolidadas e distintas entre si. Em um cenário no qual uma compreensão científica integral sobre a psicologia humana parece um projeto abandonado, as diferentes áreas de interesse do campo psicológico vão se identificando em pequenas teorias fragmentárias e autocentradas em suas próprias questões. Essa tendência se faz muito evidente na psicologia social, especialmente considerando o quão fundamental “o social” é na vida humana, de modo que uma visão cindida de ser humano na psicologia social possa parecer muito menos cindida do que em outras áreas cujos limites sejam mais explícitos. São muito mais óbvios os limites de uma teoria psicológica do esporte, e certamente não esperaríamos uma compreensão de uma psicologia geral a partir de um modelo teórico da psicologia do trânsito. Qualquer tentativa de compreensão científica da psicologia humana enfrenta o desafio de se comunicar com as contradições das formulações particulares dessas comunidades e subcomunidades de especialistas.
A análise do comportamento brasileira, por sua vez, ainda guarda essa característica talvez antiquada de se identificar a partir de sua concepção teórica, ao invés de se definir pelo fragmento da vida humana que irá tomar para si. Isso também não ocorre sem contradição. Assumimos que nosso conhecimento nos informa sobre o comportamento humano em sua diversidade de contextos, mas, na realidade institucional da psicologia, consolidamos nossas práticas e nossos marcos metodológicos na área da psicologia experimental. Uma psicologia geral experimental não é mais razoável do que uma psicologia geral social ou uma psicologia geral jurídica seriam. A tradição experimental se volta a modos específicos de formular nossas questões e dimensões específicas do conhecimento psicológico. Seguir com a pretensão de uma teoria psicológica geral enquanto nos mantemos restritos aos moldes de uma psicologia experimental significa manter uma compreensão parcial da existência humana, que nos leva à procura de altos graus de abstração e generalização dos conhecimentos produzidos, a um controle explícito e artificial de variáveis, à naturalização da separação instrumental entre sujeito experimental, ambiente experimental e sujeito do conhecimento, à simplificação das variáveis a serem consideradas, à busca de saberes que prescindem de particularidades contextuais, e por aí vai.
Por um lado, poderíamos argumentar que a psicologia experimental está em melhores condições de conduzir uma psicologia geral, na medida em que seus objetivos são justamente um alto grau de generalidade, produzindo conhecimentos que permaneçam verdadeiros a despeito das particularidades de cada contexto. Em contraste, áreas da psicologia que tratam de contextos específicos ficariam com a tarefa impossível de comprovar que o ser humano é uma criatura totalmente diferente quando está em uma escola, em um hospital ou em uma interação sexual. Em um caminho diferente, podemos argumentar que a psicologia social está em melhor posição para compreender a condição humana, uma vez que é na vida social que a maior parte do nosso repertório é construído, e é a psicologia social que busca nos informar a respeito dos processos sócio-históricos que constituem o contexto amplo que determina nossas condições de vida antes mesmo de nascermos. A verdade é que muitas coisas podem ser afirmadas nos atendo apenas a verdades parciais.
Centrando a discussão na análise do comportamento, podemos perceber que nos deparamos com um dilema identitário. Somos analistas do comportamento por nossa perspectiva teórica comportamentalista radical ou por nossos métodos e técnicas consolidados? A segunda alternativa nos enclausura aos limites de uma psicologia experimental, enquanto a primeira nos coloca frente ao desafio da interface do nosso conhecimento com os mais diversos campos da vida humana, o que não poderia ser feito sem diálogos transdisciplinares e sem uma flexibilização de nossos métodos. Ao propor sua formulação em relação à questão “O que nos torna analistas do comportamento?”, Zilio (2019) apresentou argumentos que levavam a uma centralidade da teoria e do teorizar como os elementos integradores da área.
Assumindo a teoria comportamentalista radical como elemento integrador de nossa área, não esperamos de modo algum que o campo particular da psicologia social nos forneça uma nova teoria sobre o comportamento humano. Também não é o caso de assumir um projeto reducionista, que vise resumir a complexidade dos fenômenos humanos às suas dimensões comportamentais ou psicológicas. A tarefa que se coloca a uma psicologia social comportamentalista radical é, antes de qualquer coisa, a de lidar com as interfaces de nossa teoria psicológica com as teorias sociais, aquelas que versam sobre os fenômenos societais. Não à toa, a questão foi tratada recentemente por Fernandes e Bulzico (2024) no importante texto “Teorias psicológicas e teorias sociais: Em busca da sintonia fina”. Lidar com diferentes dimensões e níveis de análise do saber científico é um desafio intelectual considerável, que não se faz sem um esforço coletivo contínuo, nem sem abertura para avaliar nossas posições, nossas práticas e os limites de nossas tradições consolidadas.
O projeto de uma psicologia social comportamentalista radical envolve o compromisso teórico com a teoria psicológica comportamentalista, em seu reconhecimento à possibilidade do conhecimento científico sobre o comportamento humano em termos gerais, sem deixar de reconhecer também que grande parte desse conhecimento só se concretiza com a compreensão dos contextos particulares e das condições sócio-históricas que produzem as contingências do nosso comportamento no mundo real. Não se trata, portanto, da ideia de uma transformação da análise do comportamento em uma psicologia social, nem do abandono de seus campos mais consolidados. A necessidade apontada é de um campo da análise do comportamento que lide com as interfaces do comportamento individual com a realidade societal em suas especificidades sócio-históricas, de um modo que esse campo possa informar e ser informado pelo restante da ciência do comportamento, no caminho da construção de um saber científico coerente e cada vez menos fragmentado.
Referências:
Alves, R. G., & Miranda, R. L. (2025). Toward a radical behaviorist social psychology from Celso Pereira de Sá. Estudos de Psicologia, 42, e220081. https://doi.org/10.1590/1982-0275202542e220081
Fernandes, D. M., & Bulzico, F. (2024). Teorias Psicológicas e Teorias Sociais: Em Busca da Sintonia Fina. Acta Comportamentalia, 32(4), 607–624. https://doi.org/10.32870/ac.v32i4.88492
Flores Júnior, C. R., Laurenti, C., Borba, A., & Tourinho, E. Z. (2024). Rumo a uma Psicologia Social Comportamentalista Radical. Acta Comportamentalia, 32(4), 647–666. https://doi.org/10.32870/ac.v32i4.88494
Zilio, D. (2019). O que nos torna analistas do comportamento? A teoria como elemento integrador. Acta Comportamentalia, 27(2), 233-249. https://doi.org/10.32870/ac.v27i2.69862