Entre o Laboratório e o Sofá: Construindo Pontes entre a Pesquisa Experimental e Prática Clínica

“Escrevi anteriormente sobre a importância da análise aplicada do comportamento para pesquisadores básicos. Tal relação, entretanto, é recíproca; também é crítico que os terapeutas compreendam e até participem da pesquisa básica”. (Sidman, 2011)

O texto de hoje se propõe a destacar, dentro de um recorte, a ponte metodológica entre a prática clínica de psicoterapia e o processo de pesquisa no laboratório. Sidman (2008, 2011) já destacava a importante inter-relação e influências múltiplas entre os campos. 

As pesquisas de laboratório, de maneira geral, podem abarcar diversas áreas de conhecimento como medicina, psicologia, engenharia, química e farmacologia. Tais pesquisas, assim como seus produtos, têm impacto importante na sociedade na medida em que colaboram para o avanço em diversos campos de conhecimento, desenvolvem novas tecnologias e tratamentos, melhoram a qualidade de produtos e serviços etc. Além disso, possibilitam que, dentro de condições controladas, possamos prever e controlar determinadas variáveis. É um pilar fundamental para o desenvolvimento humano baseado em evidências científicas.

O aperfeiçoamento de determinada condição (instrumento, técnica ou metodologia) pode contribuir para o desencadeamento, inclusive, de novas pesquisas e arcabouços teóricos. Por exemplo, o telescópio e o microscópio possibilitaram observar questões até então desconhecidas e, com esta ferramenta em mãos, pesquisadores e estudiosos puderam formular novos conceitos, explicações e até mesmo formas de “pensar o mundo” – novas informações e análises que forneçam, por sua vez, explicações mais consistentes e baseadas em evidências científicas. 

Pode-se ponderar ainda sobre uma nova ponte: a inter-relação entre a pesquisa e processos de análise do comportamento. Assim como o microscópio e o telescópio, ferramentas como aquela desenvolvida por Pavlov (que permitiu medir os níveis de salivação em seu famoso experimento com o cão), os labirintos desenvolvidos para avaliar o condicionamento operante, ou mesmo a caixa de Skinner; permitiram que analistas do comportamento pudessem observar e medir fenômenos que, a priori, eram apenas hipóteses. Os comportamentos avaliados poderiam ser dos mais diversos: aprendizagem, comportamento de fazer escolhas, discriminação, memória, responder em condições aversivas etc.

Desta forma, Andery (2010) destaca que “o responder de um organismo é estudado extensamente, no decorrer do tempo e de condições experimentais. Para tanto, são escolhidas (dimensões de) repostas e são manipuladas condições experimentais que permitem, em princípio, a recorrência de repostas, no tempo.”. Assim, não são enfocadas as possibilidades de emissão de respostas, mas nos procedimentos que possibilitem a ocorrência e recorrência de tais respostas. Medem-se as magnitudes do responder que são afetadas no processo de relação do organismo com o ambiente, por exemplo, a taxa de respostas.  A autora ainda aponta que pesquisas em análise do comportamento, assim como seus métodos, devem estar pautados nos trabalhos de Skinner, ou seja, fundamentados nos pressupostos filosóficos do Behaviorismo Radical.

Um ponto importante é que:desenvolveu-se na análise experimental do comportamento mais do que um conjunto de práticas específicas ou de técnicas de pesquisa, desenvolveu-se uma filosofia da experimentação em ciências comportamentais

O método experimental destacou-se como uma possibilidade de análise e descrição que permitiria também aumentar a probabilidade de predição e controle mais do que qualquer outro método de pesquisa. Fundamentado na explicação de que fenômenos são determinados ou se relacionam com outros fenômenos de maneira regular, o método experimental ganhou forças. Define-se o fenômeno de interesse e as características desse fenômeno são mensuradas (variável). Manipula-se, então, um segundo conjunto de variáveis, partindo do pressuposto que, estas duas variáveis, se relacionam ou determinam um conjunto de resultados. Por fim, se tais manipulações fornecem resultados consistentes, assume-se uma inter-relação de dependência entre essas variáveis, na qual, o método experimental fornece a possibilidade de replicabilidade e controle de variáveis. Andery (2010) descreve os pressupostos que baseiam a perspectiva única que caracteriza a pesquisa experimental em análise do comportamento. Citarei algumas:

(1) Comportamento é um fenômeno natural, ou seja, submetido a leis, ou, ainda, passível de descrição, previsão e controle;

(2) Comportamento é definido como interações indivíduo-ambiente, portanto os sujeitos individuais são sensíveis a alterações ambientais e se modificam nas suas interações com o ambiente;

(3) As relações comportamentais são relações funcionais entre estímulos (ambiente) e respostas (atividade do organismo) e, portanto, as descrições topográficas são de interesse secundário;

(4) Comportamento é um fenômeno histórico e relacional;

(5) A descrição/explicação do comportamento envolve a descrição de processos; 

Sidman (1994) apontou que embora os métodos laboratoriais sejam frequentemente desenvolvidos para o estudo de processos comportamentais fundamentais, as técnicas ficam disponíveis para aplicação fora do laboratório.

