Behaviorismo Radical (BR) e Contextualismo Funcional (CF) são familiares muito próximos, mas seu grau de parentesco não é consenso entre os pesquisadores da área. Ambos são abordagens em filosofia da ciência que procuram estabelecer fundamentos teóricos e metodológicos para a investigação sobre o comportamento humano e seus determinantes. Um importante ponto em comum entre esses referenciais é a postura pragmatista, segundo a qual nossas tentativas de explicar os fenômenos devem ser avaliadas com base no quanto essas explicações efetivamente nos ajudam a modificar a realidade. Os defensores do CF costumam dizer que ele é uma versão aprimorada do BR (Hayes, 2021), mas os behavioristas radicais mais ortodoxos discordam, argumentando que as inovações do CF são desnecessárias ou mesmo prejudiciais.
Seria possível explicar esse desentendimento familiar de forma mais técnica, mas prefiro chamar atenção para um aspecto aparentemente superficial, mas de considerável relevância: a estética. Wittgenstein, certa vez, disse que behaviorismo é uma palavra horrorosa. Não consigo discordar. E arrisco dizer que, para a maior parte das pessoas, essa palavrinha estranha parece designar algo muito ameaçador, algo que seria prudente eliminar. E como se não bastasse a aversividade que parece brotar dos próprios fonemas, Skinner ainda lança mão do termo radical. Desse modo, não seria de estranhar que algum leitor incauto imaginasse que Skinner se encantou com o behaviorismo, que, como o nome indica, já era uma coisa ruim por si só, e deu um jeito de inflar o seu potencial nocivo, criando assim algo muito pior: o Behaviorismo Radical.
Outro dia, dei uma entrevista para um jornal da TV local, sobre o uso de telas. Enquanto o técnico montava o equipamento, tive uma agradável conversa com a repórter. Agradável até ela perguntar sobre minha orientação teórica. Eu falei que era psicólogo contextual e ela disse que não sabia do que se tratava. Pensou um pouco e acrescentou:
– Ah, mas não é aquele tal de behaviorismo não, né?
As expressões faciais e a postura corporal com que ela fez essa pergunta davam claros indícios de que eu já não era visto como mero especialista em comportamento, mas como uma espécie de malfeitor. Depois que a entrevista terminou, minha imaginação ficou entretida com a ideia de que minha interlocutora – e muitas outras pessoas – enxerga no behaviorista radical um supervilão em potencial, a quem falta apenas algum acidente de laboratório, como uma mordida de um rato Wistar radioativo, para ganhar superpoderes que os habilitariam a concretizar sua abjeta obsessão pelo controle absoluto do destino da humanidade. Felizmente, a entrevista não abordou nada disso.

Essa imagem sombria, obviamente, está longe de ser um retrato fiel do behaviorista radical, mas é uma caricatura com traços de veracidade que vale a pena examinar. Skinner, o criador do BR, utilizava o termo controle frequentemente e defendia com veemência que a ciência comportamental que ele ajudou a construir tinha as ferramentas de que a espécie humana precisa para se salvar da extinção. Sua novela Walden Two, publicada em 1948, é uma exposição ficcionalizada dessas ideias, retratando uma comunidade utópica construída com base na Análise do Comportamento. Fora do terreno da ficção, em Ciência e Comportamento, publicado na década de 1950, Skinner declara abertamente que a aplicação dos princípios analítico-comportamentais podem ser a última esperança da humanidade.
Essa imensa confiança nas capacidades da ciência behaviorista radical gerou rejeição em boa parte do público. Skinner confiava tanto na eficiência da Análise do Comportamento para modificar comportamentos, que muitas vezes achou desnecessário incluir simpatia ou tato em alguns de seus textos. Frazier, o personagem fundador de Walden Two, é uma figura extremamente arrogante, que frequentemente se dirige de forma ríspida às pessoas que duvidam dos alegados prodígios daquela comunidade ou da pertinência da teoria por trás deles. O homem é tão convicto da relevância de seus conhecimentos que em certa cena ele chega a devanear que é similar ao Deus cristão, só que melhor.
Esse tom que tende à prepotência também está presente em diversos textos teóricos, como “Por que não estamos agindo para salvar a humanidade?” (1987) em queSkinner afirma que “… construir uma nova cultura desde o início pode ser nossa única esperança” (p.12). A expressão “desde o início” é passível de múltiplas interpretações… e algumas delas são bastante compatíveis com aquela imagem do supervilão, induzindo o leitor a pensar em lavagem cerebral, genocídio e outras atrocidades. Quem conhece bem o pensamento de Skinner sabe que ele não tinha nada disso em mente, mas pouquíssima gente conhece bem o pensamento de Skinner.
Os criadores do CF perceberam que a linguagem utilizada pelos behavioristas radicais tende a afetar negativamente o público leigo. Observemos, por exemplo, o vocabulário usual da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), um modelo psicoterápico fundamentado no CF. Diferentemente da lista de expressões técnicas que os behavioristas radicais importam do laboratório, o dicionário da ACT está repleto de termos mais intuitivos e palatáveis, como aceitação, compromisso, abertura, valores, consciência, atenção plena e assim por diante. Segundo Steven Hayes, criador da ACT, ao divulgar as teorias e práticas da psicologia para a audiência não especializada, é mais estratégico evitar palavras como controle: “o termo frequentemente tem sido interpretado como se os analistas do comportamento desejassem comandar ou dominar as pessoas – usurpar aquilo que tradicionalmente se concebia como o controle que as próprias pessoas exerciam sobre seu comportamento” (Hayes et al 1996, p. 11). Falando sobre influenciar e não sobre controlar, conseguimos dizer praticamente a mesma coisa e evitamos assustar os interlocutores.