O laboratório comportamental veio a ser não um campo isolado, mas sim parte do mundo real de terapeutas”. (Sidman, 2011)

 De Souza (2019) descreve que é preciso tentar dominar o conhecimento produzido na área. O analista do comportamento que se debruçar com objetivo de conhecer sobre os conteúdos e os caminhos que levaram a eles, estará pautado de instrumental teórico, conceitual e de procedimentos. Estes devem guiar suas análises e interpretações que darão base para planejar intervenções com embasamento científico, ou mesmo, gerar novos estudos. Além disso, Sidman (2008) descreve que estar baseado em uma prática científica consistente de análise do comportamento permite que os terapeutas lidem com desafios clínicos além daqueles para os quais foi treinado.

Neste sentido, Sidman (2011) também descreve que o conhecimento de princípios básicos da análise do comportamento unido à pesquisa científica fornecerá possibilidades e soluções para questões difíceis de tratar. O autor considera a fomentação do termo “cientista terapeuta” a partir de duas interações recíprocas 1) cientistas e sujeitos experimentais, e 2) entre terapeutas e clientes.

Terapeutas que, por uso adequado das ferramentas e tecnologias que o analista de comportamento dispõe, mensuram de forma cuidadosa os comportamentos de seu cliente e modificam os procedimentos terapêuticos sob controle das alterações de seu cliente atuam como cientistas comportamentais.

“Por exemplo: se um sujeito experimental não aprende, o experimentador fará alterações tais como aumentar o tamanho dos reforçadores, reduzir o espaço de tempo entre comportamento e reforçamento, verificar se sujeito e experimentador estão sob controle dos mesmos estímulos e assegurar-se de que o sujeito já aprendeu todos os pré-requisitos para o comportamento que está sendo considerado. Terapeutas eficientes farão a mesma coisa”. (Sidman, 2011. p 11)

Para o autor supracitado, quando os dados experimentais consolidam em mudanças – nos grupos de terapeutas e pesquisadores e, por fim, na camada social – a pesquisa foi bem-sucedida e, ainda, pode gerar sentimentos de realização pessoal.

Os maiores problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano. As concepções tradicionais têm estado em cena há séculos e creio ser justo dizer que se revelaram inadequadas. São, em grande parte, responsáveis pela situação em que nos encontramos hoje.” (Skinner, 1974. p. 11)

Assim, o fortalecimento do vínculo entre o laboratório e o consultório amplia as possibilidades da ciência do comportamento e contribui para práticas psicoterapêuticas mais eficazes, éticas e com embasamento. Ser psicoterapeuta, nesse contexto, é também ser pesquisador: emite comportamentos de observação, mensuração, realiza análises e, se necessário, os ajusta com base em dados e princípios sólidos. O bom psicoterapeuta é, antes de tudo, um bom cientista.

Nota: grifos, negritos e itálicos acrescentados pela presente autora

Referências:

Andery, M.A.P. (2010). Métodos de pesquisa em análise do comportamento. Psicol. USP 21 (2) • Jun 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusp/a/zgpnh58bStXMQjZg3MN8CZf/?lang=pt

De Souza, D. (2019). In Experimentos clássicos em análise do comportamento (P. G. Soares, J. H. de Almeida & C. R. X. Cançado, Orgs.). Instituto Walden4. Vol 2. P.16.

Sidman, M. (2008). O impacto da ciência na aplicação: Rua de mão única?. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 4, 9-11

Sidman, M. (2011). Compreender a pesquisa básica pode melhorar a efetividade dos profissionais que trabalham com aplicação? Perspectivas pessoais e reflexões. Journal of Applied behavior Analysis, n.4, pp. 973-991. Traduzido por: Aguirre, N.C., Guilhardi, H.J.

Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo, São Paulo: Cultrix.

0 0 votes
Classificação do artigo

Escrito por Ingrid Comparini

Mestre no Programa de Psicologia como Profissão e Ciência na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2016). Especialista em Psicologia Clínica Comportamental (Terapia por Contingências de Reforçamento) (2016), formação em Intervenção Comportamental com indivíduos diagnosticados com Autismo (2018) e Formação em Psicologia Clínica Comportamental pelo mesmo Instituto (ITCR- Campinas). Extensão em "Neuropsicologia, cognição e emoção" pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2020). Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2013). Atua como psicoterapeuta clínica no atendimento de adultos; supervisora de atendimentos dentro da matriz analítico comportamental e como Docente das disciplinas de Análise Experimental do Comportamento e Avaliação e Medidas em Psicologia; Já atuou como Revisora de periódicos científicos e orientadora de Monografias e Trabalhos de conclusão dos cursos de especialização e pós graduação.

Psicopatologização e gênero: a narrativa da “Mãe Narcisista”