Desse modo, os contextualistas funcionais, apesar de supostamente adotarem a teoria básica do condicionamento operante proposta pelo BR, costumam ser mais permissivos no uso da linguagem, utilizando expressões que muitos behavioristas radicais consideram pouco rigorosas. Alguns dos termos mais caros aos terapeutas ACT, como fusão cognitiva e aceitação, se distanciam bastante dos ideais defendidos pelo BR, pois apresentam ambiguidades que podem gerar problemas na teoria e na prática. Essa permissividade linguística, de acordo com os behavioristas radicais mais ortodoxos, faz com que os terapeutas ACT, em muitos momentos, ajam de forma muito similar aos cognitivistas, os arqui-inimigos dos behavioristas radicais.
Para Skinner, o cognitivismo é uma forma improdutiva de fazer psicologia, pois busca explicar o comportamento apelando a ficções explicativas sobre o que supostamente ocorre no cérebro ou na mente do indivíduo. Isso é problemático porque explicações mentalistas, como “fulano agiu daquela forma porque tem uma personalidade agressiva”, são circulares e não nos conduzem ao que realmente contribui para a compreensão do comportamento, que é a interação do indivíduo com o ambiente. Por esse motivo, um dos primeiros passos na formação de um analista do comportamento skinneriano é aprender que a mente não explica o comportamento e tomar cuidado para não deixar escapulir no momento errado nenhuma fala de cunho mentalista, o que é muito difícil porque essa é forma de falar sobre o comportamento que aprendemos desde a primeira infância e utilizamos cotidianamente nos mais diversos contextos.
Para o behaviorista radical tradicional, os teóricos da ACT, ao utilizar uma linguagem tão alheia ao rigor do laboratório, se arriscam muito a cometer erros mentalistas. De fato, há, na literatura do CF, muitos termos vagos que demandam um robusto trabalho de elucidação conceitual. Entretanto, esse mesmo uso vago e potencialmente mentalista da linguagem contribuiu para que a ACT obtivesse um sucesso de público que a clínica behaviorista radical nunca conseguiu alcançar. Em parte, esse sucesso se deve à convivência harmoniosa da ACT com o cognitivismo, que além de ser o arqui-inimigo mentalista do BR, é também a abordagem psicológica hegemônica no mundo há algumas décadas, como se pode perceber pela elevada demanda pelos serviços dos terapeutas cognitivo-comportamentais (TCC).
Os terapeutas ACT frequentemente usam uma linguagem similar à dos cognitivistas, publicam em periódicos cognitivistas, participam e organizam congressos com os cognitivistas, se engajam em debates produtivos com os cognitivistas e conduzem pesquisas em parceria com cognitivistas. Certa vez, conversando sobre isso com um amigo behaviorista radical, ele me confidenciou que tem a impressão de que alguns ex-colegas que utilizam a ACT em sua prática profissional eventualmente se engajam em diálogos da seguinte natureza, quando abordados por clientes em potencial:
– Qual é sua abordagem?
– É a Terapia de Aceitação e Compromisso.
– Ah. É TCC, né?
– Você prefere que seja?
– Sim.
– Então, é.
Perguntei a esse amigo o que ele faria em tal situação e ele me respondeu:
– Entre ser confundido com um cognitivista e acharem que eu sou um ajudante de supervilão, prefiro a segunda opção.
No início deste texto, mencionei que tanto o CF quanto o BR se fundamentam no pragmatismo. Quando pensamos sob essa perspectiva, aquela observação sobre a carência de beleza da palavra behaviorismo, que a princípio parece um devaneio despropositado, pode ser bastante útil. Pensar cuidadosamente nas palavras que empregaremos para nos dirigir a diferentes audiências é uma forma de exercer controle – ou influência, como preferem os contextualistas funcionais – sobre o comportamento das pessoas que aceitarão ou não nossas teorias e serviços. Dito isso, cabe questionar: dado que a ACT alcançou uma adesão significativamente mais ampla do que a clínica behaviorista radical, como afirmei anteriormente, seria razoável afirmar que o CF obteve mais sucesso, em termos pragmatistas, do que o BR? Essa pergunta pode originar uma boa discussão, mas para isso será necessário discorrer mais sobre o pragmatismo. Fica para o próximo texto. Até lá.
Referências
Carrara, K. (2012). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica (2ª ed.). Editora Autores Associados.
Hayes, S. C., Hayes, L. J., Reese, H. W., & Sarbin, T. R. (1996). Varieties of scientific contextualism. In H. W. Reese & T. R. Sarbin (Eds.), Behavior analysis and human behavior (pp. 11–27). Context Press.
Hayes, S. C. (2021). Contextual behavioral science as a distinct form of behavioral research and practice. In D. Zilio & K. Carrara (Eds.), Contemporary behaviorisms in debate (pp. 239–256). Springer.
Magalhães, T. (2021). Behaviorismo Radical e Paternalismo Libertário: Uma Análise Epistemológica Comparativa. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 23, 1-24.
Skinner, B. F. (1987). Why we are not acting to save the world. Upon further reflection, 1-14.